O
diretor francês Luc Besson nunca teve uma carreira muito expressiva em termos
de repercussão mundial até o lançamento da ficção científica O Quinto
Elemento, produção elogiada e odiada nas mesma proporções. Dois anos
depois, ele deixou de lado as firulas futuristas de seu trabalho anterior e
mergulhou nas tradições épicas. Trazendo a sua assinatura no título, Joana
D'Arc de Luc Besson pode enganar os leigos passando a impressão
de ser uma obra de um renomado e premiadíssimo diretor, ainda mais por sua
origem francesa que agrega certa aura falsa de cult ou intelectualidade. Na
verdade, a titulagem nacional serve para evidenciar que o que veremos é a
versão particular de um cineasta para uma história já contada, reciclada e
reinventada diversas vezes. Se a sua intenção era tornar a trajetória da
personagem-título menos nebulosa, seu longa batizado nos EUA de "A
Mensageira" falhou. Retratando a vida de uma das mulheres mais importantes
da História mundial, Besson mescla a história que ele próprio criou do mito
colocando a fé e a loucura lado a lado, dificultando a diferenciação entre cada
um dos posicionamentos aos olhos do espectador.
A
trama, escrita em parceria com Andrew Berkin, começa ainda na infância da
heroína quando sua vida é ameaçada por um ataque do exército inglês que não só
destrói o seu vilarejo como também provoca a morte de toda a sua família, tendo
a garota presenciado o estupro e o assassinato da irmã. Nessa época ela já
começara a ter suas primeiras visões divinas e a cultivar o hábito de se
confessar compulsoriamente. O trauma que vivenciou fez com que ao longo dos
anos ela se apegasse ainda mais à fé, mas também sentimos que na adolescência
ela é motivada por sentimentos de vingança. Nessa fase, agora vivida por Milla
Jovovich, a Guerra dos Cem Anos estava no auge e os reis da França e da
Inglaterra, nações inimigas, fecharam um acordo no qual declaravam que após a
morte do então monarca francês seu país passaria imediatamente para o domínio
britânico. Todavia, coincidentemente os dois nobres falecem na mesma época e
Henrique VI é nomeado o novo rei dos dois países rivais, contudo, ainda é uma
criança e Carlos VII (John Malkovich), o herdeiro da França, não tinha a menor
pretensão de entregar de mãos beijadas o seu reino a alguém claramente sem
condições de governar.
Carlos então desejava ir para a cidade de Reims, onde por tradição os soberanos franceses eram coroados, porém, naquele momento o local estava ocupado e dominado por tropas inglesas, um grave problema a ser contornado. Eis que surge Joana com sua fé inabalável e transbordando coragem e determinação dizendo que estava numa missão divina para libertar a França da opressão dos inimigos. Desesperado por uma solução, o herdeiro do trono francês decide entregar a jovem de apenas 17 anos um exército com o qual ela consegue recuperar o poder da cidade que o interessava para finalmente ser coroado. Cessado os problemas do nobre, por outro lado para a moça este seria o início de seu fim. Assim que o monarca assume o poder, tanto o rei quanto os outros membros da corte perdem o interesse pela figura de Joana, pois ela insiste em continuar a cruzada a fim de conseguir a libertação absoluta de seu país, o que ameaça ainda mais a já instável economia local. A jovem então é destituída da liderança do exército e ainda acusada de praticar rituais de bruxaria. Surge então a grande sacada do roteiro: a consciência de Joana (personificada por Dustin Hoffman) questionando a validade de seus atos em nomes de Deus. Tais momentos são os únicos que tentam elucidar o que realmente motivava a moça e são inseridos em pontos chaves da trama, como nas campanhas lideradas pela heroína que claramente exercem uma incontrolável pressão sobre a psique e o emocional dela. Jovovich encarna a imagem da loucura da personagem com muita convicção, uma mulher explosiva, mas com seus momentos de calmaria, praticamente uma pessoa bipolar e com traços de esquizofrenia. Contudo, em alguns momentos de batalha ela parece perdida, sem saber que atitudes tomar, o que torna questionável a escolha da atriz, então esposa do diretor, ainda com pouca experiência para um papel tão complexo.
Cena após cena, tudo o que vemos parece uma grande colagem de todos os clichês já testados e aprovados em inúmeros filmes épicos. Temos o capitão que não gosta da heroína, mas que acaba simpatizando com sua causa; o grandalhão de bom coração; o soldado metido a engraçadinho; e mais todos os elementos característicos da época como calabouços escuros, catapultas, flechas em chamas e é claro que não faltam decapitações, a punição mais utilizada no período. Mesmo sem criar absolutamente nada, Besson caprichou na reconstituição do período para apresentar sua visão sobre a vida de uma mulher que ainda é cercada de mistérios. Talvez essa preocupação exagerada com o esclarecimento dos fatos tenha privado o público do que é mais característicos nas obras de Besson: o visual inovador e arrojado. Por outro lado, seu épico destaca o que suas produções tem de mais incômodo, como os diálogos mal escritos e atores desorientados, em especial Malkovich que carrega nas tintas e empresta uma personalidade excessivamente caricatural ao seu personagem. Também não há como não reprovar o desperdício do talento de Faye Dunaway como a ambígua Yolande D'Aragon, uma mulher da corte que parece ficar em cima do muro em relação à Carlos assumindo a posição de rei. A veterana então já se tornara figura bissexta no cinema e merecia um melhor aproveitamento.
De
qualquer forma, por mais que saibamos o destino da protagonista, queimada viva
e mais de meio século depois canonizada, Joana
D'Arc de Luc Besson tem como seu maior mérito nos deixar até os
minutos finais na dúvida se o diretor ousaria em mudar os rumos da História,
situação beneficiada pelo citado personagem de Hoffman que no último ato traz à
tona todo o questionamento das crenças da personagem, colocando em primeiro
plano o embate entre a fé e a loucura que a movem. Bruxa ou santa? Mensageira
divina ou uma louca vingativa? Não é esta enésima produção a contar a heroica e
ao mesmo tempo trágica história de Joana a nos desvendar sua real personalidade
ou identidade. Ficam as dúvidas em aberto para o espectador tirar suas próprias
conclusões, embora seja qual for a resposta impossível não sentir admiração
pelos atos de uma mulher que até o fim defendeu seus ideais e bravamente
encarou seu destino. Talvez ela já o conhecesse desde o início quando assumiu
uma guerra em prol de seu país, mas no fundo um conflito pessoal que precisava
resolver para sentir-se em paz.
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