NOTA 7,0 Clint Eastwood dirige drama cujo foco é especular sobre as coincidências da vida e as reações sobre o tema morte |
Todo mundo pelo menos uma vez já se perguntou como seria a
vida depois da morte e esse é um tema bem intrigante que acaba chamando a
atenção de muita gente independente da religião, pois diz respeito a uma dúvida
universal. Por mais estudos e relatos que possam ser encontrados, ninguém sabe
ao certo como seria o paraíso e o inferno, se é que eles existem, ou o que nos
espera depois que partimos, mas o cinema está aí para criar e perpetuar imagens
e tentar vender uma ideia de como funciona o além. Ficcionais ou não, estas
especulações podem nos confortar ou nos amedrontar, mas servem principalmente
para mudarmos nossas condutas e pensamentos no presente e no futuro. O
espiritismo tem sido uma corrente forte no cinema nacional, tendo seu ápice
entre os anos de 2009 e 2011, mas parece que o modismo atravessou os oceanos e também
se espalhou por outros países, incluindo os EUA. Foi o Brasil que influenciou
os gringos ou foram nossos cineastas que buscaram inspiração numa temática em
alta mundo afora? Tanto faz, o fato é que os mistérios que envolvem o tema vida
após a morte já estiveram presentes em inúmeras produções, sejam elas de terror,
suspense, alguns bem intencionados dramas e até mesmo em comédias. O artifício
que antes era usado com mais frequencia para assustar plateias parece que agora
está sendo levado mais a sério e recebendo o merecido respeito, tanto que até o
conceituado ator e diretor Clint Eastwood foi seduzido pelo assunto e assinou Além
da Vida, uma interessante obra que visa tocar o emocional de todos os tipos de
público independente de suas crenças, mas que encontra certas dificuldades para
atingir tal objetivo. O roteiro de Peter Morgan nos apresenta a três
personagens distintos que apesar de morarem longe e não serem parentes ou
amigos acabam sendo muito próximos devido as circunstâncias que estão passando em
um determinado período de suas vidas. Literalmente é a morte que os une e todos
eles têm contato com ela de alguma forma diferente. O enredo converge no
terceiro ato todas estas histórias paralelas. Apesar de ter com pano de fundo o
espiritismo, a produção enfoca na realidade a relação do ser humano com a morte,
mas infelizmente não chega a conclusões definitivas, apenas despertando o
espectador à reflexão. Na melhor das hipóteses, a obra procura explorar as
misteriosas coincidências que fazem com quem pessoas completamente estranhas
possam de repente encontrar pontos em comum que as unem.
Eastwood continua sendo muito lembrado pelos brucutus que
interpretou no passado em filmes de faroeste, mas toda vez que se coloca atrás
das câmeras demonstra muita sensibilidade. Aqui ele trata o espiritismo sem ser
piegas e nem tentando conquistar novos fiéis à crença de que existe vida após a
morte. Ele simplesmente sugere que há um mistério quando partimos, mas não sabe
o que é e nem tem a pretensão de desvendá-lo. Cada um terá sua hora de
descobrir e por mais que doa a saudade de alguém ou o medo de partir o tempo se
encarregará de colocar tudo no lugar. A história começa em 2004 na Indonésia
onde a jornalista francesa Marie (Cécile De France) está passando férias em
plena época em que um grande tsunami atingiu a região e por pouco ela não
perdeu a vida. De volta a Paris, agora ela quer publicar sua visão a respeito
dessa experiência de quase morte em um livro. Em Londres, o menino Marcus
(Frankie McLaren/George McLaren) perde seu irmão gêmeo Jason repentinamente e
está desesperado para entender o porquê disto ter acontecido e deseja alguma
mensagem do além para confortá-lo já que não pode contar com o apoio nem mesmo
da mãe, uma viciada em narcóticos. Por fim, em San Francisco, vive George (Matt
Damon), um rapaz que desde pequeno consegue manter contato com as pessoas que
