NOTA 3,0 Repetindo erros e clichês comuns ao gênero, suspense desperdiça boa premissa com cenas mal desenvovidas |
Uma família com um membro problemático se muda para um
casarão afastado e não demora muito para que passe a ser atormentada por
barulhos e acontecimentos estranhos até descobrir que forças do mal agem
naquele local. Em números, quantos filmes com enredo similar você já assistiu?
E quantos deles você achou ruim ou no máximo regular? Pois é, se fizéssemos as
contas certamente a resposta para ambas as respostas seriam bem próximas.
Dificilmente produções do tipo alcançam sucesso hoje em dia, pois nada mais são
que cópias do que deu certo, mas principalmente do que deu errado em projetos
parecidos, assim faltando elementos surpresas ou ao menos críveis para
torná-las marcantes ou que deixem aquela vontade de rever de vez em quando só
para matar o tempo livre. E o que esperar de um produto com uma premissa tão
batida protagonizada por um ator que há anos vem construindo uma carreira aos
trancos e barrancos após um início extremamente promissor? Essa é a dúvida que
em primeiro lugar surge quando nos deparamos com Possuída, suspense com pitadas
de terror estrelado por Kevin Costner. Pelo título genérico você pode não dar
muito valor a esse filme, mas ele faz bem seu papel de entreter e amedrontar os
espectadores... E só! Não espere uma produção que te deixará boquiaberto ou que
revolucione o gênero, dessa forma dá para encarar sem grandes complicações este
produto que parece um enlatado da TV americana. Todavia, rotulá-lo desta
maneira é como taxá-lo de filme B. Na realidade é perceptível que houve cuidado
para realizar a produção, preocupação em criar um envolvente clima de suspense,
mas como é de praxe nesses casos o caldo entorna na reta final quando é preciso
amarrar as pontas soltas que foram desfiadas ao longo do desenrolar da trama. O
roteiro de John Travis nos apresenta à John James (Costner), um renomado
escritor recém-divorciado que após ser abandonado pela esposa decide dar novos
rumos a sua vida mudando para um antigo casarão afastado em Mercy, na Carolina
do Sul, na companhia de seus dois filhos, o pequeno Sam (Gattlin Griffith) e a
pré-adolescente Louisa (Ivana Barquero). O pai e o garoto parecem dispostos a
enfrentar os desafios da adaptação, mas a menina está vivendo a complicada fase
de transformações para a fase adulta e se rebela por não se conformar em ter
que viver longe da cidade grande e dos amigos. Ela passa a nutrir uma relação
de amor e ódio com o pai, mas sua pirraça não é nada diante do que está para
acontecer.
Sentindo-se estranha em sua nova casa e também na escola,
Louisa tem como único prazer passear pelo bosque que rodeia a mansão. Certo dia
ela encontra uma colina que aparentemente não tem nada demais, porém, alguma
coisa lhe chama a atenção, algo quase hipnótico. Logo, a família começa a
escutar sons estranhos durante a noite que parecem estar relacionados com um
antigo espaço funerário indígena localizado próximo da propriedade. Conforme o
tempo passa, a garota se sente cada vez mais atraída por esse misterioso lugar,
o que coincide com uma mudança brusca em seu comportamento, parecendo estar se
transformando em outra pessoa. O que pareceria rebeldia de adolescente ganha
proporções assustadoras e James então começa a investigar o estranho terreno, acaba
desenterrando uma história assombrosa que envolve a própria casa onde está
vivendo e que pode trazer novas consequências trágicas. O enredo é basicamente
o mesmo de tantos outros filmes de terror ou suspense em que a história se
concentra em locais isolados e envolve alguma residência com um passado
misterioso, não dispensando nem mesmo o clichê do menor de idade suscetível a
influências negativas. Apesar dos sustos serem mínimos, o filme tem uma
premissa intrigante, embora já utilizada em outros tantos trabalhos do tipo, e
não apela para cenas sanguinolentas ou rituais explícitos de possessão, apesar
da alusão do título, um golpe de marketing sem um pingo de criatividade. No
conjunto, este longa sofre do mesmo mal que centenas de sua linhagem. Os filmes
de suspense que envolvem rituais satânicos precisam mudar um pouco o
repertório. Por que cargas d’água alguém resolve se mudar com a família para
uma residência no meio do nada? Só pode ser para arranjar sarna para se coçar.
