O que dizer a respeito de um filme no
qual diversos personagens travam muitos diálogos esmiuçando detalhes sobre suas
vidas particulares e quando não estão fazendo isso dedicam seu tempo a
cantarolar para uma plateia de beberrões em um bar? A premissa de Duets - Vem Cantar Comigo não é lá muito animadora, mas até que a
produção no conjunto é simpática e bem intencionada, apesar de um tanto
irregular. A trama é no estilo mosaico, com diversos personagens e histórias
que são desenvolvidas paralelamente envolvendo encontros inesperados entre
pessoas de universos completamente diferentes que resolvem dar um tempo em suas
metódicas e problemáticas rotinas e aceitam o desafio de cantarem em um
concurso de karaokê no qual irão disputar um prêmio milionário. Entre os vários
personagens alguns merecem destaque. Todd Woods (Paul Giamatti) é um simples
vendedor que oferece a seus clientes a utopia do sonho americano. Por
vários anos se dedicou a ofertar terrenos, casas de luxo e agora é o
encarregado de vender quotas em um parque aquático predatório da natureza, mas
por conta de uma experiência traumática agora passa a vociferar contra seu
trabalho e inesperadamente encontra no ato de cantar a melhor forma para se
desestressar. Depois de uma noitada daquelas, ele pega seu carro e segue sem
rumo pelas estradas onde acaba dando carona para Reggie Kane (Andre Braugher),
um ex-presidiário que não tem a mínima vontade de obedecer regras para voltar a
ser aceito na sociedade, mas que tem uma voz angelical.
Já Billy (Scott Speedman) é um jovem
motorista de táxi muito puro e altruísta que certa noite, após reencontrar uma
pessoa do seu passado, volta para casa muito entristecido, mas iria se
decepcionar ainda mais. Ele flagra a esposa com o amigo com quem dividia seu
veículo e decepcionado vai encher a cara em um bar onde conhece Suzi Loomis
(Maria Bello), uma garçonete desesperada para ir à Califórnia e tentar se
tornar uma cantora profissional, mesmo que para tanto precise fazer uso de seu
corpo e sensualidade. Por fim, Liv (Gwyneth Paltrow) é uma inocente dançarina
das noites de Las Vegas que sonha em se casar e formar uma família e que vem a
conhecer o próprio pai, o golpista inveterado Ricky Dean (Huey Lewis),
tardiamente durante o funeral da mãe. Apesar do distanciamento de tantos anos,
a moça mostra-se disposta a firmar laços, mas encontra resistência por parte do
trapaceiro acostumado a levar uma vida desregrada e sem compromissos afetivos.
Em comum, todos esses personagens tem potencial vocal e vão se encontrar no tal
concurso, mas aos poucos vão perceber que mais importante que o dinheiro que
está em jogo o que motiva a todos eles é o enriquecimento pessoal e emocional
que o desafio passa a lhes oferecer.
O roteiro de John Byrum faz uma
inteligente metáfora. O amplo universo competitivo que domina as sociedades
modernas aqui é retratado com proporções bem menores, porém, tão acirrado
quanto, na ambientação dos concursos de karaokê. O conceito do projeto surgiu
quando o roteirista estava em um bar de hotel e observou admirado a alegria e a
seriedade que envolvia os participantes de um concurso de calouros. Eles não
estavam disputando algum prêmio ou se apresentando para executivos de alguma
gravadora. Simplesmente queriam se divertir soltando a voz, afinados ou não. O
texto foi finalizado no final da década de 1980, época em que os karaokês
começavam a se tornar uma febre mundial, mas muitos anos se passaram até que a
brincadeira musical virasse temática para um filme real. Quem assumiu a missão
foi o diretor Bruce Paltrow que não desperdiçou a chance de trabalhar com sua
filha pela primeira e única vez naquele que seria seu derradeiro filme. Quando
o elenco começou a ser escalado, Gwyneth namorava Brad Pitt e um dos papeis
principais havia sido reservado a ele, entretanto, a paixão entre os loirinhos
acabou e a produção esfriou. Até a retomada do projeto, já no novo
milênio, é óbvio que muita coisa dos planos originais foi alterada, mas a atriz
então consagrada com o Oscar por Shakespeare Apaixonado assegurou
sua vaga.
Um dos principais motivos para o adiamento foi a necessidade de encontrar atores que de fato soubessem cantar e também domar o ego, afinal o longa tem uma super população de personagens em cena, mas todos tem seu momento de brilhar. Felizmente conseguiram fechar um grupo coeso para o elenco e sem espaço para estrelismos. Basicamente temos três tramas paralelas que se fundem em um ambiente no qual o clima de alegria suplanta, mesmo que por pouco tempo, as tristezas e amarguras de seus participantes que ao subirem no palco e segurarem o microfone sentem-se fortes, confiantes e capazes de tudo. O interesse maior na brincadeira é atingir a satisfação pessoal de conseguir superar o desafio que é subir em um palco, encarar a plateia e cantar sem errar a letra ou fugir do tom. Se superaram a vergonha de se exporem em público, com certeza seriam capazes de darem a volta por cima e enfrentarem seus problemas. É justamente esta postura vencedora que eles buscam no concurso para terem a coragem de assumir o mesmo estilo em suas vidas.
Com uma mistura irregular entre
o drama, a comédia e o cinema musical, Duets - Vem Cantar Comigo não é memorável, mas é uma obra
agradável e cujo ponto alto é sua trilha sonora com excelentes canções que
criam raízes na memória do espectador, curiosamente muito mais que o filme em
si. O maior problema são as interpretações pouco inspiradas, não por falta de
talento ou dedicação dos atores, mas pelo fato dos conflitos dos personagens em
sua maioria serem explorados de forma superficial pelo roteiro. Tal situação
acaba reduzindo consideravelmente o brilho que o filme poderia alcançar. De
qualquer forma, é um bom entretenimento que também pode ser visto como uma
simplória lição de moral, embora a competitividade e seus limites propostos
pela sinopse sejam tratados de forma muito suave. As realidades do mercado de
trabalho, das relações humanas e do próprio envolvimento de cada um com seu eu
interior apresentam-se bem mais complexas e acirradas que um concurso musical.
Drama - 112 min - 2000
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