NOTA 8,0 Com humor negro e trama policial bem amarrada, os irmãos Coen colheram elogios e tornaram-se uma grife |
Os cultuados irmãos Joel e
Ethan Coen estão acostumados a realizarem produções elogiadas e premiadas no
mundo todo, mesmo trabalhando com temas de certa forma difíceis e muitas vezes
com poucos recursos financeiros. Com muita criatividade, eles causaram frisson
na temporada de premiações de 1996 com Fargo – Uma Comédia de Erros, uma
obra que mistura violência e humor negro em doses certas sem precisar recorrer
a efeitos especiais ou tecnologia de ponta, servindo como modelo exemplar para
as chamadas produções independentes, aquelas feitas por pequenas empresas que
não disputam espaço com os grandes estúdios de cinema, salvo algumas exceções
como neste caso. A produção fez muito sucesso no mundo todo e até hoje sua
projeção é bastante grande, até porque os Coen jamais saíram de moda, ainda
mais nos últimos anos quando viraram figuras carimbadas nas festas do Oscar.
Aliás, o longa surpreendeu conquistando sete indicações ao prêmio da Academia
de Cinema, um feito que certamente colaborou para a sua polpuda arrecadação nas
bilheterias mundiais, nada mais nada menos que quatro vezes mais que seu
orçamento. O roteiro, de autoria dos próprios cineastas, inicialmente aponta
para uma trama bem simples, mas o desenrolar dos fatos tratam de enriquecer a
narrativa com vário tropeços até deixar o protagonista em maus lençóis. Logo de
cara um aviso: a obra é inspirada em acontecimentos verídicos ocorridos no
Estado de Minnesota nos EUA em 1987 e, em respeito a memória dos falecidos na
ocasião, os fatos não foram alterados. Na realidade, essa é uma estratégia
usada para causar impacto, pois a história é ficcional do início ao fim. O
grande foco do roteiro, muito premiado, diga-se de passagem, é mostrar o quanto
as pessoas são gananciosas e ensandecidas a ponto de colocar vidas em risco
para conseguir dinheiro fácil. Apesar de esse recado servir em qualquer parte
do mundo e para todas as classes sociais, aqui ele é usado como um cutucão à
sociedade americana que talvez não tenha percebido essa crítica implícita e
prestigiou em peso o longa sem fazer reclamações.
A trama nos apresenta ao vendedor
de carros Jerry Lundegaard (William H. Macy) que está passando por problemas
financeiros e só vê a solução para seu caso se recorrer ao sogro, Wade
Gustafson (Harve Presnell), porém, este homem não dá a menor bola para o genro.
Assim, o comerciante arma um plano para conseguir tirar dinheiro do parente que
jamais escolheu ter. A ideia é armar o sequestro da própria esposa, Jean
(Kristin Rudrüd), e para tanto ele contrata a dupla de “especialistas” Carl
Showalter (Steve Buscemi) e Gaear Grimsrud (Peter Stormare), acreditando que
tudo dará certo e ninguém sairá ferido. Todavia, o contratante não conhecia
estes homens e tampouco do que eles seriam capazes, assim literalmente ele
pagou para ver. Tudo acontece como previsto, exceto o fato de um policial ter
sido assassinado na estrada, além de outras seis vítimas serem contabilizadas durante
o desenrolar dos fatos. A chefe de polícia da região, Marge Gunderson (Frances
McDormand), está grávida e nunca teve um só caso de homicídio nas mãos, mas
mesmo assim passa a investigar o ocorrido. Enquanto isso, Gustafson se dispõe a
pagar o resgate, mas quer ele próprio se encontrar com os sequestradores, pois
está desconfiado da tal história. Assim, aos poucos, o plano perfeito de
Lundegaard desmorona e chegar a conclusão de que ele é o responsável pelo
sequestro e indiretamente do crime seguido de mortes será inevitável. Esta
produção é um híbrido de suspense policial com comédia de situações que conta
uma boa história alinhavando personagens bem construídos, diálogos
inteligentes, humor negro e pertinentes observações sobre a conduta dos
humanos, que as vezes podem ser perversos ou ambiciosos em um grau
inimaginável. A forma como os Coen inserem a comédia em seus trabalhos é
singular e não leva o público a gargalhadas rasgadas ou riso fácil. É preciso
prestar atenção no texto para poder achar graça em situações que beiram o
absurdo, mas, assim como os personagens, todas elas perfeitamente críveis.
Os irmãos Coen criaram juntos
uma trama bem interessante e que é considerada uma das mais criativas do final
do século 20. Sem precisar recorrer a efeitos especiais ou produções caras
para recriar determinada época, simplesmente eles investiram em um enredo contemporâneo
e atemporal que transformou este filme em um cult movie instantâneo e
considerado por muitos como um clássico moderno da sétima arte. Se na ocasião
do lançamento a produção podia ter dado um golpe de sorte ao cair no gosto popular
e da crítica, o tempo tratou de assinar o atestado de sucesso. Até hoje é
possível se divertir com o humor sarcástico da obra e apreciar a qualidade das
imagens que foram bem preservadas, fruto de um trabalho técnico bem realizado e
que consegue transportar o espectador para as planícies cobertas de neve que
servem de palco para esta história de um crime quase perfeito. Mesmo não
parecendo uma obra muito datada, por outro lado, hoje ela pode decepcionar
alguns espectadores que podem achar que o longa não é tudo aquilo que foi
propagado positivamente a seu respeito em todo o tempo que se passou. Tentar
pensar no cenário cinematográfico da metade dos anos 90 pode facilitar a
compreensão de tanta repercussão. Fargo – Uma Comédia de Erros também
é lembrado por uma das melhores interpretações femininas que o Oscar já
premiou. A atriz Frances McDormand viu sua carreira deslanchar desde que
colocou suas mãos na famigerada estatueta dourada. Sua policial correta e
esperta vai contra o clichê dos policiais de pequenas cidades que geralmente
são retratados como tipos folgados, atrapalhados ou corruptos. O fato de a
personagem estar grávida, sofrer com enjôos e ter uma fome descomunal e mesmo
assim mostrar serviço nas ruas e se apresentar suave na sua vida íntima são
outros fatores que contribuem para que ela se destaque em meio a tanta gente
sem noção nesta história. Não é a toa que a honra da última cena do filme ter
sido dada a ela em companhia do marido, Norm
(John Carroll Lynch), uma sequência aparentemente sem
importância, mas que definitivamente humaniza a policial corajosa que
acompanhamos durante toda a narrativa e deixa no ar um sentimento de otimismo
em relação à humanidade após um show de barbárie por causa de dinheiro. Fiquem
calmos, ainda há gente honesta no mundo.
Vencedor do Oscar de atriz (Frances McDormand) e roteiro original
Comédia - 98 min - 1995
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