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quinta-feira, 12 de março de 2015

ATÉ O FIM (2001)

NOTA 8,0

Drama prende a atenção
sem recorrer aos artifícios
manjados do gênero, mas sua
narrativa poderia ser mais forte
Será que é possível realizar um bom suspense sem apelar para personagens do além, psicopatas sedutores ou assassinos mascarados atrás de adolescentes bobocas? A resposta é sim como prova o longa independente Até o Fim que conta com uma excelente trama policial, mas a forma como a narrativa foi desenvolvida é mais puxada para um drama. E dos bons. O filme começa mostrando Margaret Hall (Tilda Swinton) entrando em uma espécie de clube noturno para falar com um sujeito chamado Darby (Josh Lucas), um rapaz que transpira canalhice. Ela está muito preocupada, pois descobriu que seu filho adolescente Beau (Jonathan Tucker) está se encontrando as escondidas com este homem bem mais velho que descaradamente é metido com negócios ilícitos, tanto que mesmo sem revelar qual a sua real ligação com o garoto exige uma boa quantia em dinheiro para se manter afastado dele. Na mesma noite, Beau o encontra nos arredores de sua residência e discute pelo fato dele ter chantageado a sua mãe. No dia seguinte, após poucas horas da briga, a própria Margaret encontra o corpo do mau-caráter jogado na beira de um lago perto da sua casa. Querendo proteger seu filho de ser acusado de assassinato e também para não revelar o seu envolvimento íntimo com a vítima, esta mãe toma a impulsiva decisão de ela própria sumir com o corpo na ingênua tentativa de esconder que houve um crime. Logo este plano é descoberto por Alek Spera (Goran Visnjic), um rapaz que está a serviço de outro bandido que deseja chantagear Margaret, também para conseguir dinheiro fácil, utilizando uma comprometedora fita de vídeo envolvendo Beau. Os roteiristas Scott McGehee e David Siegel, também diretores do longa, basearam-se no livro “The Blank Wall”, de Elisabeth Sanxay Holding, este que já havia sido adaptado de forma mais fiel no longa Na Teia do Destino, datado de 1949. Para quem assistiu a obra antiga assinada pelo diretor Max Ophüls, as comparações com este remake podem ser inevitáveis e até prejudicar a apreciação de ambos.  É importante ressaltar que foram feitas alterações significativas na história para inseri-la da melhor forma no contexto do século 21.  Embora o longa anterior não seja creditado como inspiração, as duas obras guardam algumas semelhanças no conteúdo e até na forma como os fatos são inseridos na narrativa, principalmente em seus primeiros minutos que logo deixam explícito os conflitos dos personagens.

O que antes ficava subentendido nas entrelinhas, aqui fica claro visualmente. Na trama original era uma garota menor de idade que se envolvia com um cafajeste. Embora não fosse mostrado um forte contato físico entre eles, estavam claras as preocupações da mãe da jovem. A proteção da virgindade, uma gravidez indesejada, ser usada como um objeto para satisfação sexual, não conseguir um bom casamento devido a fofocas ou sofrer chantagens para ter dinheiro extorquido. Boa parte destas preocupações em plenos anos 2000 já não causa o impacto de outrora. As sociedades mudaram seus pensamentos e condutas e muitas coisas que antes eram deploráveis hoje até que são bem aceitas. Para dar um gás ao enredo, os roteiristas então trocaram o sexo do personagem adolescente e também sua opção sexual. Agora o homossexualismo passou a ocupar a vaga de tabu. Logo no primeiro minuto do filme percebemos que o assunto será abordado, mas isto é feito de forma fria e sem grandes desdobramentos. A relação entre Beau e Darby fica explícita ao espectador, mas parece que os realizadores do filme não quiseram se meter em polêmicas e não aprofundaram o assunto. Não se fala do aspecto pedófilo desta relação e tampouco sobre o que levou um rapaz tão jovem a ter sua sexualidade despertada tão cedo e fora dos padrões. Não fica claro nem mesmo como Margaret lida com essa situação. Ela compreenderia o filho, mas tinha medo dos sofrimentos pelos quais ele passaria ao se assumir gay? Ela própria teria preconceito? Teria medo da reação do marido, um oficial da Marinha que jamais está em casa assumindo suas funções como chefe de família? Ficamos sem essas respostas. Após a introdução, praticamente esquecemos que a história fala de uma mãe desesperada não só para proteger seu filho de ser acusado de um gravíssimo crime, mas também para evitar que ele seja alvo de chacotas e preconceitos devido a sua vida sexual. O fato só volta a ter destaque quando a tal fita de vídeo comprometedora entra no rolo, mas ainda assim o longa se isenta de discutir a homossexualidade, embora o fato de Darby ser de índole duvidosa, algo explícito pelo seu ambiente de trabalho, postura, visual e vocabulário, pudesse ser um foco de incêndio para gerar discussões, afinal ainda muitos veem erroneamente as relações homo afetivas como algo promíscuo e intimamente ligadas a falta de limites ou pudor.

