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quinta-feira, 11 de junho de 2015

AS ASAS DO AMOR

NOTA 9,0

Drama poderia ser apenas mais
uma história sobre um triângulo
amoroso, mas consegue ir além
explorando perfis dos personagens
Ao pensarmos no ator Johnny Depp automaticamente nos lembramos do nome do diretor Tim Burton por conta dos diversos trabalhos que a dupla realizou. A união destes profissionais foi tão produtiva quanto a relação do cineasta com a atriz Helena Bonham Carter. Durante os treze anos que viveram uma união estável, essa talentosa britânica participou de praticamente todos os filmes do marido sendo praticamente seu amuleto da sorte. Todavia, antes de dar vida aos diversos e estranhos personagens do universo burtiniano ela já estava construindo uma carreira de sucesso com bons trabalhos e reconhecimento da crítica. No final dos anos 1990 Helena viveu um excelente momento na carreira quando protagonizou As Asas do Amor, elogiada produção de época baseada no romance homônimo escrito por Henry James, o mesmo autor da obra que originou o filme Retrato de Uma Mulher. A trama se passa em Londres no início do século 20 quando Kate Croy (Carter), uma jovem de origem aristocrática, não está com sua vida financeira muito saudável, mas para sobreviver em uma sociedade hipócrita e que vive de aparências precisa lutar para manter sua posição social. Após o falecimento da mãe, a moça corta os laços afetivos com Lionel (Michael Gambon), seu pai viciado em ópio, e vai morar com sua tia Maud (Charlotte Rampling) que lhe oferece ajuda financeira. Porém, as coisas não são resolvidas facilmente. Kate só continuará ostentando seus ares e costumes de nobre se aceitar o casamento arranjado que seus familiares estão providenciando, caso contrário nunca será independente financeiramente. O problema é que ela já mantém uma relação às escondidas com Merton Densher (Linus Roache), um pobre jornalista.  Levando a situação como pode, ora burlando a vigilância da tia e ora se mostrando interessada nos planos que tecem para ela, a jovem se sente todos os dias ameaçada contra a parede. Durante uma viagem pela Europa, ela conhece uma rica órfã americana. Milly Theale (Alison Elliot) é livre dos preconceitos e esnobismos que regem a alta sociedade da época e imediatamente as jovens fazem amizade. Ao conhecer Densher, a moça demonstra interesse amoroso por ele, mas ela nem desconfia que o jornalista e Kate tem um caso.

O que poderia gerar um conflito acaba se tornando a tábua de salvação para a aristocrata que está prestes a perder sua posição de destaque na sociedade. Kate descobre que sua mais nova amiga está com uma doença terminal e decide jogá-la nos braços de seu namorado, pois com eles casados Densher teria direito a uma polpuda herança quando Milly morresse e enfim os dois poderiam viver seu amor em paz e ninguém da família Croy poderia reclamar que o rapaz não tem posses. Enquanto uma delas tinha o dinheiro e desejava conhecer o amor, a outra já vivia plenamente este sentimento, mas precisava de riquezas para ser totalmente feliz. Entretanto, tudo que é errado gera consequências e certamente uma delas sairá perdendo nesta história. Ou quem sabe as duas. O plano parecia perfeito, mas tudo se complica quando ele é parcialmente revelado ao ganancioso Lord Mark (Alex Jennings), que na opinião de Maud seria o marido perfeito para sua sobrinha, mas este homem apesar de ter posses também está de olho na fortuna da senhorita americana. O cineasta Iain Softley resolveu adaptar um conto de James até então pouco conhecido, mas isso não é um fator de depreciação, pelo contrário, até porque mesmo não aclamado pelo grande público ele é considerado por especialistas em literatura como uma das três obras-primas do autor inglês. Alguns especialistas chegaram a afirmar que o romance dificilmente ganharia uma versão cinematográfica digna devido as dificuldades em traduzir em imagens o estilo essencialmente literário do autor. Todavia, com um texto menos popular nas mãos foi possível ter um pouco mais de liberdade na adaptação e fisgar a atenção do público com a publicidade de ser um enredo baseado em escritos de um autor famoso. Bem, sucesso nas bilheterias não fez, até porque na época em que Titanic estava bombando dificilmente algum outro filme escaparia de ser afundado pela história do famoso acidente marítimo. Pelo menos a crítica ficou muito satisfeita com a obra e a cobriu de elogios, principalmente por conta de seus detalhes estéticos e pelo elenco afinado e empenhado, ainda mais depois das quatro indicações ao Oscar, entre elas a de melhor atriz para miss Carter. O roteiro de Hossein Amini concentra-se no triângulo amoroso movido primeiramente pela ambição e investe no viés psicológico dos jovens personagens, procurando caracterizar de forma convincente os seus sentimentos e motivações, especialmente os de uma heroína que é, em última análise, má. 

Flertando entre a inocência e o maquiavélico, Softley conduz o entrecho amoroso envolvendo o espectador de tal forma que ele pode até sentir vontade de torcer para que os planos da protagonista se concretizem. Em contos românticos clássicos geralmente a mocinha é sempre doce, sofre um bocado, mas no final ganha seu felizes para sempre junto ao seu amado. Não convém dizer como esta história acaba, mas só pela audácia de um conto mostrar a hipocrisia de uma sociedade tão venerada e ser protagonizado por uma mulher de caráter dúbio, já dá para se ter uma ideia de que o final não deve decepcionar a quem prefira narrativas mais realistas. Para se concentrar no desenvolvimento dos perfis dos personagens, inúmeros detalhes do romance de James foram modificados ou cortados ao mínimo possível para se entender o contexto como as festas e recepções que escamoteiam a futilidade da aristocracia inglesa, o contraste entre as culturas europeias e americanas e houve até mesmo a redução de espaço para trabalhar a relação de Kate com sua família, em particular o conturbado cotidiano com seu pai que é o ponto de partida para a mudança de vida almejada por Kate. As mudanças, contudo, em nada desmerecem o filme ou diminuem o valor de seu conteúdo. Ver e rever trabalhos como este deveria ser uma obrigatoriedade para aqueles que desejam trabalhar com cinema. Produções de época podem literalmente marcar época ou serem apenas um passatempo luxuoso, principalmente quando a produção dedica muito mais atenção ao visual do que ao roteiro e direção de atores. Não é o caso. Softley, que antes deste trabalho havia feito Os Cinco Rapazes de Liverpool, se deu bem ao decidir trabalhar com uma história de amor com pano de fundo histórico e achou o equilíbrio perfeito entre um roteiro interessante e de certo modo perturbador com as tentações que são oferecidas por um visual sofisticado e arrebatador. Curiosamente As Asas do Amor é mais um título que acabou perdido pelo caminho na transição das fitas VHS para o DVD, um produto que sem dúvida enriqueceria o catálogo de qualquer empresa.

Drama - 102 min - 1997 

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