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sexta-feira, 9 de julho de 2021

PLANO DE VOO


Nota 7 Suspense claustrofóbico prende atenção do início ao fim, mesmo recorrendo a clichês


Tramas de suspense desenvolvidas dentro de aviões costumam render bons filmes (excluindo obviamente coisas do tipo Serpentes a Bordo), talvez por conta do ambiente claustrofóbico que não raramente sufoca tanto os personagens quanto os próprios espectadores, ainda que muitos evitem produções do tipo por medo desse tipo de viagem ou justamente por viverem na ponte aérea. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, filmes assim sumiram do mercado, mas não demoraram mais que três anos para voltarem com força total. Um dos primeiros a ser lançado após o jejum foi Plano de Voo, que também marcava a volta de Jodie Foster às grandes bilheterias. O diretor alemão Robert Schwentke, no entanto, quis fugir do lugar comum e não colocou a turbulência como vilã do longa e também evitou tocar na ainda recente ferida da História americana (quer dizer, tocou levemente, não tinha como resistir a tentação). O roteiro de Peter A. Dowling e Billy Ray coloca a atriz duas vezes vencedora do Oscar para dar vida à Kyle Pratt, uma mulher que no momento está sofrendo com a recente morte de seu marido decorrente de um acidente doméstico. Junto com a filha Julia (Marlene Lawston), de apenas seis anos, ela está fazendo uma viagem de Berlim à Nova York para levar o caixão do marido para ser velado e enterrado junto a sua família. 

O início pode parecer um pouco confuso pela falta de informações que temos sobre as personagens, mas tais detalhes vão sendo oferecidos conforme as conversas que surgem dentro do avião, uma forma do espectador criar empatia com os coadjuvantes, alguns de suma importância para a trama enquanto outros nada mais fazem que embaralhar a história mais adiante. Mãe e filha acabam cochilando durante a viagem, mas quando Kyle acorda se desespera ao não ter mais a garotinha ao seu lado. Nenhum funcionário ou membro da tripulação tem alguma pista de onde ela estaria, pior, sequer viram ela embarcando ou sentada ao lado da mãe. Com a aeronave em pleno voo, ela não teria para onde fugir, o que leva as suspeitas de que a menina teria sido sequestrada e escondida em algum compartimento da aeronave. Ou teria sido tudo fruto da mente da recente viúva que chegou a imaginar estar acompanhada de uma criança? O longa então é dedicado as inúmeras tentativas desta mulher provar que não está louca ao mesmo tempo em que tenta encontrar a desaparecida. Filmes com crianças no elenco costumam ter como grande atrativo justamente a presença dos pequerruchos que conquistam com a espontaneidade com que interpretam, mas não é o caso. A pequena Lawston se restringe a repetir as frases que lhe foram destinadas de forma robótica, um erro que o diretor deveria ter corrigido oferecendo um treinamento especial para a garota ou até mesmo substituindo-a por outra intérprete. 


Evitar que a garotinha se destacasse talvez fosse o objetivo da produção para não roubar o protagonismo de Foster que constrói uma personagem que fica no limite entre a sanidade e a loucura devido a grande carga de suspense psicológico que carrega, transmitindo ao espectador toda a sensação de angústia necessária. Por exemplo, em um momento de desespero, Kyle consegue convencer boa parte dos passageiros a colaborarem nas buscas, mesmo com muitos dizendo que a filha é uma invenção de sua mente. A partir desse momento, o longa vai se tornando ainda mais envolvente, pois uma reviravolta acontece com graves consequências e as atenções passam a ser divididas com outro personagem. Gene Carson (Peter Sarsgaard) se apresenta como um membro da polícia responsável por fazer a segurança da aeronave e se mostra muito solícito para ajudar a desvendar o caso, ou seria apenas uma forma de ludibriar Kyle para evitar maiores escândalos e não assustar os demais passageiros? Nesse ponto chegamos a conclusão de que a história pode ter rumos diversos, resta ao espectador prestar atenção nos detalhes para desvendar a charada. Poderia ser uma trama sobrenatural ou a respeito de insanidade com as cenas iniciais tendo a aparição do fantasma de Julia ou da representação da fantasia da cabeça de sua mãe. Também pode ser um enredo envolvendo espionagem ou terrorismo, visto que existe um passageiro de origem árabe no voo, o mesmo que ela afirma ter visto rondando sua residência no dia anterior. Ficam claras as intenções de abordar o tema preconceito, ainda mais quando não só Kyle, mas também outros viajantes passam a desconfiar que existem pessoas má intencionadas entre eles, algo deflagrado pelo tom de pele mais escurecido de alguns.

Schwentke demonstra talento ao construir um filme calcado em situações clichês, mas que de certa forma são recicladas eficientemente, pois conseguem dar um nó na cabeça do espectador que chega a se questionar se seria possível que todos dentro daquele avião estariam contra a protagonista. A situação é inverossímil, mas embriagados da atmosfera sufocante do longa somos levados a acreditar nisso sem perceber ou automaticamente questionar. O avião ocupado por mais de 400 pessoas não é um mero cenário, praticamente assume a posição de personagem também, afinal Kyle investiga cada canto da aeronave como se tentasse arrancar a verdade da boca de alguém, dessa forma o diretor pôde passear a vontade pelo interior do veículo buscando composições visuais e ângulos de câmera belos e ao mesmo tempo intrigantes. Vale lembrar que a protagonista é engenheira aeronáutica. Ah, por esse detalhe já dá pra imaginar que a moça não vai se contentar com as tentativas de consolos ou de ser convencida que precisa de auxílio psicológico e vai literalmente a fundo para tentar encontrar a filha viva ou morta aproveitando-se do seu conhecimento de campo. Mesmo assim, o roteiro tira bom proveito da limitação cênica para criar momentos de tensão, mas por outro lado sobram informações técnicas sobre o avião, o que pode entediar um pouco a narrativa, mas alguns pormenores são necessários para justificar as certezas de Kyle quanto ao sumiço de Julia ser real. 


O tom misterioso da obra é dado desde seus primeiros minutos, com introdução montada de forma não-linear com a qual ficamos sabendo apenas o básico para compreendermos o motivo da viagem de mãe e filha. Schwentke ainda introduz uma cena que pode parecer sem sentido, a de pessoas observando à distância a casa de Kyle, mas mais a frente isso pode ajudar a alimentar as duas dúvidas centrais do enredo, a perturbação mental ou o complô que ela está sofrendo. Tecnicamente perfeito, Plano de Voo cumpre seu papel de entreter e deixar as pessoas intrigadas com folga, só é uma pena que na reta final não surpreenda, ainda que ofereça uma conclusão digna. Em tempo: no trabalho anterior de Jodie como protagonista, O Quarto do Pânico, a atriz viveu situação semelhante dando vida a uma mãe que tenta a todo custo proteger sua filha também em um ambiente claustrofóbico, mas nada que tire o brilho de sua atuação posterior, pelo contrário. Neste caso o palco, ou melhor, o avião, é todo dela.

Suspense - 98 min - 2004 

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