NOTA 9,0 Pixar se rende ao estilo tradicional Disney e lança sua primeira animação protagonizada por princesa |
O mundo dá voltas. Se um dia o império Disney foi
estremecido e virou “refém” dos moderninhos desenhos da Pixar agora chegou a
vez dos papéis se inverterem. O antigo e longo acordo das duas empresas previa
que a casa do Mickey Mouse seria apenas responsável pela divulgação e
distribuição dos longas animados através de computação gráfica, mas desde 2008
elas se uniram em um mesmo conglomerado, assim o reino das princesas e animais
fofinhos foi invadido por brinquedos e carros animados, monstros bonzinhos,
super-heróis entre outros tantos personagens criados através de tecnologia de
ponta. Mas como diz o ditado, tudo que é bom dura pouco. No caso da Pixar não.
Foram quase duas décadas praticamente dominando o mercado de animações, mas Carros
2 balançou os alicerces da produtora. Após o baque das críticas negativas,
surpreendeu o fato de que para tentar dar a volta por cima os executivos do
estúdio escolheram aliar modernidade e antiguidade. Valente definitivamente
é um produto diferenciado no catálogo da empresa que fez história com Toy
Story, Monstros S.A., Procurando Nemo, entre tantos outros sucessos, mas deixa
a desejar no quesito criatividade. A animação continua mantendo o visual
arrebatador característico da Pixar, desta vez com o uso de efeitos 3D, diga-se
de passagem, totalmente desnecessários, mas o enredo é bem diferente do que ela
nos apresentou ao longo dos últimos anos. Bebendo na fonte da era medieval, o
longa é protagonizado por uma princesa. Será que o estúdio estava passando por
uma crise brava, perdeu sua identidade e sucumbiu aos apelos da Disney que
claramente nunca quis abandonar os contos de fadas? A resposta é sim e não.
Algumas pessoas dizem que pelo fato do enredo enfocar questões familiares e ter
como protagonista uma princesa o desenho acabou ficando tradicional demais, mas
se pararmos para analisar existe sim novidades e ganchos muito interessantes.
Não temos aqui uma princesinha indefesa e sonhadora que tem como único objetivo
casar-se e ser feliz para sempre. Embora criada com todos os cuidados por
Elinor, sua mãe, para ser sua sucessora como rainha da Escócia, a jovem Merida
sente que não tem a menor vocação para cuidar do reino apenas dando ordens. Ela
quer é ação. Seus lazeres prediletos são cavalgar e praticar o tiro ao alvo com
seu arco e flecha.
Quando a contragosto é organizada uma competição para
escolher o futuro marido de Merida entre os herdeiros dos reinos aliados, a
garota aceita a ajuda de uma senhora que tem o dom da feitiçaria. Ela gostaria
de uma solução para que sua mãe passasse a compreendê-la melhor e a deixasse
seguir sua vida como bem entendesse. Porém, as coisas não caminham como
esperado e agora a jovem rebelde de cabelos avermelhados e desgrenhados tem que
resolver um problema literalmente gigante. Bem, pela descrição dos cabelos de
Merida, já dá para perceber que ela está longe de se parecer com qualquer uma
das princesas Disney criadas até então, fugindo até mesmo do padrão criado para
as corajosas Pocahontas ou Mulan. Desprovida de sensualidade e com trejeitos
femininos atenuados, a jovem herdou as características de seu pai, o Rei
Fergus, bonachão, teimoso e destemido. Contrastando com a harmonia que parece
onipresente entre pai e filha, na ausência do sonho de conquistar um príncipe
encantado, o grande conflito deste enredo é a relação estremecida de Merida e
sua mãe. O atrito começa pelas diferenças visuais existentes entre elas, como a
forma de se vestir ou arrumar o cabelo, e se estende ao campo afetivo e
emocional. Cada uma deseja algo diferente, mas seguindo os bons costumes Merida
devia obediência à Elinor, uma tradição que ela quer a todo custo quebrar.
Enfim, a princesinha da vez é uma típica adolescente como tantas de hoje em
dia. Tem dúvidas, espírito desafiador, quer se destacar, é rebelde e mete os
pés pelas mãos. É de um erro cometido em um momento de fúria que Merida tira
uma grande lição e consequentemente o filme ganha sua mensagem a ser
transmitida não só para crianças, mas também para os adultos que precisam
aprender a ouvir mais e respeitar as vontades de seus filhos. É preciso haver
um equilíbrio entre o querer e o dever de ambas as partes. É provável que boa
parte das críticas negativas ou ressalvas que esta animação recebe se deva ao
fato de que é previsível que a originalidade de termos em cena uma princesa
rebelde não vai muito longe, mas algo diferente disso seria impossível em um
produto cujo público-alvo são as crianças. Assim é inevitável que a
primeira parte do longa seja bem mais interessante que a segunda e última.
Todavia, a essa altura já estamos tão ambientados ao cenário medieval escocês,
mais uma inovação da produção quanto ao local em que a história se desenrola, e
com o clima mágico que envolve os personagens que fica impossível
desvencilhar a atenção.
No final das contas, a protagonista na realidade não tem um
conflito próprio, não há nem mesmo um vilão perverso a combater, mas lida com
um problema que pode destruir sua família. Não é só o fato do feitiço que
encomendou ter dado errado que a aflige, mas também que por conta do seu
egoísmo ela pode colocar todo o reino em perigo. Curioso para saber o que
acontece com a Rainha Elinor? Ok, nesse ponto todos sabem que ela é
transformada em um urso, algo que já podemos prever com a introdução que mostra
o Rei Fergus demonstrando o seu repúdio a esse tipo de animal. A quem incomodar
as qualidades narrativas entre a primeira e a segunda parte é importante
esclarecer que dois diretores dividem o crédito. O início pode causar certo
estranhamento pelos cenários propositalmente mal iluminados, além da presença
de vikings e a escolha de um país pouco explorado pelo cinema para sediar o
conto. Baseando-se em lendas escocesas e excluindo desde o início a opção de um
felizes para sempre, a idéia original deste trabalho é da cineasta Brenda
Chapman, que já havia trabalhado com o realismo em animação no elogiado O
Príncipe do Egito. Juntou-se a ela o diretor Mark Andrews, mas a parceria não
chegou até a conclusão do filme devido a diferenças criativas, o que explica a
mudança de ritmo da metade para o final. Se tivesse seguido a linha narrativa
adotava no início, provavelmente poderíamos dizer que Valente é um produto
legitimamente “pixariano” por seguir o caminho da ousadia, mas o resultado
final está muito mais próximo aos clássicos Disney. Assim, o primeiro longa da
Pixar protagonizado por uma mulher e também sua estreia na seara de filmes de
época acabou não sendo tão marcante quanto o esperado. O fator inovação tão
presente nas obras da empresa não foi desenvolvido plenamente, mas de qualquer
forma este é um desenho que vale a pena, agrada adultos e crianças e não mancha
totalmente a imagem da Pixar. Se bem que depois de Carros 2 não sabemos
mais o que esperar desta empresa. O sucesso subiu à cabeça e enrijeceu os
neurônios de seus criadores? Só tempo e as novas produções podem ou não comprovar
isso.
Vencedor do Oscar de filme de animação
Animação - 93 min - 2012
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