NOTA 8,5 Inspirado por folclórico personagem, romance usa a fantasia para exaltar o amor e o valor das mulheres e reúne dois grandes astros de gerações opostas |
Quando um rapaz é metido a
conquistador, é comum a brincadeira de rotulá-lo como um Don Juan, mas quem
teria sido esse homem? Na verdade ele é um personagem fictício cuja alcunha
virou sinônimo de libertinagem. Originado no folclore espanhol, ele tornou-se
uma figura do universo literário em meados do século 17 quando foi publicado o
romance “El Burlador de Sevilla”, obra atribuída ao dramaturgo Tirso de Molina.
O personagem essencialmente é um sedutor que se alimenta do prazer da glória
das conquistas. Quanto mais difícil o alvo, maior a satisfação. Geralmente
seduz mulheres compromissadas e em espaços públicos, as atraí para um lugar
privado e depois que consuma o ato sexual faz questão de divulgar o feito para
afrontar rivais e demarcar sua posição de superioridade. Desde que tal
arquétipo ganhou seu registro em um livro, ele também serviu como inspiração
para muitos outros folhetins, poemas, artes plásticas e peças teatrais que
ajudaram a perpetuar a imagem dos conquistadores latinos de sangue quente, ganhando
popularidade definitiva através da ópera “Don Giovanni”, de Mozart. O cinema
obviamente também não deixou de beber nessa fonte. Além de o mito ter sido
explorado nos anos 70 em uma clássica adaptação cinematográfica da opereta,
duas décadas mais tarde o sedutor foi inserido na cultura das novas gerações de
forma mais ousada. O romance Don Juan DeMarco não se limita a
contar a história de um ícone da sedução, mas sim como seu legado pode
influenciar visto que muitos estudiosos consideram tal conquistador a
personificação do desejo e da frustração em relação ao romantismo. A trama
começa com o psicólogo Jack Mickler (Marlon Brando) sendo chamado com urgência
para ajudar a polícia a impedir o suicídio de um rapaz que ameaça pular de uma
altura considerável. O médico pensa que este é apenas mais um caso corriqueiro
dos males causados pelos tempos modernos (se em meados dos anos 90 as coisas já estavam
difíceis, hoje em dia nem se fala), mas nem imagina que seu encontro com esse jovem
irá mudar radicalmente sua vida pessoal e também profissional. Trajando roupas
de época e uma máscara negra, ele é salvo e se apresenta como Don Juan DeMarco
(Johnny Depp), o mesmo nome do lendário espanhol que segundo a crença teria se
envolvido com cerce de 1.500 mulheres em apenas alguns anos de sua juventude.
Mickler convence o rapaz a lhe
contar quais eram os problemas que o levaram a tomar a drástica decisão de
acabar com a própria vida, mas acaba recebendo respostas díspares. Declarando ser
o maior amante do mundo, ele estava sentindo uma profunda tristeza por
justamente não ter conseguido conquistar o amor daquela que julgava ser a
mulher de sua vida. Apesar de ameaçar suicídio, por outro lado, afirma desejar
morrer pelas mãos do espadachim Don Francisco da Silva. Percebendo a confusão
mental, o psicólogo decide entrar no jogo do paciente e até aceita ser chamado
de Don Octávio Del Flores para conseguir interná-lo em uma clínica psiquiatra
disfarçadamente. Na verdade, fazem um pacto. Se após dez dias o médico se
convencer de que seu paciente é realmente o maior amante do mundo o rapaz
estaria liberado, caso contrário seria submetido ao tratamento clínico mais
adequado para distúrbios de personalidade. O parecer de Mickler em um primeiro
momento é de que o jovem sofre de uma leve insanidade mental, mas o convívio o
leva a ter dificuldades para distinguir o que é falso ou real nos relatos. Conforme
se envolve com o caso, o médico começa a sentir influências diretas que o fazem
repensar vários aspectos de sua vida e passa a questionar se o tal Don Juan
realmente seria um esquizofrênico ou alguém totalmente lúcido quanto aos
assuntos do coração. A mudança principal é que o contato entre eles acaba
fazendo o psicólogo a reaprender a amar sua esposa Marilyn (Faye Dunaway) com
quem há anos vivia uma relação estável e de respeito, mas sem o fogo da paixão
de outrora. É interessante que o diretor e roteirista Jeremy Leven insere ao
longo da narrativa flashbacks épicos que explicariam a origem do mito
romântico. Don Juan nasceu em um pequeno povoado no México e, predestinado ao
amor, seduziu sua tutora e partiu em seguida para uma viagem. Durante o
trajeto, afirma que foi sequestrado por um bando de piratas, comprado como
escravo e até trancafiado no palácio de um sultão, este último percalço que não
foi de todo ruim já que no lugar havia milhares de mulheres para serem
seduzidas. Chama atenção a passagem em que ele diz que um dos maridos traídos
se enfureceu e para se vingar passou a espalhar o boato que vivia um romance às
escondidas com a mãe do conqusitador há anos. Para defender a honra, seu pai
intimou o rival para um duelo, mas acabou falecendo. Pela vergonha de provocar
uma tragédia à sua família, Juan resolveu passar a usar uma máscara e jamais
tirá-la na frente de outra pessoa. Isso seria outro delírio ou apenas uma
fantasia para o paciente se esquivar de alguma culpa ou trauma?
