NOTA 9,0 Com narrativa ágil e divertida, efeitos especiais caprichados e protagonista cativante, longa é do tipo atemporal, sempre vale a pena |
Um astro de cinema famoso costuma atrair multidões aos
cinemas, tal fato já nem nos surpreende mais, mas como explicar que um
desconhecido tenha atraído milhares de pessoas em uma época em que a internet
ainda era quase um embrião em gestação? Pois é, a repercussão de O
Máskara é um caso a ser estudado. Primeiro trabalho de grande destaque
de Jim Carrey, esta comédia surgiu de maneira despretensiosa, mas uma soma de
fatores positivos colaborou para o seu sucesso instantâneo, como a aposta em
piadas leves e efeitos especiais de ponta para contar a história do
homem-borracha. Ele não é um super-herói, pelo menos não se assemelha nem um
pouco com a figura clássica de protetor que conhecemos, aqueles com uniforme,
capa e escudo de identificação no peito. Nosso amigo tem rosto verde, assim
como sua cabeça desprovida de cabelos, e seu traje mais comum é um terno
amarelo-ovo. Bem, esse é seu visual clássico, mas ele pode fazer uma infinidade
de mudanças de figurinos e até alterar seu corpo e face em questão de segundos.
O diretor Chuck Russell, cujos trabalhos de maior destaque até então eram A Hora do Pesadelo 3 e a refilmagem de A Bolha Assassina, foi incumbido de
comandar a adaptação de uma HQ homônima dos anos 80 criada por John Arcudi e
Doug Mahnke. Inicialmente planejado como uma fita de terror, respeitando a
personalidade vingativa e cruel do personagem original, felizmente os
produtores foram visionários e acharam melhor aproveitar o fato de que as
histórias em quadrinhos que serviram de inspiração eram praticamente
desconhecidas e mudar o caráter do protagonista, injetando humor e sarcasmo em
sua personalidade. O roteirista Mike Werb baseou-se em diversas situações saída
dos gibis, porém, atenuou a violência e deixou a criatividade falar mais alto
como forma de agradar a um público mais amplo, desde crianças pequenas até
idosos. A trama se passa em Edge City, região agitada dos EUA, onde vive
Stanley Ipkiss (Carrey), um sujeito pacato que trabalha como bancário, mas um
tanto tímido e atrapalhado, tendo como única companhia fiel seu cãozinho Milo.
Ele está acostumado que seu cotidiano seja uma sucessão de equívocos, mas certo
dia ele não devia nem ter se levantado da cama. Após muitos eventos que o
deixaram triste, a noite ele encontra por acaso uma estranha máscara, mas nem
desconfia de suas origens e histórico.
Pertencente a Loki, um deus escandinavo, esta antiga máscara
viking dá poderes especiais a quem usá-la, porém, é preciso sabedoria para
usufruir desse dom. Stanley a leva para casa e por brincadeira resolve
experimentá-la. Imediatamente ele vira literalmente outra pessoa, um homem
ousado e divertido com coragem suficiente para fazer tudo aquilo que o bancário
nem sonhava em um dia realizar, inclusive se meter em situações que o colocam
em saia justa com a polícia e com criminosos. Muito brincalhão, literalmente
ele sempre tem um truque nas mangas para se safar de situações de perigo e dar
uma boa lição a quem merece, mas talvez seja um equívoco classificá-lo como um
super-herói. Na realidade esse cara, logo apelidado de Máskara, está mais a fim
de se divertir e satisfazer suas próprias vontades. Qualquer bandido que
porventura seja vítima de alguma de suas travessuras é pura coincidência. Certa
noite, ele resolve ir se divertir em uma danceteria e acaba entrando em uma
enrascada ao flertar com a cantora e dançarina Tina Carlyle (Cameron Diaz), a
namorada do gângster Dorian Tyrrell (Peter Greene), este que, além de não
perder sua garota, também quer usufruir dos poderes da tal máscara assim que
toma conhecimento de sua existência, pois quer se tornar o chefão do submundo. Em
síntese, o roteiro é bastante simples, porém, a forma como ele é desenvolvido
faz toda a diferença. É difícil apontar falhas em uma trama completamente
surreal. O que poderia ser uma cena equivocada (se é que tem alguma) no final
das contas acaba se encaixando perfeitamente à narrativa que equilibra com eficiência
aventura e humor, sobrando muitas brincadeiras com o próprio cinema, inclusive
até a cerimônia do Oscar é lembrada. É incrível como embarcamos suavemente
nesta fantasia que em seus cenários, figurinos, efeitos sonoros e forma de
edição deixam evidente a inspiração em desenhos animados feitos para a TV, como
“Pica-Pau”, “Pernalonga” ou “Tom e Jerry”, por exemplo. Por isso não
estranhamos cenas como a que o Máskara coloca uma trupe de policiais para
dançar ritmos latinos, as inúmeras vezes que seu corpo elástico é violentado
retornando ao estado perfeito instantaneamente ou ainda a super velocidade com
a qual ele se movimenta ou conversa. Tal qual em uma animação, tudo aqui é
possível.
Sem ter um personagem principal famoso até então, mas com as
intenções de transformá-lo em um ícone pop instantâneo, é claro que os efeitos
especiais apresentados em trailers e propagandas de TV foram os responsáveis
por boa parte do sucesso da produção. Nunca antes haviam sido utilizadas
trucagens visuais tão avançadas a favor de uma comédia e o que havia de mais
moderno nessa área na época foi empregado para transformar Carrey em um sujeito
que realmente passa a impressão de ser feito de borracha. Para tanto, o ator
passava cerca de cinco horas diárias sendo maquiado de forma que todas as
partes móveis de seu rosto fossem destacadas e aí sim a computação entrava em
cena para complementar o serviço já que grande parte das cenas o próprio
intérprete se encarregou de fazer aproveitando-se de suas naturais
maleabilidades corporais e faciais. Contudo, durante as filmagens diversos
programas de computador foram criados para auxiliar na pós-produção, o que
implicou em os atores atuarem boa parte do tempo usando a imaginação para
contracenarem com o vazio ou com objetos e cenários que depois seriam trocados
digitalmente. Graças a esta comédia, muitos filmes seguintes puderam usufruir
de recursos tecnológicos sem os quais não poderiam ser realizados, além é claro
de ela ter aberto caminho para que outras adaptações de HQ desconhecidas
ganhassem as telonas, embora nenhuma tenha repetido o sucesso de O
Máskara, até hoje considerado um dos maiores sucessos da carreira de
Carrey que viu da noite para o dia sua conta bancária transbordar e os convites
para novos trabalhos multiplicarem-se. É praticamente impossível imaginar outro
ator para o papel, aliás, vivendo duas personalidades distintas em um mesmo
corpo, equilibrando-se entre a seriedade de Stanley e a loucura contagiante do
Máskara. Se suas caretas e expressões corporais tão conhecidas incomodarem em
seus projetos seguintes, aqui elas foram essenciais, afinal atazanar as pessoas
com suas piadas e seu pique incansável é a grande arma do protagonista. No
conjunto, misturando vários estilos, desde ação até filmes noir, esta comédia
emblemática dos anos 90 que marcou e ainda marca a infância de muita gente é
daquelas que literalmente não cansamos de ver e rever quantas vezes pintar
vontade. Curiosamente, frustrando expectativas, uma sequência só chegou a ser
lançada após mais de uma década de espera, sem Carrey no elenco e, diga-se de
passagem, com roteiro e qualidade técnica muito inferiores.
Comédia - 97 min - 1994
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