Nota 6,5 Irmãos Farrelly apostam no humor mais acessível, mas sem excluir a bizarrice totalmente
Quem conhece a filmografia dos irmãos Bobby e Peter Farrelly sabe muito bem qual o estilo deles. Comédias anárquicas, politicamente incorretas, repletas de piadas de duplo sentido e sempre com algum elemento bizarro. Essas são as principais características dos trabalhos da dupla e que fazem o espectador transitar entre as gargalhadas e o constrangimento. Quando lançaram a comédia romântica O Amor é Cego parecia que os diretores estavam tentando se reinventar e a partir de então seguiriam um caminho mais convencional. Com o projeto seguinte, Ligado em Você, trataram de dar continuidade a um cinema menos apelativo e mais acessível, e talvez por isso mesmo o filme menos engraçado da dupla até então. A escatologia passa longe assim como as piadas preconceituosas, mas da bizarrice ainda os cineastas não abririam mão totalmente. Bob (Matt Damon) e Walt Tenor (Greg Kinnear) são irmãos siameses na casa dos seus trinta e poucos anos e tem seus corpos ligados pela região da cintura por conta de dividirem o mesmo fígado, motivo que nunca os animou a recorrer a uma cirurgia pelo alto risco de um deles não sobreviver. Todavia, esse detalhe anatômico nunca os limitou verdadeiramente e souberam se adaptar as mais diversas situações a fim de levarem uma vida o mais independente possível, mas sempre respeitando os limites e vontades um do outro.
Proprietários de uma popular lanchonete, conhecida pela rapidez no atendimento feito a quatro mãos, eles vivem em perfeita sintonia inclusive nas atividades paralelas. Bob consegue praticar esportes mesmo levando o irmão a tiracolo literalmente e faz o sacrifício de subir em um palco enquanto Walt pode atuar naturalmente mesmo com uma sombra o acompanhando. Os problemas entre os irmãos começam quando o aspirante a ator resolve seguir para Hollywood e construir uma carreira enquanto o pacato esportista se contentaria a passar o resto da vida fritando hambúrgueres. Contudo, Bob concorda em acompanhá-lo nessa empreitada na qual sabe que assumirá um papel de figuração. No condomínio onde vão morar os rapazes conhecem April (Eva Mendes), outra aspirante a atriz, que apresenta o decadente agente Morty O´Reilly (Seymour Cassel) que se incube da tarefa de conseguir algum trabalho artístico para Walt, este que não resiste aos encantos da sensual vizinha. Bob, por sua vez, também arranja uma paquera, May (Wen Yann Shih), assim eles protagonizam divertidas situações tentando namorar e ao mesmo tempo preservar suas intimidades.
Depois de alguns contratempos, num golpe de sorte, os Tenor conhecem ninguém menos que a diva Cher, a própria representando a si mesma e se autoparodiando. A estrela da música e figura bissexta nos cinemas após brilhar nos anos 1980, chegando a conquistar um Oscar como atriz, surge como uma versão cômica e cruel de si própria, uma artista que mesmo com todo seu prestígio acabou relegada a uma série de TV de quinta categoria. Apostando na rejeição do público, ela desejava usar a inusitada escolha de Walt para ser seu companheiro de cena como forma de pôr um fim ao programa que tanto detestava fazer. No entanto, o tiro saiu pela culatra e o ator debutante acabou fazendo muito sucesso, mas a fama passa a atrapalhar a convivência dos rapazes com Bob se sentindo um peso na vida do irmão, afinal tem ataques de pânico toda vez que o acompanha em cena.
É a partir deste momento, também levando em consideração suas relações amorosas, que os Tenor começam a pensar com mais seriedade que chegou a hora de se separarem definitivamente e enfrentarem os riscos. Como de costume, os Farrelly, que também assinam o roteiro em parceria com Charles B. Wesslere Bennett Yellin, levam os espectadores a criarem empatia imediata pelos protagonistas e há todo um cuidado para não transformá-los em motivos de risos por conta da anomalia. A diversão fica por conta das situações que precisam enfrentar, como o fato da primeira oportunidade de Walt na carreira artística seja atuar em um filme pornô. Por mais absurda que a situação possa parecer, a química entre Damon e Kinnear nos faz esquecer rapidamente o detalhe físico que os une, parecendo muito mais amigos dependentes um do outro pelas afinidades e sentimentos. Detalhe, mesmo com seus corpos conectados, cada um dos irmãos consegue usar uma roupa diferente, o que confere um ar ainda mais nonsense ao longa.
Mesmo com alguns momentos inspirados, Ligado em Você fica um pouco aquém em termos de humor e acaba parecendo uma obra menor no currículo dos Farrelly que, para manter a tradição, não deixam de dar uma ponta a um deficiente, no caso um amigo pessoal, Ray Valliere como Rocket, que apesar das limitações ganha um personagem que não debocha de sua condição, mas sim levanta a bandeira de que todos devem ser tratados com respeito e merecem a oportunidade de mostrar seus potenciais. Infelizmente, o público não levou a sério (sem ironias) a proposta e o filme passou em brancas nuvens mesmo sendo uma comédia que levanta questionamentos sobre diversidade e aceitação. O seria justamente esse o problema do longa. Em tempo: Meryl Streep também participa como ela mesma, mostrando extremo espírito esportivo, e até a brasileira Fernanda Lima surge rapidamente numa ponta, mas piscou perdeu.
Comédia - 119 min - 2003
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