NOTA 8,5 Apesar do tom de sátira, comédia serve como uma homenagem da Disney ao seu próprio histórico de vida |
Houve um tempo em que férias era sinônimo de Disney. Nesses
períodos longos de descanso dos estudantes era tradição sempre ter uma bela
animação do estúdio para virar a febre da temporada com direito a muitas bugigangas
para colecionar estampadas pelos personagens, mas o tempo passou e este
calendário sofreu mudanças significativas. Claro que ainda temos os desenhos
feitos pelo próprio estúdio ou em parceria com a Pixar, mas mesmo com as
críticas geralmente positivas tais produções aparentemente não causam o mesmo
barulho da época de A Bela e a Fera ou Aladdin. Aliás, diga-se passagem, as
animações computadorizadas lançadas após a junção das duas empresas já não são
mais nenhuma unanimidade quando o assunto é diversão e nem mesmo os filmes das
produtoras concorrentes parecem alcançar o mesmo nível de repercussão de
outrora. Repetição de temas, personagens similares, visual sobrepondo-se à
historia entre outras coisas tiraram totalmente a originalidade e o brilho do
campo das animações, tanto que dá até saudades de curtir aquelas boas e velhas
histórias de princesas. A Disney tentou voltar ao estilo com A Princesa e o
Sapo e Enrolados, mas ironicamente o sucesso veio com um filme criado
justamente para tirar um sarro de tudo aquilo que ajudou a criar o império do
Sr. Walt Disney. Encantada surpreendeu o mundo com uma narrativa clássica,
porém, totalmente diferente de algo que se espera do estúdio. Desde que Shrek surgiu
pegando a todos de supetão satirizando os famosos contos de fadas, com
cutucadas explícitas da empresa Dreamworks à Disney, é certo que a casa do
Mickey Mouse e tantos outros personagens que entraram para o universo pop
mundial foi perdendo cada vez mais espaço no campo das animações. A solução
encontrada pelos executivos foi um tanto comercial: se pessoas alheias ao
estúdio podem deitar e rolar sobre nosso material por que não fazemos o mesmo?
Assim os roteiristas Bill Kelly, Rita Hsiao e Todd Alcott aparentemente tiveram
carta branca para remexer nas memórias Disney e pinçar diversas características
que se tornaram marca de suas produções e outras tantas referências
cinematográficas e culturais que fossem de fácil assimilação para o público que
automaticamente se lembraria de ter visto cena semelhante alguma vez na vida. O
diretor Kevin Lima, que já havia entregue ao estúdio o live action 102 Dálmatas
e a animação Tarzan, acertou em cheio ao iniciar e fechar seu longa com
animação tradicional e recheá-lo com atores de carne e osso representando o
encontro do mundo real com o de fantasia.
A introdução já é em tom de sátira e propositalmente
exagerada. Feita em desenho e com todos os clichês Disney possíveis, como
animaizinhos falantes e muita cantoria, temos em cena uma bela jovem que é
salva de um monstro por um corajoso príncipe. Eles se apaixonam imediatamente e
trocam juras de amor em menos de três minutos, o que desagrada a madrasta do
rapaz que não quer ceder seu reinado a ninguém. Vestida de anciã, esta mulher
sem escrúpulos consegue jogar a princesinha em um túnel sem fim e assim ela
pode reinar absoluta e feliz para sempre. Será? Giselle (Amy Adams), após ser
expulsa do reino de Andalasia, literalmente vê uma luz no fim do túnel e a
segue sem saber que vai parar na agitada e confusa Nova York do século 21, onde
a educação das pessoas é escassa e não cai nada bem para uma moça vagar sozinha
pela noite com um gigantesco vestido de festa e uma coroa cravejada de
brilhantes. Aqui ninguém acredita em finais felizes, como o advogado especializado
em casos de separações Robert Philip (Patrick Dempsey) que faz questão de
preparar a pequena filha Morgan (Rachel Covey) para as decepções que o mundo
reserva, mas quando ele encontra Giselle as coisas podem mudar. O rapaz
inicialmente acha que ela é louca e tenta ajudá-la a voltar para casa, não
importa onde fosse a tal Andalasia, porém, pouco a pouco ele vai tendo seu frio
coração amolecido pelo entusiasmo, pureza e imaginação da jovem que está certa
que Edward (James Marsden), seu príncipe encantado, pode chegar a qualquer
momento para levá-la de volta ao reino encantado. O problema é que não só o
príncipe está a sua procura, mas também sua madrasta Narissa (Susan Sarandon)
trazendo a tiracolo seu fiel e atrapalhado escudeiro Nathaniel (Timothy Spall)
que será o responsável por executar os planos maquiavélicos da feiticeira
envolvendo maçãs envenenadas. Para completar, um simpático e esperto esquilinho
Pip amigo de Giselle também vem para o mundo real para ajudá-la a escapar das
armadilhas e reencontrar seu príncipe.
