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sexta-feira, 24 de junho de 2022

O HOMEM BICENTENÁRIO


Nota 7 Provocativo argumento rende menos que o esperado em drama mais emotivo que reflexivo


Houve um tempo em que acreditava-se que logo nos primeiros anos do século 21 seria possível viver em modernos e automatizados apartamentos, os automóveis se assemelhariam a aeronaves e poderíamos programar férias no espaço. O cinema sempre ajudou a alimentar tais fantasias e algumas coisas antes inimagináveis ganharam corpo e formas e hoje fazem parte do cotidiano popular. Televisões, computadores, celulares e outros eletrodomésticos ganham atualizações anualmente e podem ser vistos como armações para fazer o consumidor gastar dinheiro, não é a toa que muitos equipamentos duram de um a três anos no máximo e quando precisam de consertos as peças são raridades. Por outro lado, a tecnologia ajuda e muito na área de saúde como, por exemplo, proporcionando qualidade de vida à deficientes físicos e mentais, acidentados e acometidos de graves doenças. Além dos membros e até órgãos artificiais implantados em corpos humanos, hoje já é possível utilizar computadores e robôs para ajudar na recuperação do intelecto, fala, audição, visão e locomoção de muitos pacientes. Estes temas rendem boas discussões, tem seus prós e contras, e talvez pela complexidade do assunto o público e a crítica acabaram por não dar o devido valor ao eficiente drama O Homem Bicentenário, que traz um enredo instigante, mas que foi simplificado pelo diretor Chris Columbus buscando mais emocionar o espectador do que fazê-lo refletir. 

Se os humanos ainda sonham com a eternidade e cada vez mais parecem ser máquinas controladas pelo tempo e pelos modismos, o que levaria um robô a querer ganhar vida de verdade? Columbus, de sucessos familiares como Esqueceram de Mim e Uma Babá Quase Perfeita, teve a chance de realizar o trabalho de sua vida, mas a desperdiça. Embora com uma duração acima da média para um filme comercial, ainda assim o tempo é muito curto para desenvolver um roteiro que fala sobre educação, família, sonhos, alegrias, tristezas, direitos, ética, enfim, um leque enorme de possibilidades a serem discutidas. Baseado no romance "The Positronic Man", de Isaac Asimov, a história começa no ano de 2005 (lembrando que o longa é de 1999) e nos apresenta a uma típica família americana de classe média-alta chefiada por Richard Martin (Sam Neil). Certo dia ele faz uma surpresa para a esposa e as filhas e compra um novo e excêntrico utensílio doméstico: um robô. Andrew (Robin Williams) é uma criação de uma visionária empresa que comercializa os empregados perfeitos, o que leva os consumidores a economizarem tempo e dinheiro, pois não precisam pagar salários e as ordens só são dadas uma única vez e imediatamente todas são arquivadas na memória das máquinas. Programado para realizar tarefas simples como cuidar dos afazeres da cozinha e a limpeza da casa, todavia, Andrew é dotado de características que aparentemente o difere de outros de seu tipo, espécie ou lote. Aos poucos ela passa a apresentar traços característicos humanos como inteligência, curiosidade e personalidade própria. 


A família estranha o comportamento de Andrew e até cogita devolvê-lo à fábrica ou pelo menos exigir reparos, mas o robô acaba por cativar a todos e passa a participar ativamente do cotidiano do clã, cada vez buscando mais informações sobre o comportamento e os sentimentos humanos, ainda que não abandonasse as leis da robótica que o regiam. O tempo passa e o empregado então passa a questionar o porquê das pessoas envelhecerem e deixarem de existir, uma condição que não o agradava, pois ele percebeu que não podia fazer nada para impedir isso e que inevitavelmente um dia faria parte de um outro núcleo familiar ou, na pior das hipóteses, seria desativado ou obrigado a viver na solidão por tempo indeterminado. Martin, então já idoso, decide ajudar Andrew a encontrar um novo caminho a seguir e se surpreende com o seu inusitado pedido: o robô gostaria não apenas de fisicamente tentar se tornar o mais próximo possível de um humano, mas também ter a chance de viver plenamente emoções e sensações das quais tinha apenas noções, inclusive a experiência de viver um grande amor e também de conviver com a ideia da morte como única certeza da vida. Seus sonhos podem se tornar realidade quando o cientista Rupert Burns (Oliver Platt) aceita o desafio de tentar transformar uma máquina em um ser humano perfeito ou quase isso. O desejo de Andrew, que pode mudar o rumo da História das civilizações, também é acompanhado bem de perto por Portia (Embeth Davidtz), uma das filhas de Martin que não aceitava a presença de um robô em sua vida quando criança, mas agora adulta se afeiçoou a ele a tal ponto de lhe despertar sentimentos amorosos.

O roteiro de Nicholas Kazan tenta condensar muitas décadas em pouco mais de duas horas, o que nos leva a ter diversos clímax falsos e uma narrativa por vezes cansativa que parece se dividir em dois blocos distintos. O primeiro é marcado por um tom mais leve e humorístico e não vemos Williams em carne e osso já que está usando uma armadura de alumínio. Nessa parte acompanhamos a adaptação do robô à família que o acolheu e vice-versa. As situações propostas são simples, mas ao mesmo tempo complexas, pois envolvem uma alta carga de psicologia, tolerância e educação. Por exemplo, não é fácil para uma pessoa fazer refeições tendo uma máquina por perto que parece registrar cada movimento seu. Também não é fácil para o robô escapar de traquinagens infantis. Partindo do princípio da obediência, pediu para se jogar da janela do segundo andar da casa de imediato a ordem é acatada e executada, afinal a máquina tem como função servir o dono e as crianças se aproveitam da obediência e então inocência de Andrew. Entre erros e acertos, os humanos vão aprendendo a lidar com a modernidade impondo limites e aceitando certos comportamentos, mas para o robô esse aprendizado não é tão simples, pois está dentro dele a falha de ter uma inteligência acima do normal, o que aguça sua curiosidade e lhe desperta sentimentos, ainda que não saiba distinguir ou compreendê-los. 


A segunda parte já é mais dramática, reflexiva e melancólica. Andrew ganha de seu dono o direito e o apoio de não apenas ter a sua alforria do trabalho, mas também de tentar ser respeitado em um mundo que talvez não estivesse preparado para recebê-lo, mas que o criou e agora não pode tratá-lo como sucata. A trajetória de aprendizado e reconhecimento como um humano deste robô, se analisarmos bem, nos alerta sobre o quanto é importante a vida e saber aproveitá-la. Sonhamos com a eternidade, mas parece que a cada dia o ser humano trata a sua própria existência como algo banal e não damos importância a pequenos fatos cotidianos que podem ser ricos em beleza e emoção. Columbus insere uma interessante ironia que pode passar despercebida. Andrew, no início, não faz apenas serviços domésticos, mas trabalha também construindo e restaurando relógios, assim o tempo está presente no seu dia-a-dia, mas ele próprio não compreende esta grandeza por ser teoricamente um imortal. Falando nos ponteiros dos relógios que não param de andar, como dito antes, são justamente eles que trabalham contra O Homem Bicentenário. Todos os questionamentos possíveis em torno da criação de um robô no estilo de Andrew não cabem em um único filme o diretor parece não querer se envolver em polêmicas, preferindo trabalhar as emoções ao máximo e deixar os questionamentos em segundo plano. De qualquer forma, este é um belo filme que merece uma revisão para ser melhor avaliado.

Drama - 130 min - 1999 

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