NOTA 7,0 Drama mostra a adaptação de um homem a uma nova rotina que inclui resgatar o contato com os filhos |
Notadamente na maioria das
famílias os filhos têm um envolvimento maior com as mães do que com os pais,
talvez por elas serem mais carinhosas, compreensivas e abertas ao diálogo,
embora esse paradigma esteja cada vez mais em decadência e muitos homens tem
assumido seu lado mais emocional perante a família, seja em busca de uma
convivência mais harmoniosa com a esposa ou até mesmo para suprir a falta dela
dentro de seu clã. O diretor Scott Hicks, de Shine – Brilhante, aborda justamente esta última possibilidade no
drama Os Garotos Estão de Volta. Depois da trágica morte de sua
segunda esposa, Katy (Laura Fraser), devido a um agressivo câncer, o conhecido
jornalista esportivo Joe Warr (Clive Owen) tem que tomar conta de seu filho
Artie (Nicholas McAnulty) de apenas seis anos. O problema é que ele era tão
dedicado ao trabalho que praticamente não conhece o próprio filho, não fazendo
idéia das qualidades, defeitos, vontades, rotina, sonhos, enfim tudo o que
possa envolver o universo deste garoto. As coisas ficam ainda mais complicadas
para Warr quando o adolescente Harry (George MacKay), filho de seu primeiro
casamento, se muda para a Austrália para viver com ele durante uma temporada. A
partir desse momento, Warr terá que se virar para manter uma casa habitada só
por rapazes, porém, as dificuldades em se lidar com uma criança e um
adolescente ao mesmo tempo são muitas, ainda mais quando também estão em jogo
as memórias, os ressentimentos do passado e as dúvidas sobre o futuro. Owen é
um bom ator que abraça os mais variados tipos de papéis, mas não tem em seu
currículo muitos dramas. Aqui ele encabeça o elenco e dá conta do recado
direitinho representando o papel do homem contemporâneo, aquele que não pode se
dar ao luxo de ter uma mulher em casa para cuidar das crianças e dos afazeres
domésticos. Não por opção, mas sim por necessidade, o protagonista precisa
lidar com as tarefas cotidianas da casa, cuidar das necessidades de seu
trabalho e ainda dar atenção aos filhos, sendo que o mais velho vive em
constante conflito com o pai. Todas as
representações destas situações são totalmente críveis. Hicks é um cineasta que
sabe trabalhar com a sensibilidade de forma natural e sem ser apelativo, assim
dando à obra um toque mais realista.
É certo que muitos podem se decepcionar
ao perceber que o roteiro de Allan Cubitt não trata de maneira profunda a
realidade do protagonista optando por suavizar as suas dificuldades, erros e
anseios. Conforme a narrativa avança, pode parecer que Warr opta por oferecer
uma educação desregradas aos filhos, mas na verdade este aparente despojamento
faz parte dos ensinamentos pelos quais ele e seus filhos vão passar. Comumente
colocamos a figura da mãe como o pilar de sustentação de uma família, mas
quando ela não está presente parece que os alicerces se desfazem e ficamos sem
a voz da autoridade para nos guiar. Procurar a leveza no trato com seus filhos
em um primeiro momento mostra que Warr está tentando se aproximar deles de
forma amigável, mas certamente chegará o momento em que terá que ser severo e
impor limites, principalmente à Harry que o desafia sempre que tem
oportunidade. Para variar, não adianta nada a experiência de vida e a racionalidade
do pai para colocar ordem na família. É o pequeno Artie quem faz a ponte de
ligação entre todos os membros de seu clã, incluindo a manutenção da relação de
seus avós maternos com o pai, usando toda a sua ternura e olhar ingênuo a
respeito da vida. O fio condutor da trama poderia render inúmeras
possibilidades para um drama mais profundo, mas Hicks preferiu manter seus pés
em terreno seguro e fazer uma obra mais simples para atingir um público maior,
incluindo o infantil, embora o longa tenha sido recebido friamente por público
e crítica. Lançado diretamente em DVD no Brasil, infelizmente esta obra já
nasceu desacreditada e nem a Disney que tratou do lançamento do título em
alguns países batalhou para exibi-lo nos cinemas optando pelo mercado de home
vídeo. Vale lembrar que grande parte da narrativa se passa na
Austrália, mas o longa evita o clichê de parecer um vídeo institucional de
agência de turismo. O país é citado e só, pois o enfoque do enredo é no
sentimento de amor que rege a união entre os membros da família Warr.
Essa história de um homem que
repentinamente precisa assumir responsabilidades com as quais não tinha
intimidade e ainda acumular as tarefas de sua própria rotina é um tanto comum.
Para desenvolver este enredo, Cubitt baseou-se no livro “The Boys Are Back in
Town” escrito pelo próprio Joe Warr da vida real que resolveu publicar suas
memórias sobre as dificuldades que teve para se adaptar a um novo cotidiano ou
que na melhor das hipóteses ele o conhecia com certa distância. Publicado em
2000, o autor Simon Carr sentia que sua experiência precisava ser contada para
ajudar a outros pais e filhos que por ventura poderiam estar vivendo ou viver
futuramente tal situação. Tanto o filme quanto o livro também abordam levemente
a questão de como falar sobre a morte com as crianças. Não adianta tapar o sol
com a peneira e falar a verdade é sempre o melhor caminho. O triste fato do
falecimento da segunda esposa de Carr é um daqueles casos em que o mal vem para
promover o bem. O filho mais velho do jornalista acabou decidindo ir morar com
o pai para ajudar a cuidar do irmão menor, mesmo não tendo intimidade com
nenhum deles. A tragédia acabou por reunir a família. É óbvio que momentos de
dificuldades existiram aos montes, mas foram compensados por outros tantos de
felicidade, loucuras e brincadeiras. São justamente estas passagens de
liberdade como se o pai voltasse no tempo e virasse criança de novo que dão o
tom de humor para o filme, como corridas noturnas em companhia dos filhos e até
momentos insanos como quando um dos garotos fica em cima do capô de um carro em
movimento. Todavia, essa espécie de educação alternativa não arrasou o futuro
dos filhos de Carr e os dois estão bem encaminhados na vida, mas sempre vale
lembrar que o conceito de educação liberal não deve ser levado ao pé da letra e
sempre algumas regrinhas são necessárias. Adotando a cartilha das produções
independentes, Hicks transforma Os Garotos Estão de Volta em uma
obra agradável e tocante bem estilo sessão da tarde. Podem achar previsível,
mas renovar determinados ensinamentos básicos para se viver em sociedade nunca
é demais.
Drama - 104 min - 2009
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