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quarta-feira, 18 de março de 2015

ALBERGUE ESPANHOL

NOTA 8,5

Experiência de vida pode
ser a maior lição que
alguém pode tirar de uma
viagem de estudos
O convívio com pessoas diferentes pode ser uma experiência edificante, mas ao mesmo tempo amedrontadora. Hábitos, culturas, religiões, enfim são vários pontos que podem ser conflitantes ou, na melhor das hipóteses, transformarem a vida de alguém. O longa Albergue Espanhol está longe de representar as bizarrices de um reality show que envolva confinamento, mas não deixa de guardar semelhanças. No entanto, as experiências vividas pelo jovem francês Xavier (Romain Duris) não são orquestradas por um grupo de televisão, mas sim movidas por ele próprio e pelos personagens reais com quem ele divide um apartamento em Barcelona. Ele tem 25 anos, está prestes a se formar no curso de Economia e recebe o convite de um amigo de seu pai para trabalhar no Ministério da Fazenda. Porém, para assumir a vaga, Xavier precisará falar fluentemente espanhol, assim como ler e escrever. Decidido a se aprimorar no idioma, ele decide terminar seus estudos na Espanha e deixa a namorada Martine (Audrey Tatou) após quatro anos de relacionamento. Em um primeiro momento ele se desespera a se ver em um lugar diferente, sem poder se comunicar, remoendo as lembranças do que deixou para trás e aflito sobre como seria sua vida daqui em diante. Sua residência agora será um apartamento que dividirá com outros sete estudantes, além de seus possíveis parentes e agregados, todos de diferentes nacionalidades e com personalidades distintas, um caos que se assemelha ao estado do rapaz neste momento de mudanças, pois finalmente ele viverá como um adulto independente dos pais. O local fica conhecido pela expressão que dá título ao filme, uma gíria francesa que significa algo como “onde tudo pode acontecer”. E realmente o dia-a-dia da turma de jovens habitantes é bastante agitado, principalmente quando o assunto são as relações amorosas. Xavier passa a sentir afeto pela reprimida Anne Sophie (Judith Godrèche), um amor proibido, se torna o melhor amigo da instrutora sexual belga Isabelle (Cécile de France), que gostaria que ele fosse uma mulher, e não está totalmente a vontade com a visita surpresa de Martine, pois ao que tudo indica o relacionamento esfriou. Todavia, ele encara tudo que passa como algo que faz parte de seu maior objetivo: ganhar experiência de vida.

Nossas vidas em geral são marcadas pelas etapas que marcam nossos períodos de estudos e a cada estágio que avançamos estabelecemos novas metas. Chegar à universidade não é o fim. Passamos a sonhar com a conclusão do curso, depois na pós-graduação, em seguida mestrado e por aí vai. Percebemos que talvez essa vida esquemática era seguida por Xavier, mas quando ele entra em contato com outros pensamentos fora de seu mundinho particular descobre que a vida é muito mais ampla do que imaginava e que ela não precisa de amarras para seguir seu curso natural. O diretor Cédric Klapisch, de Bonecas Russas, tem o desejo de transmitir mensagens através de seu protagonista e até mesmo de seus coadjuvantes, algo como expanda seus conhecimentos, viaje e comprove o quanto sua vida é confortável ou sem graça, porém, também existe preocupação neste filme em fazer uma alusão a própria confusão que é a comunidade européia, afinal o continente Europeu cada vez mais recebe visitantes de todo o mundo que não vão lá apenas para uma viagem de lazer, mas sim com objetivos de fixar residência e em busca de boas oportunidades profissionais. O caldeirão efervescente de culturas que está nas ruas também está muito bem representado dentro do tal albergue. O velho mundo está ficando jovem e consegue ao mesmo tempo ser unido e desunido. Os moradores do apartamento, cada um interpretado por um ator correspondente a nacionalidade que representa, praticam o exercício da tolerância e do aprendizado em grupo. Eles se respeitam o máximo que podem, tentam preservar alguma privacidade, mas na hora do aperto sabem que podem contar uns com os outros. Não é a toa que em alguns países o longa foi batizado, na tradução literal, como “Casa de Loucos” ou “Pudim Europeu”. Este último é até bacana e combina com a sensação que temos ao final: a de provar algo delicioso que desejamos aproveitar ao máximo. Junto com Xavier podemos viver ou reviver a sensação de pela primeira vez na vida se sentir independente, perceber que maturidade não significa anular por completo a imaturidade, saborear os momentos felizes e tirar lições importantes das dificuldades.

Italianos, alemães, ingleses, finlandeses, franceses e, obviamente, espanhóis. Klapisch monta um mosaico de nacionalidades através de personagens que vivem pacificamente na medida do possível nos fazendo pensar o quanto seria bom se todas as nações procurassem viver em paz deixando de lado conflitos tolos envolvendo pensamentos opostos em termos de política ou religião, por exemplo. Além de fazer esta análise subliminar da Europa contemporânea (o filme é de 2002, mas o painel ainda é válido e futuramente servirá como um pequeno registro histórico do período), é impressionante como o roteiro escrito pelo próprio Klapisch não perde a mão e mantém firme a proposta de ser um trabalho para discutir a adaptação a vida adulta, uma fase que nenhum ser humano escapa. Dúvidas, angústias, desafios e sonhos. O bom do cinema europeu é que ele evita os maniqueísmos do cinemão americano. Para quem já está cansado de ver a juventude transviada, consumista e descerebrada cuja imagem é vendida aos montes pelos diretores e roteiristas dos EUA, Albergue Espanhol é uma opção muito bem-vinda e que deve surpreender muita gente. Até mesmo na hora de mostrar Barcelona o longa foge dos clichês e deixa de lado o olhar turístico para investir em uma visão mais realista da cidade, uma escolha do cineasta que certamente não agrada aos espectadores que buscam imagens de cartões postais em movimento. Todavia, temos aqui uma visão de Barcelona muito mais viva e humana que casa muito bem com a proposta do enredo. Na época de seu lançamento no Brasil, a começar pelo título e origem da produção, obviamente ela foi tachada de imediato como um produto alternativo, o que diminuiu suas chances de uma parcela maior do público se divertir e se emocionar. Lágrimas no fim talvez sejam inevitáveis, principalmente para quem está vivendo a fase de transição da adolescência para a vida adulta e para quem já fez ou sonha em fazer intercâmbio. Não pode jogar tudo para o alto, fazer as malas e viajar? Um bom filme pode proporcionar também uma viagem especial e enriquecedora, eis a prova.


Comédia - 123 min - 2001

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3 comentários:

  1. A sessão vale mais a pena
    com Bonecas Russas na sequência.

    ***BOM***

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  2. Apesar de eu sempre ler bons comentários sobre esse filme, eu realmente não consigo ter vontade de vê-lo. Quem sabe mais pra frente...

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  3. Realmente a história nos proporciona este aprendizado sobre o que é se enriquecer culturalmente em um país estrangeiro, assim como aprender lições de vida. Excelente texto!

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