Nota 7 Homenagem à estrela oferece um revival de memórias a partir de um recorte de sua vida
Já faz algum tempo que o cinema nacional tem voltado seus olhares para a realização de cinebiografias de personalidades que fazem parte da memória da cultura brasileira. Contudo, nem sempre as bilheterias e repercussão fazem jus ao sucesso dos homenageados. Hebe - A Estrela do Brasil é um claro exemplo desse descompasso. Alardeado meses antes pela mídia e com uma campanha maciça para seu lançamento, o longa infelizmente não teve o reconhecimento esperado, talvez até mesmo pela própria propaganda exagerada que já anunciava que em poucos meses o filme seria transformado em uma minissérie acrescida de muitas cenas inéditas narrando a vida da protagonista da juventude até seus últimos dias. Nesse ponto, a edição que o diretor Mauricio Farias preparou para as telonas mostra-se mais interessante e diferenciada por escolher apenas um recorte da vida da saudosa apresentadora, assim mantendo um ritmo cadencioso e com tempo para desenvolver as situações que permearam sua vida naquele período. Interpretada com desenvoltura e entusiasmo por Andréa Beltrão, Hebe já inicia o filme famosa e incomodando a concorrência e a censura com seu programa na TV Bandeirantes. Estamos na metade da década de 1980, época em que a televisão brasileira passava por grandes transformações, sobretudo quanto ao conteúdo, e a loira foi uma das mais destemidas porta-vozes do povo na luta pelo direito a informação livre e direitos humanos.
Hebe afirmava só saber fazer seu programa ao vivo, assim nos bastidores da atração a tensão era sempre presente, pois mesmo com um roteiro pré-definido era impossível prever o que a apresentadora poderia dizer ou fazer no palco. Walter Clark (Danilo Grangheia), diretor-geral da emissora, constantemente recebia telefonemas de pessoas ligadas ao governo fazendo críticas e até ameaças, mas as chantagens não eram nada perto do que a apresentadora fazia para sua atração ir ao ar como bem entendesse além de reclamar, e com razão, que sua equipe não era valorizada assim como seu próprio programa que garantia os picos de audiência do canal. Não à toa, assim que houve a queda da censura, fez questão de receber em seu sofá a desbocada humorista Dercy Gonçalves (Stella Miranda) e a modelo transsexual Roberta Close (Renata Bastos). Entre tantos programas polêmicos, mais por atritos com a produção do que por situações que o público pudesse reclamar ou se chocar, este em especial ganhou destaque por se tratar do último que comandou na Bandeirantes. Aos prantos, revoltada e magoada, Hebe encerrou seu programa afirmando estar cansada de ser tão censurada. Hebe então passou por um breve período sabático no qual o relacionamento com seu filho Marcello (Caio Horowicz) e o sobrinho Claudio (Danton Mello) tornaram-se prioridades em sua vida, além da convivência com Lélio Ravagnani (Marco Ricca), seu segundo marido, que alternava momentos amorosos com outros de ataque de fúria por conta de seu ciúmes doentio.
Para compensar suas mágoas, a loira se entregava à extravagâncias como compras exageradas de roupas e jóias, além de investir na bebida (um dos pontos que gerou controvérsias sendo o filme acusado de mostrar a apresentadora como alcoólatra). Um dos momentos que Hebe mostra-se mais animada que de costume, digamos assim, é em uma pequena sequência só para deixar registrado a grande amizade que mantinha com as atrizes Nair Bello (Cláudia Missura) e Lolita Rodrigues (Karine Teles). Também de forma rápida surge a figura de Silvio Santos (Daniel Boaventura) durante a negociação para a contratação da estrela. O salário inicialmente era menor do que ela recebia antes, mas pesou muito em sua decisão a carta branca para fazer seu novo programa com total liberdade. As cenas em que Hebe acerta os detalhes do cenário geram interesse já que o palco praticamente foi o mesmo até o fim de sua carreira no SBT, tendo sofrido pequenas alterações ao longo dos anos. A estreia no canal também se destaca por recriar com esmero a aura daquele primeiro programa, com direito ao figurino legítimo usado na data e a participação especial do cantor Roberto Carlos (Felipe Rocha). Só para mostrar que os grandes nomes da cultura brasileira passaram pelo sofá mais famoso do país, Chacrinha (Otávio Augusto) surge em um rápido lance. Mesmo sem a censura, Hebe ainda sentia pressões como fica claro no episódio mostrado em que um padre se recusou ao vivo a orar a pedido da apresentadora que comandava uma pauta a respeito do homossexualismo e a epidemia de AIDS, assunto deflagrado pela morte de Carluxo (Ivo Müller), seu cabeleireiro e maquiador por mais de uma década. É triste observar que mesmo após tantos anos as questões envolvendo a censura, revolta contra políticos corruptos e o preconceito ainda estão enraizadas em nossa sociedade e infelizmente com pessoas dispostas a mantê-las vivas e nos assombrando.
