NOTA 8,5 Experiência de vida pode ser a maior lição que alguém pode tirar de uma viagem de estudos |
O
convívio com pessoas diferentes pode ser uma experiência edificante, mas ao
mesmo tempo amedrontadora. Hábitos, culturas, religiões, enfim são vários
pontos que podem ser conflitantes ou, na melhor das hipóteses, transformarem a
vida de alguém. O longa Albergue Espanhol está longe de
representar as bizarrices de um reality show que envolva confinamento, mas não
deixa de guardar semelhanças. No entanto, as experiências vividas pelo jovem
francês Xavier (Romain Duris) não são orquestradas por um grupo de televisão,
mas sim movidas por ele próprio e pelos personagens reais com quem ele divide
um apartamento em Barcelona. Ele tem 25 anos, está prestes a se formar no curso
de Economia e recebe o convite de um amigo de seu pai para trabalhar no
Ministério da Fazenda. Porém, para assumir a vaga, Xavier precisará falar
fluentemente espanhol, assim como ler e escrever. Decidido a se aprimorar no
idioma, ele decide terminar seus estudos na Espanha e deixa a namorada Martine
(Audrey Tatou) após quatro anos de relacionamento. Em um primeiro momento ele
se desespera a se ver em um lugar diferente, sem poder se comunicar, remoendo
as lembranças do que deixou para trás e aflito sobre como seria sua vida daqui
em diante. Sua residência agora será um apartamento que dividirá com outros
sete estudantes, além de seus possíveis parentes e agregados, todos de diferentes
nacionalidades e com personalidades distintas, um caos que se assemelha ao
estado do rapaz neste momento de mudanças, pois finalmente ele viverá como um
adulto independente dos pais. O local fica conhecido pela expressão que dá
título ao filme, uma gíria francesa que significa algo como “onde tudo pode
acontecer”. E realmente o dia-a-dia da turma de jovens habitantes é bastante
agitado, principalmente quando o assunto são as relações amorosas. Xavier passa
a sentir afeto pela reprimida Anne Sophie (Judith Godrèche), um amor proibido,
se torna o melhor amigo da instrutora sexual belga Isabelle (Cécile de France),
que gostaria que ele fosse uma mulher, e não está totalmente a vontade com a
visita surpresa de Martine, pois ao que tudo indica o relacionamento esfriou.
Todavia, ele encara tudo que passa como algo que faz parte de seu maior
objetivo: ganhar experiência de vida.
Nossas
vidas em geral são marcadas pelas etapas que marcam nossos períodos de estudos
e a cada estágio que avançamos estabelecemos novas metas. Chegar à universidade
não é o fim. Passamos a sonhar com a conclusão do curso, depois na
pós-graduação, em seguida mestrado e por aí vai. Percebemos que talvez essa
vida esquemática era seguida por Xavier, mas quando ele entra em contato com
outros pensamentos fora de seu mundinho particular descobre que a vida é muito
mais ampla do que imaginava e que ela não precisa de amarras para seguir seu
curso natural. O diretor Cédric Klapisch, de Bonecas Russas, tem o desejo de transmitir mensagens através de seu
protagonista e até mesmo de seus coadjuvantes, algo como expanda seus
conhecimentos, viaje e comprove o quanto sua vida é confortável ou sem graça,
porém, também existe preocupação neste filme em fazer uma alusão a própria
confusão que é a comunidade européia, afinal o continente Europeu cada vez mais
recebe visitantes de todo o mundo que não vão lá apenas para uma viagem de
lazer, mas sim com objetivos de fixar residência e em busca de boas
oportunidades profissionais. O caldeirão efervescente de culturas que está nas
ruas também está muito bem representado dentro do tal albergue. O velho mundo
está ficando jovem e consegue ao mesmo tempo ser unido e desunido. Os moradores
do apartamento, cada um interpretado por um ator correspondente a nacionalidade
que representa, praticam o exercício da tolerância e do aprendizado em grupo.
Eles se respeitam o máximo que podem, tentam preservar alguma privacidade, mas
na hora do aperto sabem que podem contar uns com os outros. Não é a toa que em
alguns países o longa foi batizado, na tradução literal, como “Casa de Loucos”
ou “Pudim Europeu”. Este último é até bacana e combina com a sensação que temos
ao final: a de provar algo delicioso que desejamos aproveitar ao máximo. Junto
com Xavier podemos viver ou reviver a sensação de pela primeira vez na vida se
sentir independente, perceber que maturidade não significa anular por completo
a imaturidade, saborear os momentos felizes e tirar lições importantes das
dificuldades.
Italianos,
alemães, ingleses, finlandeses, franceses e, obviamente, espanhóis. Klapisch
monta um mosaico de nacionalidades através de personagens que vivem
pacificamente na medida do possível nos fazendo pensar o quanto seria bom se
todas as nações procurassem viver em paz deixando de lado conflitos tolos
envolvendo pensamentos opostos em termos de política ou religião, por exemplo.
Além de fazer esta análise subliminar da Europa contemporânea (o filme é de
2002, mas o painel ainda é válido e futuramente servirá como um pequeno
registro histórico do período), é impressionante como o roteiro escrito pelo
próprio Klapisch não perde a mão e mantém firme a proposta de ser um trabalho
para discutir a adaptação a vida adulta, uma fase que nenhum ser humano escapa.
Dúvidas, angústias, desafios e sonhos. O bom do cinema europeu é que ele evita
os maniqueísmos do cinemão americano. Para quem já está cansado de ver a
juventude transviada, consumista e descerebrada cuja imagem é vendida aos
montes pelos diretores e roteiristas dos EUA, Albergue Espanhol é uma
opção muito bem-vinda e que deve surpreender muita gente. Até mesmo na hora de
mostrar Barcelona o longa foge dos clichês e deixa de lado o olhar turístico
para investir em uma visão mais realista da cidade, uma escolha do cineasta que
certamente não agrada aos espectadores que buscam imagens de cartões postais em
movimento. Todavia, temos aqui uma visão de Barcelona muito mais viva e humana
que casa muito bem com a proposta do enredo. Na época de seu lançamento no
Brasil, a começar pelo título e origem da produção, obviamente ela foi tachada
de imediato como um produto alternativo, o que diminuiu suas chances de uma
parcela maior do público se divertir e se emocionar. Lágrimas no fim talvez
sejam inevitáveis, principalmente para quem está vivendo a fase de transição da
adolescência para a vida adulta e para quem já fez ou sonha em fazer
intercâmbio. Não pode jogar tudo para o alto, fazer as malas e viajar? Um bom
filme pode proporcionar também uma viagem especial e enriquecedora, eis a
prova.
Comédia - 123 min - 2001
A sessão vale mais a pena
ResponderExcluircom Bonecas Russas na sequência.
***BOM***
Apesar de eu sempre ler bons comentários sobre esse filme, eu realmente não consigo ter vontade de vê-lo. Quem sabe mais pra frente...
ResponderExcluirRealmente a história nos proporciona este aprendizado sobre o que é se enriquecer culturalmente em um país estrangeiro, assim como aprender lições de vida. Excelente texto!
ResponderExcluir