Perdendo esses interessantes ganchos, ainda assim McGehee e Siegel conseguem fazer um trabalho competente investindo todas as suas fichas no lado policial da história. O foco principal pode até ser um tanto convencional, mas a forma como ele é desenvolvido é que faz toda a diferença nesta produção que ganhou uma grande projeção ao ser exibido no Festival de Sundance, o grande celeiro do cinema independente. Além de um prêmio pela excepcional parte fotográfica que transmite com perfeição todo o clima melancólico e ao mesmo tempo tenso que o enredo pede, Tilda Swinton foi premiada como Melhor Atriz e dessa forma teve seu nome inserido no mapa cinematográfico e desde então é uma figura frequente em premiações. Evitando gritarias e caras e bocas, ela apresenta uma atuação contida explorando os limites aos quais pode chegar uma pessoa perturbada pela dor da decepção ou o medo da rejeição. Ela consegue deixar transparecer a todo o momento a angústia da personagem que sofre ao descobrir as intimidades do primogênito, em omitir isso da família, assim como o tal assassinato, e que está sob a pressão de vigaristas que podem a qualquer momento destruir sua família, seja por ambas as revelações bombásticas ou até mesmo por uma só delas. É até possível observar este dilema pelo viés do sonho americano da vida perfeita, um tema-fetiche de vários diretores na época deste lançamento logo após o estrondoso sucesso de Beleza Americana. Estaria Margaret enfrentando esta jornada infernal por amor ao seu filho? Ou seria pelo amor exagerado a um marido que não entenderia a situação? Estaria ela preparada a viver guardando segredos e vendo Beau infeliz simplesmente para manter a imagem da família perfeita?  O longa não entrega respostas e deixa para o espectador refletir sobre o que levou a protagonista a agir desta forma impulsiva. Vendo por este prisma, Até o Fim pode parecer o típico filme a la “Super Cine”, aquele tipo cuja premissa promete muito, mas o resultado final deixa a desejar. Mas não se engane. Justamente por deixar sentimentos latentes em evidência e evitar artifícios fáceis para chamar a atenção, esta é uma obra que pode ser de difícil digestão, no bom sentido fique claro. Não conta com momentos de arroubo de heroísmo, tiroteios e tampouco doses cavalares de adrenalina. As armas de guerra desta produção é simplesmente contar uma boa história que mescla drama e suspense em doses similares para mostrar até que ponto pode chegar uma pessoa diante de uma situação de intensa pressão. Muitos apontam que é um pouco inverossímil pensar que uma dona de casa em meio a louça para lavar, as roupas para passar, o almoço para fazer e cuidar das crianças teria ainda disposição, inteligência e sangue frio para lidar intimamente com bandidos, mas quem nunca ouviu alguma história sobre uma mãe que daria sua própria vida pela felicidade de um filho?

Drama - 101 min - 2001 

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Um comentário:

  1. a gente assiste o filme, e pensa porque a personagem tem tanto medo da homossexualidade do filho? Acho que faltou isso no roteiro...

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