NOTA 9,0 Para falar da importância da fé, união familiar e de quebra oferecer bons sustos, longa aborda tema de ficção científica |
Já faz algum tempo que o mundo
todo vive um período em que se discute muito a respeito do poder das religiões,
seja de forma positiva ou negativa, e certamente todos já ouviram dizer que
quando deixamos de acreditar no poder da fé abrimos as portas para as forças
ocultas atuarem. Colocar tal tema em evidência era a proposta real de Sinais, mas as intenções ficaram
perdidas pelo caminho, ou melhor, acabaram sendo sucumbidas. O assunto que se
destaca realmente é a possível presença de extraterrestres em nosso planeta
baseando-se em eventos misteriosos amplamente divulgados pela mídia e vendidos
como realidade na década de 1970. Sucesso de crítica e público nos EUA, a má
recepção que esta produção teve no Brasil foi mais uma injustiça feita ao
diretor e roteirista M. Night Shymalan que infelizmente vive com a fama de ser
o tipo de diretor de um filme só. Até hoje ele é assombrado por seu grande
sucesso O Sexto Sentido e viu seus trabalhos seguintes serem
massacrados por opiniões negativas. Será que realmente ele perdeu a mão ou os
espectadores é que estão exigindo demais de um homem que praticamente começou a
carreira já surpreendendo? A segunda hipótese é a mais correta, pelo menos analisando
os seus três trabalhos seguintes (Corpo
Fechado, A Vila e o filme aqui em julgamento). Todos eles são produções de
alta qualidade de entretenimento engajados com temáticas relevantes, mas que
gradativamente provaram que o prestígio do cineasta caia com a mesma rapidez
que aconteceu sua ascensão. É difícil expressar uma opinião honesta e
individual quando meio mundo não compartilha dos mesmos pensamentos, mas
realmente classificar este filme como ruim é demais. Regular ainda é discutível,
mas talvez seja a alternativa mais correta. Em seu terceiro filme hollywoodiano
com grande distribuição, o cineasta indiano investiu novamente naquilo que lhe
trouxe notoriedade: personagens com história de vida para o espectador criar um
elo, atmosfera de arrepiar, sequências incômodas de silêncio e introdução dos
elementos clássicos de terror nos momentos oportunos. Bem, se muitos filmes
sobre alienígenas decepcionam por não mostrarem as criaturas, aqui elas até
aparecem demais e provocam um anticlímax. Só pode ser essa a grande queixa
daqueles que apedrejam este trabalho. Shymalan errou ao trocar o horror
sugestionado pelo explícito. Na realidade até pouco mais da metade do filme o
diretor felizmente usa sons e imagens em relances para assustar e mesmo depois
que a ameaça se revela em carne e osso (ou seja lá do que são feitos os corpos
dos extraterrestres) a tensão não cai, pelo contrário, até aumenta. É o pulo do
gato do roteiro. O espectador é convidado a participar do claustrofóbico lar da
família Hess desde o início, já que basicamente todas as ações ocorrem por lá,
mas no final a relação entre espectador e cenário é intensificada afinal eles
literalmente se isolam do mundo. Nesta casa localizada em uma região rural da
Pensilvânia vive Graham (Mel Gibson), um homem que abandonou a igreja após a
morte de sua mulher em um acidente, seus dois filhos, Morgan (Rory Culkin) e Bo
(Abigail Breslin), e seu irmão Merrill (Joaquim Phoenix). A paz deles é interrompida
com o surgimento de grandes círculos em meio a suas plantações de milho, como
se algo gigantesco tivesse pousado ali. O mesmo fenômeno começa a acontecer em
outras fazendas mundo afora e tudo indica que seres de outros planetas estão
rondando essas propriedades.
Misturando
realidade com o sobrenatural, os personagens tentam como podem se proteger do
desconhecido e recorrem desde ideias estapafúrdias como colocar na cabeça
chapeuzinhos de papel alumínio até bloquear portas e janelas com madeira reforçada.
