NOTA 7,0 Recriando vexatório episódio da História da França, roteiro é tão intrincado quanto os fatos reais em que se baseia confundindo espectador |
Sem dúvidas na escola aprendemos
apenas o básico nas aulas de História, tanto que muitos professores indicam
literaturas complementares, sites e filmes a quem interessar se aprofundar nos
temas. É uma pena que nem sempre o material extra seja de fácil acesso. Muitas
produções de cinema ricas em conteúdo histórico acabaram perdidas no tempo,
seja na transição das fitas VHS para o DVD ou por terem tido uma tiragem
reduzida na época de seu lançamento. Questões a respeito de direitos autorais e
de distribuição também acabam tirando muitas obras de circulação e este pode
ser o caso de O Enigma do Colar, caprichado drama baseado em fatos reais estrelado
por nomes de peso e premiados. A produção acabou se tornando um item de
colecionador, um produto raríssimo que aborda uma importante e curiosa passagem
da trajetória política e social da França, uma rede conspirações que levou uma
rainha a ser odiada fervorosamente e que também contribuiu para a revolução
contra o absolutismo. A protagonista da intriga, no entanto, não é muito
conhecida fora do território francês, mas em seu país permanece como um
mistério que desperta especulações. Jeanne de La Motte-Valois (Hillary Swank) é
uma jovem que foi criada por uma família adotiva após ver o assassinato cruel
de seus próprios pais, um casal oriundo da nobreza que acabou perdendo de uma
hora para a outra toda sua fortuna e consequentemente tiveram seu sobrenome
desvalorizado. Acusados de conspirar contra a monarquia, desde então as
memórias da garota ficaram marcadas por cenas de humilhação e tortura, mas isso
não a impediu de alimentar o sonho de conseguir reconquistar sua posição de
destaque na sociedade, mas para tanto precisará enfrentar intrigas, ser
desonesta e trair seus próprios princípios. Mesmo bem intencionada, só assim
para sobreviver em uma sociedade interesseira e insensível. A todo custo Jeanne
quer tentar alguma aproximação com a vaidosa e imponente Rainha Maria Antonieta
(Joely Richardson) no intuito de conseguir algum tipo de ressarcimento por sua
herança perdida e obviamente resgatar o poder do nome dos Valois. No entanto,
ela nem ao menos consegue ser notada por vossa majestade, porém, em uma dessas
tentativas frustradas, a jovem conhece Retaux de Vilette (Simon Baker), um
rapaz galanteador e influente que vem a se tornar seu amante e promete
reintroduzi-la no universo da nobreza.
O torto casal arma um plano para
que a órfã se vingue das injustiças do passado, mas as coisas desandam e quando
se dá conta ela está metida em um emaranhado de intrigas envolvendo pessoas
ricas e poderosas. Eles devem induzir o Cardeal Louis de Rohan (Jonathan
Pryce), que deseja se tornar primeiro ministro, a presentear Antonieta com um
belíssimo colar cravejado com centenas de diamantes, a mais bela e ostentosa
joia até então fabricada. O presente certamente abriria as portas do coração da
Rainha e também as de seu palácio, assim, como forma de agradecimento, este ambicioso
e devasso homem também facilitaria o ingresso de Jeanne na corte. A moça
apresentou ao Cardeal supostas cartas assinadas por seu interesse amoroso, mas
que na verdade eram escritos falsificados de Vilette. Para ajudar o espectador
a se situar neste imbróglio, temos a narração do Barão de Breteuil (Brian Cox),
que como testemunha ocular dos acontecimentos relata com riqueza de detalhes
todos os processos pelos quais a Condessa de La Motte passou até cair nas mãos
de Rohan, ou melhor, até ele cair nas dela. Quando compra o colar, o nobre o
confia a um enviado da Rainha, mas que na verdade era ninguém menos que Vilette
que por sua vez entrega a joia para a amante que a desmembra e vende
separadamente cada diamante, assim conseguindo dinheiro mais que o suficiente
para recomprar a casa que fora de seus pais. Almejando também o prestígio que
lhe negaram até então, o local passa a ser frequentado por pessoas da alta
sociedade, mas Rohan é excluído e com o abrupto cessar de cartas de Antonieta
então percebe que foi vítima de uma armação orquestrada também pelo Conde de
Cagliostro (Christopher Walken), que conhece o sofrido passado de Jeanne,
porém, também sabe de seu poder de persuasão e sedução, além do desejo de
justiça, mas é claro que ele não a ajuda apenas por benevolência, também
querendo lucrar com a farsa. Ao que tudo indica houve uma grande preocupação da
obra reproduzir com fidelidade os acontecimentos, desde a cena em que Antonieta
recusa o presente milionário por saber que originalmente ele foi criado para outra
mulher até o encontro do Cardeal com Nicole d’Oliva (Herminone Gulliford),
impostora que se passava pela Rainha. Tal mulher foi descoberta pelo Conde
Nicolas de La Motte (Adrien Brody), o próprio marido de Jeanne que sabe da
traição dela. Com relações estremecidas e vivendo afastados, ao perceber que os
planos da esposa com o amante estão deslanchando, o rapaz reaparece e quer a
todo custo também abocanhar a parte que acredita lhe caber dos lucros do golpe.
