Nota 5,0 Compositor é coadjuvante de sua própria história com introdução de papel feminino fictício
Engana-se quem pensa que Ludwig van Beethoven tornou-se um mito apenas após sua morte. Ainda em vida o compositor já tinha sua fama, não só pela surdez ou por ser conhecido pelo comportamento ríspido, mas principalmente por sua coragem em se livrar de qualquer favoritismo oriundo da nobreza ou classe clerical, assumindo a música como carreira no então embrionário mercado europeu entre os séculos 18 e 19. Foi também o primeiro a compor sem se preocupar com o sucesso e resposta imediata do público, assim experimentando os limites de sua arte até as últimas consequências. Com uma história de vida bastante rica, naturalmente sua trajetória seria alvo de interesse do cinema que já o evocou diversas vezes, mas nunca de maneira a oferecer um registro fiel e que faça jus ao seu legado, um gênio incompreendido e que inspirou e ainda inspira muitos compositores. O Segredo de Beethoven é mais uma tentativa falha de homenageá-lo. O roteiro escrito por Stephen J. Rivele e Christopher Wilkinson remonta de forma ficcional os últimos anos de vida do maestro interpretado por Ed Harris. Às vésperas do lançamento em Viena de sua famosa Nona Sinfonia, ele precisa de alguém para fazer a cópia de suas partituras, o que justifica o título original "Copiando Beethoven".
A jovem e dedicada Anna Holtz (Diane Kruger), que aspira também viver da música, é enviada para tal função pelo editor musical Wenzel Schlemmer (Ralph Riach) mesmo sabendo que isso não agradaria nada ao genioso compositor, contudo, ele era um homem imprevisível. Com o choque de personalidades, o conflito entre os dois é inevitável. A partir desse ponto a trama se desenvolve dentro dos padrões estabelecidos para a linha de filmes que abordam as conturbadas relações entre mestres e pupilos. A inexperiente garota sabe que há um preço alto a pagar caso deseje continuar desfrutando da experiência do músico ao mesmo tempo em que ele também pode aprender muito com a dedicação da aluna. De copista a auxiliar, Anna rapidamente torna-se conselheira e confidente, ainda mais considerando o estado de solidão de Beethoven agravado pelo apego homoerótico frustrado ao seu sobrinho Karl (Joe Anderson), ainda que tal gancho acrescente pouco à obra por ser explorado superficialmente assim como outras tramas paralelas que ficam perdidas pelo caminho.
Igualmente importante e consagrado, o que Mozart tem a mais que Beethoven? Provavelmente um belo filme para chamar de seu. Ele é a figura central do premiado Amadeus que, embora também calcado em situações fictícias em cima de sua vida e obra, oferece um registro digno da genialidade do compositor, uma cinebiografia definitiva. Já Beethoven teve a oportunidade de ser homenageado, por exemplo, em Minha Amada Imortal que padece de um roteiro mais consistente e direção sensível, mesmos problemas apresentados pelo filme em questão dirigido pela polonesa Agnieszka Holland, do cult Europa, Europa. Sem apresentar novidades ou algo de fato interessante sobre uma das figuras mais famosas da música clássica, o longa força um relacionamento intenso e sincero entre duas pessoas de personalidades completamente opostas, um sentimento que surge em questão de poucos dias de convivência. A maneira caricata e exagerada que Harris retrata o personagem-título só colabora para que toda essa intimidade relâmpago soe implausível. Curiosamente, o experiente ator não deu atenção a uma das principais característica de Beethoven. Sua surdez é praticamente ignorada e na maior parte do tempo ele parece ter apenas uma moderada dificuldade para compreender falas, mas por outro lado transparece ser perito em ler lábios. Dos males este é o menor.
O grande problema da produção é que o homenageado acaba ficando em segundo plano e quem se destaca é sua pupila que sequer existiu, foi uma criação dos roteiristas e que deveria ser apenas uma ponte para chegarmos à intimidade do músico. No entanto, a maior parte do filme enfoca os dilemas de Anna, aparentemente ignorando que para o espectador eles não soam lá muito interessantes frente as expectativas quanto as particularidades que se esperava sobre a vida íntima de Beethoven. Outro equívoco foi responsabilizar a moça pela modificação de uma nota na famosa Nona Sinfonia, uma licença poética que acaba sendo ofensiva à memória do músico. Ainda assim, o momento de execução da composição é o único de genuína emoção, mais pela beleza própria dos acordes e memória afetiva despertada do que pelas decisões narrativas, até mesmo porque o que deveria ser o clímax da fita acaba sendo apresentado antecipadamente e esvaziando o ato final. Visualmente, a produção enche os olhos com uma rigorosa reconstituição de época através de escolhas certeiras de figurinos, cenários e paisagens naturais, porém, derrapa em pequenas liberdades que os roteiristas tomam em vão a fim de aproximar o longa do mundo mais modernizado, mas são detalhes que em nada comprometem o conjunto. O que prejudica realmente O Segredo de Beethoven é que ele não tem particularidade alguma para se destacar em comparação a outras produções similares, como se Holland tivesse medo de errar ou ousar e optasse por apostar no já testado e aprovado.
Talvez o único lampejo de criatividade da cineasta tenha sido a ideia de criar vibrações para passar a sensação de que a câmera está prestes a cair durante passagens mais intensas da Nona Sinfonia, uma forma de mostrar a força musical da composição. Harris que deveria ser a alma da produção encarnando o personagem-título em seus derradeiros anos de vida, já bastante desgastado, idoso, sujo e rabugento, acaba entregando uma interpretação apenas correta, mas longe da inquietação e criatividade inerentes à personalidade do homenageado. O homem perturbado e intransigente rapidamente é domesticado por sua pupila que mostra-se uma figura muito mais interessante, principalmente pelo modo enérgico e franco que lida com ele. Até no momento da execução de sua mais famosa obra a jovem se sobressai. Com Beethoven praticamente sem ouvir os acordes dos músicos, Anna é quem assume as rédeas da apresentação, mais um ponto a decepcionar o espectador em relação a imagem que certamente criara sobre o compositor. E o tal segredo do título nacional? Foi uma escolha bastante equivocada, pois mistério algum é abordado. Ao que tudo indica, o grande amor da vida do músico é a única incógnita que levou consigo para o túmulo, mas este filme não chega a discutir tal tema.
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