O contraste entre a inocência e a delicadeza do mundo de
fantasia e a brutalidade e complicações do mundo real poderiam render muitas
piadas inspiradas, mas os roteiristas foram cautelosos e não quiseram chocar o
público e tampouco denegrir o passado Disney, assim as piadas inseridas, a
maioria citando contos clássicos, devem ser encaradas na verdade como uma
homenagem a uma das produtoras de cinema mais tradicionais e premiadas dos EUA.
Giselle cantarola enquanto faz a limpeza do apartamento de Robert no melhor
estilo Cinderela. Ela foi parar na Nova York moderna graças a uma maquiavélica
velhinha que nos remete à Branca de Neve e os Sete Anões e o ápice da narrativa
é totalmente inspirado em A Bela Adormecida. Além destas referências, os
“disneymaníacos” devem ter facilidade de encontrar citações que lembram A Dama
e o Vagabundo, O Corcunda de Notre Dame e uma cena de baile deve fazer muita
gente se emocionar tanta quanto A Bela e a Fera fez um dia ou continua fazendo.
Obviamente esse túnel do tempo emotivo não faz nem cócegas para algumas pessoas
que insistem em caçar erros em uma produção redondinha e agradável. Talvez a
única parte que destoe no conjunto seja o fato de Giselle fazer inúmeras
compras para se preparar para uma festa e quando a vemos pronta ela está com o vestido
mais simples possível e nada de acordo com o tema da recepção. Fora isso, é
preciso embarcar na fantasia e deixar o mau humor de lado para aproveitar cada
minuto. Amy Adams conseguiu o mérito de se tornar a princesa mais cativante de
todas já criadas pela Disney. Como diz o personagem de Dempsey, ela realmente
parece saída de um conto de fadas e mesmo quando está cantarolando com
bichinhos ou falando de amor convocando uma multidão em pleno Central Park para
dançar ela nos convence de que é real e que acreditar nos sonhos é preciso. Seu
partner acabou ganhando status de príncipe quando na verdade está mais para um
sapo jururu e o verdadeiro herdeiro do trono foi jogado para escanteio. Por
outro lado, Marsden garantiu as melhores piadas aproveitando o perfil bobão de
seu personagem aliado a amizade que mantém com o esquilo Pip. Por fim, Susan
Sarandon surpreende. Com uma imagem atrelada a papéis dramáticos, é muito
prazeroso vê-la se divertindo como nunca na pele de uma feiticeira e até mesmo
quando empresta a voz à personagem transformada em um dragão ainda é possível
sentir sua força pulsando. Encantada já nasceu com toda pinta de se tornar um
clássico das sessões da tarde com seus números musicais dignos de espetáculos
da Broadway, romantismo açucarado, personagens cativantes e o principal:
reavivar os sonhos infantis que infelizmente hoje em dia tendem a morrer mais
cedo dentro de crianças que são induzidas a amadurecerem antecipadamente.
Sonhar faz bem em qualquer idade e este filme provoca a imaginação de bebês à
idosos, basta se entregar por completo à legítima magia Disney aqui resgatada.
Comédia - 107 min - 2007
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