Para o patriarca deste clã as coisas são ainda mais complicadas, pois precisa
manter a calma dos filhos e do irmão ao mesmo tempo em que precisa lidar com
seu ceticismo provocado pelo luto. Aliás, habituado a sempre fazer uma pontinha
em seus filmes, Shymalan aqui cedeu a si mesmo um bom espaço. Ele interpreta o
homem que acabou dormindo ao volante e provocando o fatídico acidente com a
mulher do padre, forma como Graham costuma ser chamado. Em meio a ameaça de
invasão alienígena, entra um flashback para reforçar o sentimento de perda do
protagonista, também existe uma conversa pacífica entre ele e o motorista
descuidado, mas realmente esse tema acaba sendo muito dissolvido entre tantas
pistas, sustos falsos e diversas falas com toque de humor mal encaixadas. Aos
mais desligados talvez passe batido o fato do protagonista ser um ex-religioso,
mas é justamente por se sentir desamparado por Deus no momento que mais
precisava que Graham acabou praticamente desistindo da vida. De qualquer forma,
é muito assunto para pouco tempo. Algumas das situações apresentadas realmente
poderiam ser mais bem trabalhadas, mas é inegável que a maior parte delas
reserva segredos, símbolos e truques que exigem do espectador uma atenção maior
para poder decodificá-los como, por exemplo, o fato de Bo constantemente
reclamar do gosto da água. Muita gente deve achar que a conclusão da história é
muito rápida, destoante do restante do filme e totalmente fora dos padrões do
cineasta. Mas que padrão é este? Se Shymalan surpreendeu uma vez terá que ser
sempre assim? Porém, não deixa de ser incômodo ver a figura de um alien
ameaçando os filhos do protagonista se praticamente o tempo todo ficamos na
angústia provocada pelas trucagens do diretor. Uma solução clichê demais. É
como receber um banho de água fria, ou melhor, morna, já que o final não chega
a ser terrível e tem certa lógica com a trama, embora carregue resquícios de
lições de moral religiosa.
É uma pena
que uma obra que do início ao fim consegue prender a atenção seja crucificada
por causa de algumas liberdades do diretor. Claro que uma coisa errada ou outra
mal encaixada acaba ocorrendo, até mesmo nos melhores filmes, mas são detalhes
facilmente esquecidos quando nos deparamos, por exemplo, com uma cena de alta
tensão envolvendo o corte de um dedo da criatura misteriosa (não há como
descrever, tem que ver pra crer) ou sentirmos um frio na espinha ao ver um
imenso milharal a noite de onde ecoam barulhos estranhos. Em contrapartida, não
há como não gargalhar quando o Brasil aparece para uma participação especial.
Sim, estamos também lá representados por uma cidade da região sul do país onde
um alienígena aparece repentinamente em uma gravação caseira. A maioria dos
desafetos da obra marca este ponto como o X do problema. A criatura é revelada,
ainda que rapidamente, e de forma pouco crível em meio a uma festinha de
aniversário. Há quem diga que ficou parecendo um flagra de um animador de eventos
fantasiado. A partir daí o que esperar mais? No conjunto, realmente a nossa
participação na trama destoa. O tal vídeo do flagra parece feito para ser
atração de programas sensacionalistas (quem não se lembra do apresentador Gugu
e suas histórias de extraterrestres), o que de fato pode de desanimar o
espectador a continuar assistindo, mas fora isso não há defeitos gritantes para
que este trabalho e o próprio Shymalan sejam tão esnobados. Só pelo fato de até
hoje ser lembrado e gerar discussões já demonstra que o filme não foi feito em
vão. Abrir caminhos para o debate a respeito de fé, união familiar, o medo ou o
fascínio de descobrir se existe vida em outros planetas e se esses seres estão
entre nós, enfim, talvez o longa tenha sido feito não para dar respostas, mas
sim para cutucar os espectadores e fazer com que eles coloquem a cabeça para funcionar,
tal como o diretor fez em seu filme posterior, A Vila. Alguns
esperavam encontrar naves espaciais e outros nem chegar a ver um alien. Tem
gente que encontrou no enredo muitos elementos a respeito da importância de
crer no que os olhos não veem e no poder da religião enquanto outros viram o
tema dos extraterrestres pela ótica mais comercial possível. Enfim, Sinais é a prova que é
possível se fazer um cinema para refletir ao mesmo tempo em que ele pode ser
escapista e, principalmente, que tais obras não têm prazo de validade, são para
sempre e cada um pode interpretar a sua maneira de acordo com suas crenças,
vivência e época.
Suspense - 108 min - 2002
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