Nota 8 Usando um sequestro como alegoria, obra aborda o amadurecimento frente as adversidades
Quem se basear pela arte publicitária, destacando um sinistro mascarado, e achar que O Telefone Preto trata-se de mais um filme adolescente de serial killer pode se surpreender positivamente. O vilão de fato é um assassino, mas o foco do longa não é mostrar como aniquila suas vítimas e sim como uma em específico luta por sua sobrevivência e acaba por amadurecer rápida e forçosamente. Trata-se de uma história muito mais centrada na construção do terror do que em sua realização de fato. Quem gostou de A Entidade já deve se entusiasmar com o filme que reúne novamente o diretor Scott Derrickson, o roteirista C. Robert Cargill e o ator Ethan Hawke, este que aqui rouba a cena, embora não seja de fato o protagonista. Baseado no conto homônimo de Joe Hill, o longa se mantém fiel aos escritos de cerca de vinte páginas e ainda se beneficia da criatividade de seus realizadores para expandir a ideia preenchendo o tempo com qualidade e um crescente clima de tensão. Aliás, o argumento lembra o chocante caso do palhaço maníaco John Wayne Gacy, assassino em série que durante a década de 1970 violentou e assassinou vários jovens em Chicago.
É justamente no ano de 1978 que a narrativa acontece. Em um bairro de subúrbio, longe dos cuidados das autoridades, jovens começam a desaparecer, um atrás do outro. Ninguém parece fazer nada a respeito, ainda que detetives circulem pela área fazendo perguntas e anotações, mas não se nota mobilização alguma da população para capturar o Sequestrador (Hawke), o apelidado dado ao misterioso homem que usa vestes estranhas e dirige um furgão negro. O garoto Finney (Mason Thames) é sua mais nova vítima, mas lidar com tal situação é apenas mais um dos desafios do jovem que já tem que enfrentar o bullying constante no colégio e ainda os abusos e castigos de seu pai autoritário (Jeremy Davies). O adolescente fica preso no porão de uma casa, local estrategicamente adaptado com isolamento acústico, onde só há um colchão, o vaso sanitário sujo e um telefone preto na parede, porém, desconectado. Mesmo assim, o aparelho vez ou outra toca inesperadamente. As ligações são feitas do além por outras vítimas do criminoso que não sobreviveram e querem impedir que Finney tenha o mesmo trágico destino.
Os primeiros minutos da trama oferecem ao espectador um ambiente de depressão e angústia, com um pai maltratando os filhos, educadores tolerantes ao bullying e crianças carentes de atenção, tudo para dar alguma base dramática a obra, mas em paralelo já vamos tendo noção de como o Sequestrador age. A partir do rapto de Finney o que se vê na tela é o desenrolar de um jogo de gato e rato no qual o mais fraco contará com apoio do sobrenatural para vencer. Os elementos fantásticos são usados apenas como acessórios a uma história muito mais assustadora por sua cruel realidade. Até as autoridades policiais estarão fazendo uso da mediunidade, optando por se guiar por sonhos e intuições ao invés de pistas e depoimentos concretos. Dessa forma, a ajuda de Gwen (Madeleine McGraw), irmã do adolescente, é de fundamental importância com seus sonhos que, além de lhe revelar um pouco do que aconteceu aos outros garotos desaparecidos, também lhe mostram os apuros vividos por Finney com quem tem uma cumplicidade que parece que ir além do plano físico. É aqui que o roteiro acerta onde muitos filmes de terror erram feio: criar empatia do público com os personagens para torcermos por eles.
É quase impossível não comparar o argumento ao de It - A Coisa, já que as duas histórias são a respeito de uma série de desaparecimentos de crianças em uma pequena cidade e o responsável pelos crimes é uma figura sinistra que atrai suas vítimas com golpes inocentes e coincidentemente fazem uso de balões para tanto. O Sequestrador não é um palhaço como o vilão do outro filme, é um suposto mágico que com suas vestes escuras, cartola e sempre com parte do rosto mascarado acaba dotado de um ar peculiar e marcante. As comparações são inevitáveis, também pudera, Hill é ninguém menos que filho de Stephen King, o autor do conto do citado filme. O talento para a escrita de horror e suspense está no sangue. Nas poucas mudanças que se fez na adaptação do conto, a principal delas é como a narrativa inicialmente é conduzida como um drama delicado e inesperado, o que de imediato captura a audiência. A caracterização do Sequestrador também foi modificada. Hill o descrevia originalmente como um palhaço gordo e certamente para se evitar comparações explícitas o diretor sabiamente lhe deu um corpo forte e adornado por uma gama de máscaras que são trocadas ao longo do filme refletindo a instabilidade emocional do criminoso.
Em momento algum ficamos sabendo mais que o necessário sobre o passado e as motivações do Sequestrador, incluindo seu nome verdadeiro, assim tudo se torna ainda mais tenso e imprevisível. Por vezes subestimado, apesar de suas dezenas de indicações a prêmios, incluindo como roteirista, ver Hawke se divertindo na performance de uma figura tão singular é o maior deleite da produção. Ainda que nunca assuma o protagonismo da narrativa e seu perfil perturbado não seja explorado ao máximo, o criminoso tem potencial para se tornar um ícone do cinema de horror. Curiosamente, todas as suas vítimas são do sexo masculino, o que poderia denotar algum problema com sua sexualidade, mas o roteiro em nenhum momento traz tal hipótese a tona, assim como também só deixa subentendido que ele não é um foragido e consegue se inserir na sociedade local como alguém comum com um emprego numa companhia circense e nem mesmo seu irmão Max (James Ransone) desconfia de seus crimes, ou melhor, deixa no ar que acreditava que ele havia recuperado seu caráter após eventos similares passados. Apesar de sua conclusão pouco verossímil, O Telefone Preto é acima da média e deixa uma reflexão a respeito do amadurecimento, seja pelas vilanias presentes no próprio cotidiano ou atingido graças ao enfrentamento de um vilão de carne e osso.
Suspense - 102 min - 2021
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Filme bom, e o final não deixa a desejar
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