O diretor Brad Anderson
aparentemente tem uma obsessão por hospitais. Ou seria repulsa? Basicamente
todos os seus filmes tem como cenário uma unidade de saúde, local onde
teoricamente vamos buscar soluções para problemas, mas também palco de muito
mais histórias tristes, angustiantes e chocantes. Foi assim em sua estreia
com Sessão 9, sobre um hospital psiquiátrico abandonado e
possivelmente assombrado, e em instalações semelhantes, mas de época, que
dirigiu o subestimado Refúgio do Medo, onde a loucura
literalmente dava as cartas. O cineasta voltou ao ambiente hospitalar em Fratura, mas desta vez o local não
tem sinais de assombrações, no entanto, existe algo de muito errado por lá
denunciado pelo comportamento estranho de médicos, funcionários e pacientes.
Ray Monroe (Sam Worthington) é um pai de família que viajava de carro junto da
esposa Joanne (Lily Rabe) e de Peri (Lucy Capri), sua filha pequena. Alcoólatra
em recuperação e em constante conflito consigo mesmo, logo na primeira cena o
vemos acelerando na estrada e discutindo com a mulher após um desastroso
feriado com os pais dela e fica evidente que o relacionamento está por um fio. Quando
decide fazer uma parada em um posto de gasolina, Peri se desequilibra e cai no
buraco de uma construção.
De imediato os pais levam a
menina para o hospital mais próximo, mas desde que coloca os pés lá dentro
Monroe percebe que há algo de errado. Os funcionários não parecem dispostos a
prestar socorros, salvo o Dr. Berthram (Stephen Tobolowsky) que recomenda a
realização de um exame de imagem para o qual a paciente segue na companhia da
mãe. As horas passam e o pai começa a se desesperar e, para sua surpresa,
quando vai pedir informações descobre que não há registros de sua filha por
consulta alguma. Pior ainda, ninguém confirma sequer terem visto ela ou mãe.
Seria tudo um delírio da cabeça perturbada deste homem ou de fato ele deu
entrada com a família na instituição que agora está omitindo a presença para
esconder algum erro médico ou conspiração? Anderson brinca com a natureza
misteriosa e confusa da situação e consegue colocar o espectador dentro da
cabeça do protagonista, assim é possível sentir seu pânico crescente e confusão
de pensamentos. É interessante o desenvolvimento da narrativa focando a atenção
primeiramente em um incidente particular na vida do rapaz e depois partindo
para a trilha de tensão na busca incessante de provas de que tudo que ele diz é
verdade e não delírio.
Apesar da premissa, o longa não é daqueles intricados onde um final surpresa pega todos de calças curtas e deixa muitos sem entender a reviravolta. O roteiro de Alan B. McElroy, que adaptou para as telonas a HQ Spawn – O Soldado do Inferno, poderia ser considerado um primo pobre de Ilha do Medo, de Martin Scorsese, e de tantas outras produções com temática semelhantes. Aliás, lembra bastante outra obra do próprio Anderson, O Operário, provavelmente o título mais relevante de sua filmografia e muito lembrado pelo trabalho do ator Christian Bale que agarrou a oportunidade com unhas e dentes e surpreendeu com uma espantosa magreza. Não convém fazer revelações, mas fica o aviso de que seu personagem vive um conflito bastante semelhante ao de Monroe, assim não seria exagero dizer que Worthington segue o mesmo caminho, oferecendo uma dedicada e febril performance. Se já começa o filme mostrando um pouco do comportamento esquentadinho de seu personagem, à medida que a trama vai ficando mais intricada seus ânimos ficam ainda mais à flor da pele até culminar em seus atos insanos no clímax. O astro australiano também mostra notável sutileza ao traduzir as duas questões que definem o perfil de Monroe: o trauma e o alcoolismo, este último o principal causador de seu sofrimento e angústias e agente fundamental para a crise de seu casamento, algo denunciado na introdução com seu discurso que apela para o egoísmo e a mentira durante a briga com a esposa.
O filme prende atenção do início ao fim com diversas reviravoltas, ainda que não fuja da obviedade. Todavia, um roteiro bem orquestrado e uma direção competente direcionada quase totalmente ao protagonista fisgam o espectador que, mesmo quando tudo parece muito definido, é surpreendido por algo que pode colocar em xeque suas certezas. O diretor aposta em truques, pistas falsas e clima beirando o claustrofóbico para manter um ritmo frenético e envolver e desviar o foco de que a resposta para o enigma é óbvia e simples. Durante todo o filme são dadas indicações sobre o que está havendo naquela clínica, até uma personagem, a Dra. Isaacs (Adjoa Andoh), especializada em colaborar com a polícia em casos envolvendo problemas psicológicos e psiquiátricos, é acionada já denunciando os rumos da trama. Há duas linhas que Anderson resolveu desenvolver, uma real e outra feita para ludibriar. Ambas se embolam no ato final que entrega uma conclusão de forte impacto e que deixa o futuro de Monroe em aberto.
Mais uma produção menor feita para rechear o catálogo de streaming da Netflix, Fratura tinha potencial para ganhar uma chance nas salas de cinemas, é bem acima da média. Dizem que para um filme existir o mínimo necessário é uma história boa para se contar, algo capaz de seduzir o espectador. Com esta certeza, Anderson conduz sua produção brincando de iludir quando na verdade entrega todas as fichas ainda no primeiro ato. Ação é personagem e personagem é ação. Por isso o filme é todo de Worthington, o que pode incomodar alguns mais críticos. De fato, por vezes soa estranha a participação dos demais personagens. Embora não seja uma obra de cunho assombroso, as pessoas que cercam o protagonista entram e saem de cena como fantasmas, sem perfis aprofundados e sempre para reforçar a instabilidade mental e emocional do rapaz. Todavia, a cena final deve deixar um gostinho de quero mais, embora não deva faltar quem vá falar cobras e lagartos por não entregar um final fechado. Tire suas próprias conclusões.
Suspense - 100 min - 2019
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