Nota 9 Dentro de sua proposta, longa é diversão garantida oferecendo passatempo leve e nostálgico
Muito antes de Tom Cruise, o ator Brendan Fraser já havia enfrentado um monstro egípcio muito mais assustador (visualmente) e que proporcionou um delicioso filme de aventura. Lançado em 1999, A Múmia continua conquistando novos fãs oferecendo um entretenimento escapista que flerta com o terror, o suspense e o humor, praticamente um produto trash em embalagem de luxo. Partindo da ideia de refilmar o clássico homônimo datado de 1932, e estrelado pelo lendário Boris Karloff, o diretor Stephen Sommers acertou em cheio ao reinventar o projeto. Ao invés de simplesmente realizar um remake, que certamente colheria mais críticas negativas do que lucros, o cineasta aproveitou a mitologia em torno do personagem e o inseriu em um novo contexto. A introdução nos leva ao Egito antigo para descobrirmos o destino de Imhotep (Arnold Vosloo), o sumo sacerdote do faraó que é amaldiçoado ao ser flagrado o traindo com uma de suas concubinas, Anck-su-Namun (Patricia Velásquez). Os amantes assassinam o monarca, mas são surpreendidos pelos guardas reais e a jovem impulsivamente acaba se suicidando. O sacerdote escapa e promete ressuscitar a amada, porém, o ritual não é concluído com Imhotep sendo capturado e sucumbido a uma punição cruel e inédita até então: ser enterrado vivo para seu corpo ser devorado lentamente por escaravelhos. Uma maldição ainda é lançada para afastar qualquer um que por ventura tentasse abrir o sarcófago.
Três mil anos depois, em meados da década de 1920, o aventureiro Rick O'Connell (Fraser) é salvo da forca pela bibliotecária Evelyn Carnarvon (Rachel Weisz), uma apaixonada por histórias do Egito antigo, que se empolga ao saber que o rapaz descobriu a localização das ruínas de Hamunaptra, conhecida como a cidade dos mortos. Junto com Jonathan (John Hannah), o irmão trambiqueiro da moça, o trio parte para uma expedição rumo ao local que reza a lenda esconde um grande e valioso tesouro. O que até então eles não sabiam, assim como um grupo expedicionário rival norte-americano, é que também por lá fora guardado o sarcófago de Imhotep cuja segurança é feita por um grupo de guerreiros liderados por Ardeth Bay (Oded Fehr) que adverte os forasteiros sobre os perigos de se escavar na região. Ambiciosos, obviamente eles não vão embora e começam a explorar os subterrâneos das ruínas. Os americanos acabam encontrando uma caixa contendo o livro de Amon-Ra, cujos escritos seriam rituais de ressurreição, e juntamente descobrem alguns vasos que serviriam como urnas de vísceras, além de uma inscrição que os avisa sobre a tal maldição. O livro dos mortos era justamente o que Evelyn procurava, assim não perde a chance de surrupiá-lo e, incauta, acaba lendo alguns trechos que despertam Imhotep que volta à vida sedento por vingança. Além de matar para recompor seu corpo com partes das vítimas, a múmia persegue O'Connel e os demais sobreviventes para recuperar os tais vasos e o livro para finalmente ressuscitar Anck-su-Namun.
Com o Egito assolado pelas pragas bíblicas deflagradas com o cumprir da maldição, começa então uma corrida contra o tempo para encontrar uma maneira de destruir Imhotep que, teoricamente, já está morto. Para seu plano de permanecer em vida e reinar absoluto, a múmia contará com a ajuda de Beni Gabor (Kevin J. O'Connor), antigo parceiro de aventuras de O'Connel, que escapa da morte por de certa forma fazer um pacto com o diabo. Embora medroso, sua ambição o leva a fazer jogo duplo em diversos momentos para ajudar o sacerdote a conquistar o que deseja e em troca ter livre acesso ao tesouro. Esqueça a velha e moribunda imagem da múmia cheia de bandagens. Como um dos intuitos de reciclar a imagem do clássico monstro era tirar o máximo proveito dos efeitos especiais, Sommers capricha. O personagem-título surge a princípio com o corpo totalmente em decomposição, sofre ainda mais agressões com as saraivadas de tiros que recebe, mas nada que a tecnologia não dê jeito e pouco a pouco a criatura vai recuperando aos olhos do espectador seus órgãos e pele. Com as forças regeneradas, Imhotep consegue provocar tufões, se transformar em areia, trazer de volta à vida seus escravos e com simples golpes nocautear qualquer um, menos o herói que sofra o que sofrer não se dá por vencido. O'Connel tem o carisma e a astúcia de um Indiana Jones, e ainda é deliciosamente sarcástico, principalmente quando sacaneia Beni ou Jonathan, seus alvos fáceis.
Sommers conseguiu então adaptar um personagem ícone do terror a um universo fantasioso capaz de entreter a todas as idades. O roteiro, de sua própria autoria em parceria com Lloyd Fonvielle, Kevin Jarre e John L. Balderston, é bastante simples e cativante, concentrando suas forças num estranho triângulo amoroso (a mocinha é disputada pelo herói e pelo vilão que deseja que em seu corpo reencarne a alma de sua amada do passado) e dando relativo espaço para momentos de alívio cômico, mas o que chama a atenção mesmo são as cenas de ação que garantem o entretenimento mesclando tecnologia e trucagens artesanais que rendem à obra um delicioso apelo nostálgico. Para não dizer que a essência de horror do enredo fora descartada, aqui temos um punhado de personagens secundários que estão em cena apenas para morrer seguindo a linha de raciocínio dos assassinos mascarados do cinema. Identificando a banda podre, no caso os gananciosos, já sabemos quem vai empacotar, mas nada que diminua o prazer de acompanhar o filme, afinal estamos ligados pela aventura e não para ver um slasher movie. Vale destacar também o apuro técnico da obra. Da recriação de cenários repletos de detalhes, passando pela pesquisa de figurinos até a fotografia que investe em tons quentes, toda a parte visual se conecta perfeitamente e logo nos primeiros minutos consegue transportar o espectador para dentro da ação e assim percorrer junto com os personagens os túneis subterrâneos sob a quente areia do deserto.
Produzido pela Universal Pictures, estúdio grande responsável pela transformação de monstros lendários e do folclore internacional em figuras da cultura pop com suas clássicas obras de horror, A Múmia seria o pontapé para uma revitalização das criaturas dentro do cinema. Quase uma década antes os trabalhos haviam se iniciado, mas as propostas não agradavam. Até medalhões do gênero terror como Wes Craven, de A Hora do Pesadelo, e Clive Barker, de Hellraiser, esboçaram ideias, mas todas extrapolavam orçamentos e ficariam restritas a um público mais adulto. A mudança de foco proposta por Sommers foi benéfica ao projeto que rendeu uma rentável franquia e ainda uma subfranquia a partir de um personagem do segundo capítulo. Enfrentar com sua equipe contratempos como tempestades de areia, desidratação e a ameaça de cobras e outros animais peçonhentos enquanto filmavam boa parte da produção no deserto do Saara teve suas recompensas financeiras e em prestígio, tanto que o diretor foi incumbido da direção de Van Helsing - O Caçador de Monstros, longa que resgataria o projeto de revitalização das assombrações do estúdio, mas essa é uma outra (e fracassada) história.
Aventura - 127 min - 1999
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este espaço está aberto para você colocar suas críticas ao filme em questão do post. Por favor, escreva o que achou, conte detalhes, quero saber sua opinião. E não esqueça de colocar a sua avaliação do filme no final (Ruim, Regular, Bom ou Excelente).