Nota 10,0 Meryl Streep rouba a cena como mulher que tenta superar a culpa de dolorosa decisão
Não seria exagero dizer que A Escolha de Sofia é um filme que nasceu e mantém sua aura de clássico absoluto. É um belo drama situado nos tempos do nazismo, porém, a narrativa não se concentra apenas nos fatos históricos e preocupa-se em focar suas atenções nos dramas de seus personagens, principalmente da protagonista que, durante a Segunda Guerra, precisou tomar uma dolorosa decisão que mudaria para sempre sua vida. Segredos, culpas, tristezas e mágoas se misturam nesta apoteótica obra do cineasta Alan J. Pakula. Não à toa o filme participou de diversos festivais e Meryl Streep foi eleita a melhor atriz em praticamente todas as premiações daquela temporada. Na pele da sofrida protagonista, sua interpretação chegou a ser considerada por uma cultuada revista americana a terceira melhor atuação feminina do século 20. A trama se passa em 1947 quando Stingo (Peter MacNicol), um jovem aspirante a escritor, vai morar no Brooklyn em uma pensão onde conhece a bela Sofia, sua vizinha de quarto, uma polonesa que foi prisioneira em um campo de concentração. O rapaz também faz amizade com o namorado dela, Nathan (Kevin Kline), um biólogo às voltas com pesquisas e que pretende mudar o mundo, porém, dono de um instável temperamento.
Stingo no início não tem a menor ideia dos segredos que Sofia esconde e nem mesmo do grau de insanidade de seu companheiro. O casal frequentemente tem sérias brigas e Nathan geralmente vai embora de casa tempestuosamente, mas acaba voltando no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. O novo vizinho então acaba se envolvendo nas situações problemáticas do casal por causa dos constantes delírios do amigo que chega a suspeitar que a companheira e o escritor estão vivendo um romance, paranoia alimentada pela própria Sofia que procura o rapaz de forma assídua a fim de desabafar sobre sua triste sina do presente e também a respeito de seu passado doloroso. Durante boa parte do filme parece que a escolha mencionada no título se refere a decisão que a misteriosa polonesa precisa tomar entre os dois homens com quem se relaciona. Bem, em partes o roteiro trata desse dúvida sim, mas o mote principal vai muito além do campo do amor carnal. Pouco a pouco, Stingo vai conhecendo mais profundamente as razões de Sofia suportar tantos sofrimentos e humilhações do namorado, além das verdades sobre seu passado que começam a vir à tona através das reminiscências das memórias da jovem a respeito do período da guerra.
Sofia foi enviada para um campo de concentração em Auschwitz, na Polônia, junto com seus dois filhos pequenos e forçada a escolher apenas um deles para ter sua vida poupada. Perante uma decisão que nenhuma mãe gostaria sequer imaginar, ela se desespera e não dá resposta alguma e acaba tendo as crianças forçosamente arrancadas de seus braços. Eis que no impulso ela faz sua escolha e é nesta trágica situação que está a resposta para todos os segredos do casal. Dessa forma, o filme acaba tratando de um assunto delicado mostrando, através de mais um peculiar ponto de vista, os desastrosos resultados que os traumas vivenciados na época da Segunda Guerra deixaram para seus sobreviventes direta ou indiretamente. Este complexo enredo é desenvolvido em aproximadamente duas horas e meia, mas somos totalmente envolvidos pela narrativa, emocionante e intrigante, que ainda ganha o apoio da trilha sonora para conduzir nossas emoções e não permitindo a atenção se dissipar. Os personagens são totalmente verossímeis e repletos de sentimentos adversos que aos poucos vão sendo revelados. Nathan, por exemplo, é um catalisador de emoções com todas suas intensas nuances de temperamento, ao passo que Sofia revela-se uma mulher fria e submissa. Eles parecem estar juntos por puro comodismo, como se um fosse o porto seguro do outro apesar das diferenças de comportamento. Já Stingo aparentemente é mais equilibrado e por isso mesmo dedica maior atenção para tentar compreender as personalidades e sentimentos do casal, por isso mesmo assumindo o papel de confidente e servindo como narrador da trama.
Kline e MacNicol conseguem compor personagens fortes e profundos, mas não páreos o bastante para sobressair ao talento avassalador de Streep que hipnotiza com uma interpretação carregada de sentimentos e verdades, assim tomando todas as atenções para si. Não por acaso hoje a obra é lembrada mais pela força de sua atuação que qualquer outro elemento técnico ou artístico. Demarcando seu estilo perfeccionista, a atriz dedicou-se a aprender a falar polonês e alemão, emagreceu bastante e até chegou a raspar os cabelos, atingindo assim uma composição de perfil inesquecível e das mais tocantes de todos os tempos. Até quando não fala absolutamente nada, apenas com gestos e olhares seu corpo se comunica magnificamente transmitindo toda a carga de emoção que a personagem exige. Sofia, apesar de na primeira parte apresentar-se sensual, inocente e até engraçada, nunca deixa de demonstrar que carrega um enorme peso em suas costas, algo que a perturba incessantemente. Vale lembrar que Pakula evitou direcionar as ações do elenco, abrindo espaço para que os atores sentissem de fato a intensidade dos perfis que estavam defendendo e assim os desenvolvessem da maneira mais natural possível. Bons tempos em que a arte no cinema não se resumia somente a plasticidade, mas também plenamente no campo emocional.
Baseado no livro homônimo de William Styron, A Escolha de Sofia foi adaptado pelo próprio Pakula com foco nos personagens e não tentando ser uma obra didática sobre o Holocausto. Temos a visão da época ao mesmo tempo em que nos envolvemos com o desenvolvimento do trio central em um período posterior, o que potencializa o efeito impactante do texto original que, ao que tudo indica, não sofreu grandes modificações para sua adaptação cinematográfica. A parte técnica também é impecável, destacando-se a fotografia que acentua as cores mais claras e coloridas nos dois primeiros atos e que na reta final prioriza os tons acinzentados e de sépia quando entramos no trecho mais dramático. Obviamente, a produção envelheceu esteticamente, mas nada que diminua seu valor. Sua mensagem está viva e é um registro importantíssimo para a História mundial visto que praticamente não há mais sobreviventes do Holocausto para contar suas lembranças do triste período. É o cinema como ferramenta fundamental para preservar estas memórias.
Vencedor do Oscar de atriz (Meryl Streep)
Drama - 150 min - 1982
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