A partir desse ponto qualquer expectativa se esvai, mas só pra contrariar neste
caso não é que até mais da metade de projeção a trama prende a atenção? O
segredo pode estar no toque espanhol. Estreando na direção de longas-metragens,
o diretor Luís Berdejo, experiente como roteirista de fitas de tensão e horror
como o elogiado [REC], foge um pouco dos maniqueísmos hollywoodianos
preocupando-se em criar uma ambientação crível como, por exemplo, tomar o
cuidado de cercar o casarão de escuridão a noite e deixar os sons dos insetos
ou o silêncio absoluto fazerem com que o espectador roa as unhas e durante o
dia emoldurar a residência de luz solar ou ao menos um céu levemente nublado
enquanto os pássaros cantam. São pequenos detalhes que ajudam a trazer
veracidade a uma história que é contada também em um ritmo diferenciado, mais
cadenciado e focando as transformações de Louisa e a percepção das mesmas pelas
pessoas que convivem com ela. O comportamento suspeito da garota consegue
envolver o espectador numa crescente e nervosa expectativa, mas a partir do
momento que a tal colina misteriosa passa a ter mais destaque e ainda mais
quando tomamos conhecimento do tal cemitério indígena, a personagem e a própria
narrativa tornam-se enfadonhas, mas ainda assim segura a atenção para descobrir
até onde os eventos misteriosos levarão os protagonistas e as poucas pessoas
que os cercam.
Se o filme trabalhasse melhor algumas situações expostas,
explorasse mais afundo a ligação que teria a puberdade com o misticismo e,
principalmente, terminasse logo após a descoberta do grande segredo que cerca o
casarão, podendo deixar o fim em aberto para o espectador tirar suas próprias
conclusões, a obra poderia estar em um patamar de avaliação bem mais
confortável. Todavia, é bem possível que Berdejo tenha sido obrigado a se
curvar aos apelos dos produtores e ter criado a meia hora final as pressas, só
assim para explicar as baboseiras que vem a seguir. A abordagem mais dramática
e humana de um tema assustador que parecia ser a proposta inicial é trocada por
sustos fáceis e no clichê da explicação baseada em rituais primitivos. O final
não foge a regra do gênero e deve decepcionar muita gente, além de deixar uma
farpa para uma possível continuação, mas será que existe algum louco querendo
jogar dinheiro fora investindo em uma parte dois de algo tão tolo? Bem, há
louco para tudo, mas até agora felizmente não surgiram boatos de tal sandice se
concretizar. O que chama a atenção é o fato do longa ser protagonizado por
Costner, a grande promessa de Hollywood no início dos anos 90. O galã
envelheceu, ainda paga o preço por suas pretensões exageradas na frente e atrás
das câmeras e hoje é obrigado a aceitar convites de produções bem mais modestas
do que gostaria, mas talvez com melhores resultados do que os filmes
megalomaníacos que comandou e afundou no passado. Contudo, quem brilha por boa parte
da fita é a jovem Ivana Barquero, que já havia demonstrado talento em O
Labirinto do Fauno. Ela começa bem construindo uma personagem que não desperta
a simpatia do público, mas o problema é que os motivos que a levam a se
comportar mal não convencem e conforme a história avança o nível de sua
interpretação cai consideravelmente, talvez porque nem ela mesma sabia os rumos
que Louisa tomaria e tampouco qual seria o grande segredo da trama. Enfim, é
visível que Berdejo comandou Possuída com as melhores intenções, investindo
em um terror mais sonoro e sensorial, mas derrapou ao adotar o horror gráfico
para finalizar um filme que obviamente não tinha chances de ser extraordinário,
mas poderia ser um pouco mais que razoável. Mesmo merecendo uma avaliação de
regular para baixo, vale uma conferida para passar o tempo em uma noite chuvosa.
O clima da realidade pode ajudar a engolir tal gororoba.
Suspense - 108 min - 2009
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