Na época do lançamento gerou
bastante expectativa o encontro entre o galã Depp e o veterano Brando, um duelo
entre uma jovem promessa de beleza e talento (que felizmente se concretizou) e
um legítimo Don Juan e grande ator dos anos áureos de Hollywood, ainda que
surgisse em cena neste caso acima do peso e envelhecido, porém, em um dos raros
momentos em que parecia estar se divertindo trabalhando. Foi o próprio
intérprete do protagonista quem deu a ideia de uma lenda do cinema fazer o
papel do psicólogo. A amizade entre Brando e Francis Ford Coppola, um dos
produtores da fita, facilitou as coisas visto que o eterno “poderoso chefão” já
estava em vias de se aposentar, diminuindo consideravelmente seu ritmo de
trabalho. Obviamente o seu retorno às telas em uma aguardada produção colaborou
para uma publicidade extra, se bem que nem havia essa necessidade. Só o fato de
resgatar a memória de um personagem que se tornou ícone universal do romantismo
já acarretava a propaganda necessária. Leven queria fazer um filme focado na
alma das mulheres e dedicado também a elas, mas com uma pitada de sensualidade
sem apelações baratas. O conquistador não é um promíscuo no caso, apenas um
jovem que desde muito cedo se sentiu atraído pela beleza feminina e procurou
amá-las com todas as suas forças para tentar lhes despertar amor próprio e
autoestima, assim afrontando seus cônjuges que praticamente as domesticavam
para lhes servirem. E porque um jovem em pleno século 20 teria tanto fascínio
por uma época e um personagem tão distantes da realidade? É aí que está a graça
de tudo. Ao mesmo tempo em que sabemos que os relatos não passam de delírios,
torcemos para que pelo menos alguma coisa seja verdadeira e de fato existe: o
amor é um sentimento que se renova, mas é preciso cuidar dele constantemente
para não deixá-lo morrer. Don Juan DeMarco é uma produção que
atravessa os anos em boa forma e seu texto continua totalmente apreciável. Esta
é a chance de ver Depp em um de seus primeiros filmes relevantes e de cara
limpa, ou quase isso já que dispensa a maquiagem pesada para adotar a máscara
para esconder parcialmente seu rosto. Também podemos matar as saudades ou até
mesmo conhecer um pouco do trabalho do saudoso Brando, mas é uma pena que a
talentosa Dunaway seja pouco lembrada por sua atuação neste caso. Talvez o
papel fosse pequeno demais para seu talento, mas ela enche a tela com sua
beleza e é um grande prazer revê-la visto que também se tornou uma figura rara
nos cinemas. Assim como Ghost- Do Outro
Lado da Vida tornou-se clássico instantâneo e para os mais emotivos uma
opção sempre bem-vinda, este filme também é lembrado pela canção-tema que
marcou época. Na voz de Bryan Adams, “Have You Ever Really Loved a Woman”
tornou-se automaticamente um hit, foi indicada ao Oscar e até hoje é tocada nas
sessões nostálgicas das rádios populares.
Romance - 97 min - 1995
Eu acho interessante essa temática, mas essa versão eu não assisti ainda.
ResponderExcluirJohnny Depp é um ótimo ator. Mas senti mais vontade de assistir o filme pela presença de Marlon Brando. Eu nunca vi filmes com ele.
Bjs ;)
A música tema de Bryan Adams é maravilhosa. O filme também.
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