já partiram deste mundo e foi incentivado a lucrar com seu dom. Considerando-se
um charlatão e que seu poder na verdade é como uma maldição, o jovem quer levar
uma vida normal, inclusive disposto a jogar para o alto sua carreira como
médium, e encontra em Melanie (Bryce Dallas Howard), uma colega do curso de
culinária, a sua válvula de escape para o carma que o aflige. A introdução já se
mostra muito eficiente por fisgar a atenção retratando uma catástrofe natural
que o mundo todo acompanhou quase que em tempo real através dos noticiários da
TV e da internet, um gancho estratégico que cria uma identificação imediata do
espectador com a trama. Essas cenas são ricas em intensidade dramática e os
efeitos visuais discretos ajudam a dar certa dose de adrenalina ao longa, mas
logo a narrativa abre espaço para um ritmo lento dominá-la, porém, essa opção é
importante para a condução da história. Vale ressaltar que os efeitos especiais
são raros na filmografia de Eastwood, mas aqui tem papel importante. Apesar de
serem poucas as cenas em que eles são usados, foram empregados na medida certa
para impactar as plateias, ainda mais porque o longa chegou aos cinemas em meio
a acontecimentos semelhantes no Japão que também sofria com a passagem de um
tsunami, todavia, tal coincidência não colaborou para o sucesso do longa.
Apesar de o início focar a personagem feminina principal, a
espinha dorsal do enredo é o personagem de Damon que vive um dilema entre
aceitar o seu dom ou renegá-lo. O ator parece muito a vontade no papel, as
vezes até em demasia como, por exemplo, nas cenas em que George fala com os
mortos. Seu gestual e modo de interagir com eles não se encaixaram bem no
contexto. O rapaz luta para se livrar desse dom, mas parece muito a vontade
quando ele se manifesta. Já nas cenas em que divide seus dilemas com a atriz
Bryce Dallas Howard, o ator se recupera e consegue dar um clima romântico ao
longa. Os outros dois protagonistas não ficam para trás no quesito atuação e
seus personagens oferecem bons entrechos à narrativa e são de suma importância
para dar suporte ao conflito do médium. Tanto Marie quanto Marcus a ajuda de
George para compreenderem melhor a morte, mas ele próprio também busca
respostas para lidar com seu poder. O roteiro tem a proeza de criar
interessantes ligações entre estes personagens e cada trama é tratada com apuro
semelhante até que se misturam e se transformam em uma só. Esta é uma história
que envolve amor, coincidências, sofrimento e solidão, porém, existe certa
superficialidade no ar. Por mais que as três tramas sejam interessantes e os
atores empenhados a entregar um bom trabalho, fica uma sensação que faltou
alguma coisa para tornar o filme mais consistente e consequentemente envolver
mais o espectador. A melancolia e a insatisfação presente nas vidas dos
protagonistas acabam refletindo no conjunto de todo o longa. A frieza e o ritmo
lento são marcas registradas da obra, pois o diretor quis se aprofundar nos
sentimentos de cada um. Mesmo assim, a produção não é nenhum cult ou filme de
arte, além de estar longe de ser um dos melhores títulos de Eastwood como
diretor, mas é inegável que destoa no cenário do sub-gênero dos dramas
espíritas. A longa duração e o clima triste onipresente não animam muitas
pessoas e também deve decepcionar aos amantes do estilo legitimamente espírita,
algo semelhante ao modelo imposto no cinema nacional através das obras adaptadas
dos livros escritos por Chico Xavier por exemplo. Porém, justamente por ter
achado um caminho novo para lidar com o espiritismo, Além da Vida se
destaca e merece uma conferida.
Drama - 129 min - 2010
Gostei muito da forma que a morte e a vida foram retratadas nesse filme. Não soa forçado em momento algum, nem mesmo nas cenas em que o protagonista se comunica "com o outro lado". Matt Damon tem se superado como ator a cada filme.
ResponderExcluirAbraços.
http://www.cinemosaico.com