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domingo, 17 de janeiro de 2021

O MUNDO DOS PEQUENINOS


Nota 9 Baseado em clássico conto, longa emociona com trama madura sobre amizade e superação


Não seria exagero dizer que Hayao Miyazaki é o Walt Disney do cinema japonês. As produções que levam seu nome ou o de seu estúdio, o Ghibli, costumam arrecadar fortunas em seu país de origem, porém, mesmo atuando desde a década de 1970, suas produções parecem ter dificuldades para adentrar em outros territórios. A Viagem de Chihiro, por exemplo, provavelmente só chegou aos cinemas de vários países graças ao Oscar na categoria de Melhor Filme de Animação. Com idade avançada, Miyazaki já não produz como antes, mas não deixa de participar de alguma forma dos lançamentos de alguns de seus pupilos, como no caso de O Mundo dos Pequeninos no qual ocupou-se do roteiro, em parceria com Keiko Niwa, e assinando como produtor executivo, mas a direção geral é do então estreante Hiromasa Yonebayashi. Adaptação do romance “Os Pequeninos Borrowers”, da inglesa Mary Norton que já inspirara outras versões cinematográficas, a narrativa acerta ao condensar as temáticas características do estúdio em uma singela obra que nos faz refletir sobre o amadurecimento e a solidariedade. Arrietty é uma minúscula adolescente que vive anonimamente com seus pais Pod e Homily dentro do assoalho de uma aconchegante residência. Embora dotados de semelhanças físicas com os humanos, sua espécie sempre viveu em redutos para não chamar a atenção de curiosos quanto sua pequenez e para não se tornarem presas de animais, mas mesmo assim parecem estar em extinção. 

Apesar de todos os conselhos, Arriety parece não enxergar como uma ameaça Shô, um garoto com saúde fragilizada que para ter mais qualidade de vida  vai passar uma temporada na casa da tia Sadako e acaba se afeiçoando a pequenina sem demonstrar estranheza alguma, afinal sua mãe já havia lhe contado histórias sobre os colhedores, assim são chamados estes pequenos seres que sobrevivem com o que pegam emprestado dos humanos, mas apenas coisas que não sentiriam falta. O primeiro encontro entre Shô e Arrietty acontece justamente quando a garota tem a permissão de fazer sua primeira coleta de insumos, mas acaba sendo surpreendida. Seu novo amigo, enternecido ao ver q a lenda é realidade, então decide proteger a ela e seus pais, inclusive cedendo a cozinha de uma casinha de bonecas que Sadako mantinha com todos os móveis e acessórios reais na esperança de um dia poder ver e viver em harmonia com as criaturinhas. Contudo, não dá tempo de o pequeno clã desfrutar de todas as mordomias, pois acabam sendo descobertos por Haru, uma inconveniente empregada que está obcecada pela ideia de capturá-los e exterminá-los. 


Apesar de todo o aspecto lúdico que pontua a produção, o roteiro não se furta de mostrar o sofrimento do menino às voltas com problemas cardíacos, mas que agora entende que precisa juntar forças para lutar e sobreviver tal qual Arrietty e sua família fazem. É no relacionamento sincero e de mútua cooperação, marcado por descobertas e amadurecimentos entre os dois adolescentes, que reside os maiores valores da obra. Eles são diferentes fisicamente, mas equivalentes entre si, embora o garoto seja tímido e retraído enquanto a pequenina bastante extrovertida e simpática. Contudo, emocionalmente vivem situações parecidas, sempre em estado de alerta, além é claro de ambos se sentirem solitários mesmo convivendo com seus familiares. Vale ressaltar que apesar de ser uma animação, os personagens não são infantilizados, retratando as criaturinhas como seres bastante animados, sensatos e cooperativos em contraponto a melancolia predominante ao universo dos humanos que parecem desaprendidos a viver em sociedade. No entanto, sejam eles pequenos ou grandes, todos os personagens são bastante sensíveis, erram e acertam, tem seus momentos felizes e tristes, tudo honrando a tradição do estúdio em aliar excelentes tramas com técnicas artísticas quase artesanais, com o mínimo de intervenção digital. 

Poucas animações conseguem os efeitos do estúdio que se preocupa em não deixar suas obras com aspecto chapado, assim é quase possível sentir o pisar em um gramado, o frescor de uma brisa, o toque na água ou a sensação de calor transmitida por um lampião. A direção de arte é primorosa e riquíssima em detalhes. Impossível não sentir vontade de conhecer de perto cada cantinho da casa de bonecas projetada especialmente para os pequeninos. A própria casinha deles dentro do assoalho é dos cenários mais interessantes, repletos de informações visuais e curiosidade. Relógios de pulso, fitas colantes e alfinetes, por exemplo, todos ganham novas funções com os colhedores que mostram-se criativos ao reaproveitar o que é lixo para os grandões. Vale ressaltar a ótima ideia de Yonebayashi em registrar boa parte das ações sob a perspectiva das criaturinhas, o que amplia o conflito e a sensação de angústia dos mesmos diante de enormes figuras humanas, animais ou objetos, e isso também se estende aos efeitos sonoros que amplia ruídos. Um simples ranger de porta ou assoalho para quem tem cerca de dez centímetros de altura e vive às escondidas pode soar como um amedrontador sinal. 


A produção acerta em cheio ao dedicar longas cenas e explorar nos diálogos as atividades cotidianas dos personagens. A simples preparação de um chá ganha função na trama aproximando o espectador àquele universo e proporcionando certa sensação de aconchego e conforto. E é justamente isso que quem se propõe a acompanhar O Mundo dos Pequeninos necessita. Simplesmente relaxar e se permitir adentrar em um mundo mágico, mas ao mesmo tempo com elementos que nos fazem manter os pés no chão. Mesmo com a ameaça que se torna Haru, a trama não tem propriamente um vilão ou este poderia ser a própria vida que se encarrega de colocar obstáculos em nossos caminhos, mas os mesmos não podem ser encarados como adversários indestrutíveis e sim como provas que nos são dadas para trazer dinamismo ao cotidiano e demonstrarmos nossa força e vontade de viver. O longa é mais uma amostra da competência do estúdio Ghibli para contar encantadoras histórias para crianças, mas sem subestimar suas inteligências e muito menos a dos adultos que se mostram sensíveis aos conteúdos e ao poder que esteticamente suas obras tem de nos transportar de volta a infância. 

Animação - 94 min - 2010

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