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sexta-feira, 30 de março de 2018

A PAIXÃO DE CRISTO

NOTA 8,0

Apesar do roteiro frágil e
com muitas falhas, filme
prende a atenção com
cenas de dor e violência
Sexta-feira Santa é a data em que as emissoras de TV resgatam do fundo do baú títulos bíblicos que fazem muito sucesso entre os religiosos, mas que acabam também conquistando uma parcela de público extra graças ao empurrãozinho do feriado. Existem dezenas de filmes do tipo, mas um em especial chama a atenção por ser uma superprodução que levou milhões de espectadores do mundo todo aos cinemas no ano de 2004, mesmo parecendo que o tema já tivesse sido explorado além da conta. Pegando pesado na explicitação da violência de seres humanos contra outros semelhantes, mas que são vistos como diferentes e ameaças, A Paixão de Cristo foi lançado em torno de muitas polêmicas e marketing gratuito. Primeiro foi Mel Gibson que declarou que estava cansado de atuar em seus habituais filmes de ação e decidiu se dedicar naquele momento apenas a carreira de diretor, embora até então só tivesse feito dois trabalhos ocupando a função. Sua proposta de trabalho era um tanto extravagante e nenhum grande estúdio de Hollywood queria dar um tiro no escuro. Será que um épico violento a respeito de um tema religioso e totalmente legendado, já que todos os diálogos seriam em latim e aramaico, poderia faturar alto a ponto de cobrir seus custos? Ninguém quis investir e o próprio cineasta tirou dinheiro de seu bolso para bancar um projeto pessoal. Católico fervoroso, Gibson não quis repetir o que já existe na praça, por isso preferiu concentrar a narrativa no epílogo, quando Jesus Cristo é crucificado e executado. As últimas doze horas de vida deste homem que sacrificou-se em nome de suas idéias é revista nesta obra de forma dolorosa, sem poupar o protagonista, fazendo com que os espectadores vivam literalmente a sensação deste calvário. Por isso esta produção gerou muita expectativa e também opiniões contrastantes. Para alguns não passa de um filme feito para os adeptos do fetiche da violência extrema só que vendido em embalagem luxuosa. Para outros é um projeto sem sentido algum e seu sucesso se deve as polêmicas que suscitou. Até mesmo entre os mais religiosos não existe aprovação unânime. 
Um ser humano que se dispõe a colocar em risco a própria vida para proteger as minorias é um tema recorrente no cinema, inclusive também é o fio condutor de Coração Valente, filme que deu o Oscar de Melhor Diretor à Gibson. Essa temática é universal e não importa quantas vezes seja reciclada sempre haverá público em busca das mensagens edificantes que tais obras deixam. Baseando-se nos evangelhos de João, Lucas, Marcos e Mateus, a narrativa é um drama que no fundo é convencional, apesar do verniz de produção alternativa acentuado pelo dialeto escolhido que colabora para verossimilhança da história. Os diálogos se concentram na primeira hora de duração, pois esta é uma obra que se apega ao visual. Não é preciso explicar tudo para o público, deve haver abertura para as pessoas reconhecerem elementos contidos nas escrituras sagradas, porém, quem não conhece o básico do conto bíblico pode não se entregar totalmente ao filme que corre o risco de se tornar um programa entediante. Alguns detalhes mereciam mais atenção. Sabemos quem é Cristo (Jim Caviezel) e deduzimos quem seja a Virgem Maria (Monica Bellucci), mas o restante dos personagens acaba se perdendo em meio a centenas de figurantes. Para alguns a falta de explicações é um ponto positivo, mas na verdade a pouca identificação com a narrativa que o público sente pode funcionar negativamente. É certo que o messias de Nazaré é o centro das atenções, mas a ausência de outros focos bem trabalhados acaba colaborando para que o espectador apenas fique na expectativa de quando começará o espetáculo das chibatadas. Sim, infelizmente muita gente até hoje não enxerga esta produção como um relato o mais próximo possível da triste realidade que castigou um homem que lutava por seus ideais e minorias, mas tem a lembrança das cenas mais impactantes, quando o derramamento de sangue inocente faz sofrer o coração de muita gente e encher de satisfação o de outras tantas pessoas.
Acusado de professar o anti-semitismo, é certo que Gibson acaba induzindo a idéia de que Cristo perdeu a vida por culpa dos judeus, mas não fica claro o motivo de tanto ódio deste povo que acabou sendo retratado de forma pouco convincente. É evidente que por melhores que fossem as intenções do diretor, um filme não pode servir apenas para seu deleite, mas deve agradar a mais ampla faixa de público possível, assim optou-se por uma narrativa maniqueísta na qual apenas sobressai o sofrimento do protagonista. Quem eram as pessoas que o maltrataram, o porquê de tanta raiva, quem eram as pessoas que choraram com sua dor, enfim, A Paixão de Cristo na visão de Gibson não se presta a tais esclarecimentos e tampouco para dar uma aula minuciosa de religião ou história. Aqui o que vale é o espetáculo. É impossível se manter inerte diante de cenas em que até as vísceras são focalizadas enquanto algumas pessoas demonstram expressões de prazer em atos tão cruéis. Tudo bem, não precisaria escamotear os fatos, mas também tanto sangue e chibatadas não eram necessários. Tudo faz parte de uma técnica para manipular o público que desde a primeira cena tem a atenção capturada por uma atmosfera pouco glamorosa. Esqueça os requintados cenários e figurinos dos épicos do passado, embora regiões remotas da Itália tenham servido como locações. Aqui a aridez da paisagem e da cidade cenográfica é quase que perceptível e os tons pastéis alternados com escuros dão uma sensação incrivelmente realista. Enfim, visualmente e no viés adotado pelo texto, esta versão sobre o precoce fim do homem que veio ao mundo para salvar a humanidade atinge seus objetivos com perfeição. As lágrimas ou ao menos a sensação de coração comprimido surgem quase que simultaneamente ao início do filme, mas não chega a ser um trabalho excepcional. Com sempre dito neste blog, imagem não é tudo. Mesmo com o espantoso desempenho de Caviezel, a ausência de coadjuvantes interessantes e que tornem a história mais envolvente prejudica o andar da carruagem. Mesmo assim é uma opção bem mais empolgante que os manjados filmecos sobre apóstolos ou que refazem pela enésima vez a trajetória de Cristo de seu nascimento até a crucificação. As vezes é bom quebrar as tradições.
Drama - 127 min - 2004 
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