NOTA 8,0 Longa resgata com sucesso o humor característico de seriado dos anos 60 respeitando suas origens |
Hollywood sempre manteve boas relações com os canais de
televisão para assim conseguir tirar uma lasquinha dos sucessos que entretinham
o público no aconchego do lar. Muitos seriados famosos ganharam suas versões em
longa-metragem ainda na época em que eles estavam no ar ou pouco tempo depois
de terminarem para assim aproveitar o calor do momento, mas o tempo tratou de
reduzi-las a pó. Nos primeiros anos do século 21 a moda era apostar na
nostalgia e resgatar a fama de séries antigas. S.W.A.T – Comando Especial e Miami
Vice, por exemplo, não fizeram o barulho esperado, mas o primeiro filme de As
Panteras foi um mega sucesso, até por conta do apelo junto ao público
infanto-juvenil. A mesma situação beneficiou a boa aceitação de Agente 86,
a adaptação da cultuada série de humor homônima criada por Mel Brooks e
Buck Henry em 1965 e que durou cinco temporadas, sobrevivendo na memória dos
espectadores de praticamente todo o mundo graças as suas incontáveis reprises.
Para conquistar novas platéias e fugir das críticas dos nostálgicos, a produção
foi esperta ao contratar os próprios criadores da série para prestarem
consultoria, assim preservando a essência do seriado sessentista em sua transposição
para o cinema. Com humor ágil e piadas que se alternavam entre sutis, críticas
e no melhor estilo pastelão, a intenção do texto nos anos 60 era justamente
parodiar os filmes de agentes secretos, como a cinessérie James Bond que ainda
estava dando os primeiros passos, e tinha como pano de fundo um importante
período da história mundial, a Guerra Fria, período de embate entre os Estados
Unidos e a antiga União Soviética ou em outras palavras o conflito entre o
capitalismo e o comunismo. A versão modernizada tratou de atualizar tal
situação, mas ainda assim mantendo a espinha dorsal da história. O diretor
Peter Segal, de Golpe Baixo, não era um fanático pela série, mas captou com
precisão o essencial dela e ainda soube dosar bem as inovações pertinentes.
Steve Carell assume o papel de Smart, integrante do C.O.N.T.R.O.L.E,
uma agência secreta americana de espionagem que declara seu fim após a K.A.O.S.,
a agência de espionagem russa, descobrir a identidade dos principais americanos
do grupo e destruir sua base principal. Smart era um pacato analista de dados
que viu seu sonho de ser promovido a espião ruir, mas sempre há uma luz no fim
do túnel. A tal agência secreta dos EUA apenas vendeu a idéia do encerramento
das atividades, mas continuava ativa em outro esconderijo e precisando de novos
agentes. Assim ele se torna o Agente 86 e precisa descobrir a sede da K.A.O.S.
e evitar que o vilão Siegfried (Terence Stamp) coloque o mundo em risco com
armas nucleares negociadas com terroristas. Para tanto ele terá a companhia da
sensual Agente 99 (Anne Hathaway), que chegou a fazer várias plásticas para
mudar completamente seu rosto e que inicialmente se incomoda com a obrigação de
trabalhar com um parceiro sem experiência de campo. A trama pode parecer um
tanto confusa, mas isso pouco importa, o que interessa mesmo neste caso é ver o
protagonista se metendo no maior número de confusões possíveis. Se a história
criada por Tom J. Astle e Matt Ember não é das melhores, os atores escolhidos
para viverem os protagonistas compensam as falhas. Carell além de muito
parecido fisicamente com o ator do seriado também encarna com perfeição a
personalidade do agente atrapalhado, embora alguns apontem que o personagem
ficou um pouco mais astuto e esperto na versão atualizada, tudo para ele se
adequar melhor a realidade, afinal hoje em dia estamos bem mais acostumados aos
equipamentos moderninhos que outrora eram coisas de outro mundo. Hoje não
espanta um telefone próprio para espionagem adaptado a um sapato e outras
engenhocas do tipo, como o cone do silêncio, uma bugiganga para isolar a
acústica de conversas sigilosas, mas com a qual nem mesmo os participantes
podem se ouvir. Já Anne demonstra maturidade ao viver sua primeira personagem
do tipo mais sensual e forma uma boa dupla com Carell, este que acabou ficando
(ainda bem) com o personagem que deveria ser de Jim Carrey alguns anos antes,
prova de que alguns projetos precisam de um tempo longo para ficarem no ponto
para serem lançados. Este projeto ficou nada mais nada menos que dez
anos cozinhando em banho-maria.
Se os mocinhos da fita dão conta do recado direitinho, o
mesmo não se pode dizer do vilão que acaba por surpreender negativamente.
Geralmente os malvados desse tipo de trabalho praticam uma vilania
estereotipada e carregada de sarcasmo que acaba cativando o público, mas Stamp
não se adéqua ao espírito da coisa. Até Dwayne Johnson, o popular “The Rock”,
mostra-se mais eficiente em seu papel secundário do Agente 23, perfeito para
quem declaradamente tem mais músculos do que cérebro. Os fãs da série tinham a
preocupação do que poderia se transformar a tardia versão cinematográfica do
sucesso da TV, embora o agente atrapalhado já tivesse aprontado em
longa-metragem em A Bomba Que Desnuda lançado em 1980 e praticamente
desconhecido. Também com um título desses melhor mesmo que fique no limbo
cinematográfico. Felizmente a versão anos 2000 é caprichada e mantém o nível do
humor de antigamente, além de injetar um pouco mais de ação para agradar as
novas gerações que mesmo que nunca tenham visto um episódio sequer do seriado
entrarão facilmente no clima da produção, ainda que a introdução não soe tão
interessante. Aos mais velhos ainda haverá a diversão de poder encontrar piadas
recicladas e menções as aventuras dos anos 60, como a rápida participação de
Bill Murray como o Agente 13, o homem responsável por levar notícias de última
hora para o 86 utilizando os disfarces mais inusitados possíveis. Todavia, ainda
existe certa resistência por parte do público a aceitar produtos oriundos de
sucessos do passado. Cada vez mais as pessoas estão com a memória curta e a
repulsa à TV que muitas famílias cultivam talvez sejam motivos para que
produções do tipo estejam fadadas ao fracasso, mas Agente 86 é uma
exceção. Os bordões, o clima nonsense, algumas piadas, enfim muita coisa foi
preservada do seriado, até mesmo alguns exageros, resultando em um filme que
agrada em cheio a qualquer um que deseja ver uma comédia que divirta sem
agredir sua inteligência. São raros produtos do tipo livre para toda a família
hoje em dia e quando eles estão disponíveis é preciso prestigiar. Certamente há
tempos você não deve rir tanto quanto assistindo a uma cena de dança em que o
manjado truque dos ciúmes ou do sou o maioral causasse tanto efeito.
Gargalhadas de peso literalmente que confirmam mais uma vez Carell como o
grande nome da comédia americana neste início de século.
Comédia - 109 min - 2008
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