Quando Breteuil torna pública a farsa, todos os envolvidos vão a julgamentos,
mas como de costume a corda tende a arrebentar para o lado dos mais fracos. A Rainha descobre o destino do colar que lhe era pretendido e, ainda
que muitos pesquisadores defendam sua inocência, o filme especula a versão mais
popular imprimindo a ela um perfil vil e egocêntrico. Sabendo que Rohan apenas
queria usá-la para subir na vida, ela desejava acusa-lo do roubo dos diamantes
e precisaria que Jeanne comprovasse sua acusação. No entanto, não há registros
de que acontecera um encontro entre elas, assim o roteiro tomou
certas liberdades para chegar a uma conclusão melodramática e de fácil identificação
por parte do espectador com o conflito da protagonista.
O roteiro de John Sweet nos
apresenta apenas mais uma entre tantas outras passagens sórdidas que constam no
histórico da família real francesa, mas talvez a beleza visual da fita acabe
sobressaindo ao conteúdo. Como em todo filme de época que se preze, os quesitos
técnicos necessários são preenchidos rigorosamente, diga-se de passagem, com
bastante folga. Figurinos e cenários luxuosos combinados com uma fotografia e
trilha sonora brilhantes ajudam a reconstruir a França do final do século 18 e
transportar o espectador para uma época em que as diferenças entre as classes
sociais eram gritantes e a separação de castas rígida e cruel. Embora passe
longe das páginas dos livros básicos das aulas de História, a farsa envolvendo
o tal colar de diamantes acabou se tornando um vergonhoso episódio. O despreparo
do público para compreender o rebuscado caso certamente é uma das razões para a
fria recepção do longa, mas isso não deve ser encarado como ofensa. O problema
é que o diretor Charles Shyer, das comédias O
Pai da Noiva e sua continuação, deixa evidente não ter traquejo com
melodramas, muito menos de época. Extremamente didático, seu trabalho torna-se
cansativo e aparentemente se estende além do necessário. O título pode até
remeter a um intrigante suspense, o que pode ter decepcionado muitos
espectadores, mas não se pode negar que o argumento é dos mais interessantes,
embora siga um caminho já especulado por outras tantas produções. Mostrando os
podres escondidos por trás da bela imagem vendida pelo universo dos ricos e
nobres e como boatos ajudaram a arruinar um império cujas bases eram tão
voláteis quanto o caráter de seus representantes, o argumento até nos faz
lembrar do clássico Ligações Perigosas. A
obra oitentista também tinha a intenção de revelar o quão perverso pode ser o
ambiente dos mais abastados que em sua maioria sem ter o que fazer gastam seu
tempo ocioso arquitetando planos para arruinar reputações, se divertir com os
ingênuos ou simplesmente almejando conquistar ainda mais riquezas. O
Enigma do Colar segue linha de raciocínio parecida, porém, não pinta
apenas um quadro social. Ao abordar fatos verídicos, Shyer buscou eternizar um
episódio de grande importância, mas não podemos considera-lo definitivo. O que
temos é a encenação da perspectiva dos acontecimentos a partir das memórias da Condessa
de La Motte baseados nos relatos documentados por ela mesma nos quais se
posiciona obviamente como vítima. Ao final, de certa forma, a jovem conseguiu o
que queria tendo reconhecimento e seu nome cravado na História da França, quiçá
da Europa. Só não pôde gozar em vida de tal fama.
Drama - 120 min - 2001
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