Nota 7,0 Destacando a relação dos personagens-título, longa traz importante mensagem ambiental
Em pleno século 21 ainda são, ou talvez mais necessárias do que nunca, medidas de incentivo à proteção da natureza e alertas dos efeitos negativos das ações humanas quanto a devastação de ecossistemas e extermínio de animais. A Menina e o Leão pode ter toda a pinta de sessão da tarde das antigas, mas está completamente em conexão com a atualidade e, infelizmente, sua mensagem pode no futuro não ser apenas um registro histórico, mas ainda servir para levantar bandeiras quanto a preservação da natureza. Em tom fabular é contada a história de Mia Owen (Daniah De Villiers), uma garota ligeiramente invocada e aborrecida que se muda com a família para uma savana no interior da África do Sul. Ela se ressente pela falta de seus amigos e de sua vida agitada na Inglaterra, assim tudo é motivo para reclamar do novo endereço. As altas temperaturas, a paisagem natural no lugar do excesso de construções de concreto e a fauna local fazendo as vezes de seus vizinhos, tudo a irrita, o que se torna pretexto para constantes conflitos com seus pais, John (Langley Kirkwood) e Alice (Mélanie Laurent), que se mudaram para lá justamente para gerenciarem uma fazenda de animais com foco na criação controlada de leões para revenda a circos e zoológicos. As coisas mudam quando ela ganha de presente Charlie, um filhote de leão branco, uma espécie raríssima que segundo uma lenda local é um animal que traz harmonia ao mundo quando aparece e deve ser entregue a uma santuário a fim de cumprir a profecia, um ritual simbólico para reforçar a crença de tempos melhores.
Os pais permitem que Mia junto com o irmão mais novo Mick (Ryan Mac Lennan) tomem conta do animal temporariamente como forma de compensar os transtornos que a brusca mudança de país lhes trouxe. Inicialmente arredia à ideia, com o passar do tempo a garota acaba criando um vínculo especial com o leão tornando-se praticamente inseparáveis, mas quando ele se torna adulto chega o momento da ruptura. Charlie tinha passe livre por todos os cômodos da casa como um animal doméstico qualquer, mas quando cresce começa a causar transtornos não conseguindo controlar seu natural instinto selvagem. Ele não ataca os Owen fisicamente, apenas começa a destruir coisas materiais, mas mostra-se arredio com pessoas estranhas. O primeiro ato promete um filme leve calcado em momentos de emoção que surgem da amizade de uma jovem e um animal selvagem como tantos similares, porém, a obra ganha contornos mais polêmicos quando a decisão de não ficar mais com o leão em casa deixa de ser apenas uma questão de comodismo e torna-se um problema ambiental, econômico e, principalmente, de caráter humano. Enquanto Alice desde o início mostra-se uma defensora dos bichos, ainda que de uma forma um tanto passiva e mais preocupada em abrandar conflitos em família, por sua vez John revela-se um homem ambíguo e de moral duvidosa levantando uma importante discussão quando decide vender o leão para salvar sua propriedade que não gera mais lucros.
O roteiro não se esquiva de abordar a hipocrisia inerente a rotina dos cuidadores de animais cujo trabalho na maioria das vezes não é voltado à preservação de espécies e sim aos fins lucrativos. Além dos destinatários legais nem sempre cuidarem com carinho dos bichos, como é sabido de muitos casos de maus tratos em circos, na África também é muito comum a criação de bichos selvagens para a caça turística, um divertimento questionável que atrai ricaços e injeta milhões na economia local, embora não haja repasse desses lucros para a população, mas essa já é uma discussão muito complexa para um filme-família com foco nas lições de moral. Justamente por ser um produto censura livre, a trama é bastante mastigada e investe no entrosamento carismático entre os personagens do título, ainda que o início seja apressado para logo chegar a fase do conflito principal, assim temos pouco tempo para aproveitar a fofura do leão quando filhote e isso atrapalha bastante na empatia com sua versão adulta. Qualquer história sobre a relação de amor e confiança entre um humano e um animal precisa soar genuína e o diretor Gilles de Maistre quis retratar esse tipo de amizade da maneira mais natural e verossímil possível, assim é de se espantar a dispensa dos efeitos digitais e a escolha corajosa de usar leões de verdade nas filmagens que se estenderam por três anos, tempo suficiente para criar um elo entre elenco e produção com Charlie da sua fase filhote até jovem adulto.
O ponto mais bonito do roteiro de William Davies é que por mais que ame e queira permanecer ao lado do leão, Mia tem o objetivo de um dia devolvê-lo para a natureza e a liberdade, ideia que vai na contramão dos planos de seu pai. A certa altura ela até leva o bicho para longe da fazenda a fim de protegê-lo e reforçar o senso de gravidade da situação, mas nada que faça os espectadores duvidarem de que o final feliz está garantido. A trama admite que domesticar animais selvagens implica em altíssimos riscos de acidentes graves, não deixa de mostrar um ou outro ataque leve como forma de alerta, no entanto, o forte vínculo emocional criado entre Mia e Charlie, embora fictício, é apresentado como algo concretizável. Por mais selvagens que sejam, os leões demonstram ser tão inteligentes quanto os cachorros e também reagem ao afeto, mas obviamente cabe aos pais explicar às crianças que o filme é uma ficção, o envolvimento estabelecido é algo raro e somente possível porque o animal foi criado com carinho pela família desde pequeno. Por outro lado, a afeição entre os personagens e o leão fica comprometida por conta da edição acelerada que condensa etapas como, por exemplo, a rejeição inicial de Mia ao filhote suprimida a cinco minutos para em seguida ela já estar dormindo em sua companhia.
Por mais que existam problemas estruturais, o filme ganha relevância ao seguir por um caminho de denúncia e crítica quanto ao sacrifício gratuito de animais. A caça esportiva é uma grande fonte de renda para a África do Sul e em determinado momento um personagem até alega que é uma atividade instituída e impossível de ser alterada ou eliminada, mas o roteiro dá seu jeito de se opor a ideia. Com um visual agradável destacando os tons dourados da savana africana e com muitas tomadas aéreas para mostrar a beleza e vastidão do país, um retrato contrastante à tristeza e miséria predominante, A Menina e o Leão oferece uma produção estilo Disney, um filme terno, emocionante e edificante, mas que não vai fundo no conflito que aborda. Com soluções fáceis, Maistre dedica-se superficialmente ao tema principal e faz questão de demonstrar que apoia-se na carismática e inusitada proximidade entre os personagens-título para prender a atenção. As crianças certamente se encantam. Já os adultos podem não se envolver tanto, mas espera-se que compreendam a mensagem de que os laços afetivos estão acima do dinheiro.
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