NOTA 8,5 Duelo de vaidades entre dois mágicos coloca em risco não só suas vidas, mas a loucura extrapola limites |
O nome do diretor Christopher Nolan ficou conhecido quando o
thriller Amnésia começou a colecionar indicações a prêmios e críticas
positivas. Logo ele estava saltando do cinema independente para o comercial com
a difícil tarefa de ressuscitar a franquia de um super-herói. Batman
Begins foi um estrondoso sucesso e abriu caminho para um novo filme do
Homem-Morcego, mas antes disso ainda deu tempo do cineasta realizar outro
trabalho, talvez um que faça mais o seu estilo. O Grande Truque parecia
ser apenas mais uma produção qualquer ostentando um elenco de peso, porém, para
a surpresa de muitos, ela conseguiu aliar diversão e qualidade de uma forma que
poucos filmes conseguem, principalmente considerando que seu lançamento foi
feito fora do período das premiações ou férias, em uma época em que boa parte
dos lançamentos são bobagens para ocupar os cinemas. Será que é por isso que o
longa foi esquecido pelo Oscar e outros prêmios? A história se passa em Londres
no século 19 e envolve uma intensa disputa entre dois mágicos. Robert Angier
(Hugh Jackman) e Alfred Borden (Christian Bale) se conhecem há muitos anos e
sempre competiram amigavelmente entre si, mas a amizade dos ilusionistas é
colocada em xeque quando o sentimento de rivalidade é intensificado. Cada um
quer fazer o melhor show de mágica possível e a obsessão passa a ditar as
regras levando os dois homens a ações extremas e trágicas. Mas será que apenas
a rixa profissional está os influenciando ou existe algo mais nesta história? O
roteiro não é linear e mistura passado e presente. Logo no início Angier é
morto misteriosamente e seu concorrente direto passa a ser o principal suspeito
e é preso. Na prisão Borden recebe o diário do falecido e agora tem em mãos os
segredos pessoais e profissionais de seu rival. Em flashback são apresentadas
imagens dos espetáculos e das disputas e o vai e vem do tempo é constante,
assim são plantadas pistas para o espectador desvendar o grande mistério da
trama, mas como um bom mágico Nolan não deixa espaço suficiente de tempo entre
os acontecimentos justamente para quem assiste não poder pensar, tirar
conclusões precipitadas e tirar o brilho do grand finale.
É comum que muitos filmes com bons argumentos acabem sendo
fracassados devido a desentendimentos entre diretor e roteirista. Costumamos
creditar os resultados positivos ou negativos a quem está atrás das câmeras,
mas não podemos esquecer que sem um bom escritor não há produção que supere o
nível de regular. No caso deste filme sobre ilusionistas, de fato ocorreu uma
magia nos bastidores. Só mesmo duas mentes plenamente sintonizadas poderiam
gerar excelentes resultados. Se Christopher conseguiu transformar em imagens a
bela adaptação do livro “The Prestige”, de Christopher Priest, isso se deve
muito a parceria com seu irmão, o roteirista Jonathan Nolan, também responsável
pelo enredo do já citado Amnésia. Adeptos das reviravoltas e do clima
obscuro, os irmãos Nolan envolvem o espectador em uma trama intrincada que em
certo ponto deixa dúvidas no ar sobre o que é real e o que é magia. O jogo da
verdade ou mentira é lançado até mesmo se observarmos o elenco estrelar. Além
do embate do Batman versus Wolverine, ou melhor, entre Bale e Jackman, também
temos o competente e incansável Michael Caine e a bela e sedutora Scarlett
Johansson para fazer caras e bocas. Uma reunião de atores desse porte aliado a
direção do homem que devolveu a dignidade ao Homem-Morcego só poderia vender
uma imagem: tremendo blockbuster para faturar milhões. Contudo, acabou
acontecendo o contrário. Apesar das críticas elogiosas da imprensa, boa parte
dos primeiros espectadores não aprovou a produção e tratou de no boca-a-boca
diminuir as expectativas de quem ainda não havia assistido. Fazer os neurônios
funcionarem no escurinho do cinema não faz o feitio do “espectador de fim de
semana”. Quem já assistiu e não gostou ou para aqueles que nem se atreveram a
ver alguns minutos para tirar suas próprias conclusões não deve se sentir
diminuído pelo fato de não entender ou não se sentir instigado a embarcar nesta
trama de suspense. Basta aceitar como um elogio a forma como o cineasta conduz
seu trabalho. Além de oferecer imagens impactantes e cheias de clima mistério,
Nolan tem um cuidado acima de tudo com os personagens e suas histórias. Ele não
subestima a inteligência do espectador entregando tudo mastigadinho, pelo
contrário, suas intenções é fazer com que as pessoas reflitam e não desviem a
atenção em momento algum do foco principal.
O recurso do flashback que muitas vezes não é bem utilizado
e acabam por destruir alguns filmes neste caso é extremamente bem-vindo e uma
ferramenta a mais para fazer com que os espectadores pisquem o mínimo possível.
Ainda assim é praticamente impossível não nos surpreendermos com as
reviravoltas propostas. Nesse ponto a edição das cenas é de suma importância. A
montagem excepcional trata de dar certa ordem ao início, meio e conclusão de
uma história do tempo presente aliada a eventos do passado, mas na realidade
ela apresenta as peças necessárias para que o próprio público monte esse
quebra-cabeça. Para quem espera uma obra na qual o deslumbramento provocado
pelos truques de mágica estejam em primeiro plano esqueça. O Grande
Truque vai além do espetáculo óbvio e apresenta importantes questões a
respeito de comportamento e psicologia. Explorando mais os personagens que as
situações, os Nolan consegue enriquecer este trabalho com os conflitos travados
pelos protagonistas que não querem apenas ser soberanos em sua arte, mas também
serem superiores fora dos palcos. A obsessão é tanta e desenfreada que parece
que o triunfo só virá quando um deles estiver no fundo do poço, mas nenhum
deles demonstra estar disposto a entregar os pontos. Quem é o mocinho e quem é
o vilão nesta história? Pois é, até o final não fica claro. A cada nova
reviravolta as dúvidas aumentam e não sabemos por qual lado torcer. Sem
manipular fatos e emoções, esta é uma produção que exige o máximo de atenção
para sua compreensão. No final temos uma espécie de resumo do enredo feita
pelos próprios protagonistas, mas isso não deve ser levado em consideração como
“se você não entendeu, é agora ou nunca”. Com em qualquer truque de mágica, nem
sempre o que parece é e a explicação da magia está neste epílogo.
Suspense - 130 min - 2006
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