Hebe nunca trabalhou e pelo que é mostrado nunca desejou trabalhar na Globo por medo de ter seu estilo lapidado ao gosto da emissora, mesmo assim o filme realizado pelo braço cinematográfico do canal não escamoteou sua passagem pelas emissoras concorrentes. Bandeirantes e SBT são citadas várias vezes e seus logotipos estampam as canoplas dos microfones usados pela loira, provando que mesmo nunca fazendo parte do casting global a empresa da família Marinho reconhece o talento e a importância da apresentadora. O filme só faltou ser mais ousado quanto a alguns aspectos questionáveis da vida da homenageada. Como assumida formadora de opinião, além das conversas sobre comportamentos e transformações da sociedade brasileira, sem dúvidas seus discursos calorosos a respeito de política ajudaram a ditar os rumos do país. Todavia, sua controversa participação em campanhas a favor de Paulo Maluf, responsável por seu desprestígio com certa parcela de telespectadores, é praticamente ignorada, resumindo-se a um jantar descontraído com o político e uma conversa dela com o filho sobre sua predileção por tal candidato. Dos males o menor. O fato é que o roteiro de Carolina Kotscho ressalta a personalidade esfuziante, a vaidade, o feminismo e o inegável carisma da homenageada junto a seu público e também longe das câmeras. No entanto, não oculta sua fragilidade na esfera familiar, o que nos faz questionar como uma mulher tão imponente e dona de si no palco aceitou viver com um homem tão temperamental e por vezes agressivo até o fim da vida dele. Por outro lado, provavelmente para evitar polêmicas, evitou-se aprofundar a personalidade de seu filho, isolado e homossexual, e sua relação com o ex-marido Decio Capuano (Gabriel Braga Nunes).
Equilibrando-se entre a vida pessoal e profissional da homenageada, Beltrão rouba a cena com seu talento camaleônico e sem a preocupação de fazer uma cópia fiel da persona que vestia roupas extravagantes, mas em seu corpo tornavam-se elegantes. Sem a voz e aspecto físico parecidos com Hebe, a atriz espertamente optou pela inspiração, assim investiu nos trejeitos, postura ereta e expressões características desta mulher oferecendo ao público uma personagem longe da caricatura e capaz de se tornar crível ao despertar a memória afetiva. Percebe-se uma cuidadosa evocação da saudosa artista enquanto figura popular, alguém capaz de dialogar com diferentes classes sociais mesmo ostentando um visual repleto de brilho e glamour. Hebe - A Estrela do Brasil não é perfeito, tem lá seus problemas de ritmo, condensa muitas situações em pouco tempo, apresenta superficialmente diversos personagens e até pode ser acusado de dramatizar demais a vida de uma pessoa que evoca a alegre lembrança de purpurinas e paetês. Contudo, tem como seu grande mérito levar o espectador a uma viagem no tempo com excelente reconstituição de época e memórias. Ao final da vontade que o filme fosse uma compilação de recriações de momentos icônicos de seus programas, incluindo as gafes que eram muitas e tiradas de letra pela loira, mas infelizmente excluídas do roteiro. No geral, é uma bela homenagem a alguém que por tantos anos levou diversão a milhares de brasileiros aos quais também servia como porta-voz fazendo suas denúncias e reivindicações, assim é inevitável pensar na falta que Hebe faz como ferramenta para transformações políticas e sociais.
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