Nota 7 Longa resgata fórmula de contos clássicos, mas se atrapalha com o excesso de temas
Ratinhos fofinhos e cativantes não são novidades nos filmes infantis. Ratatouille, por exemplo, catapultou os bichanos ao patamar máximo, oferecendo além de uma animação de primeira também uma história que une com perfeição criatividade, diversão e emoção. Depois dessa aclamada produção Disney/Pixar ficou difícil para algum roedor alcançar o mesmo nível de repercussão. O Corajoso Ratinho Despereaux bem que tentou caprichando no visual, mas falhou no roteiro que não flui com naturalidade abordando vários assuntos. Temos em cena um herói inesperado, uma princesa incompreendida, um alguém precisando de redenção, uma jovem sonhadora, um rei amargurado e uma tragédia que mudará a trajetória de todo um reino. Ufa! Muitos temas para uma animação que a primeira vista visa crianças pequenas tendo como principal mensagem não subestimar pelas aparências. O ratinho que dá título ao longa nasceu dotado de extrema coragem, mas na Terra dos Camundongos isso não é encarado como uma virtude. Por lá impera a filosofia de que somente temendo os humanos, os gatos e alimentando o medo pelo desconhecido é que os roedores garantem suas sobrevivências. Detalhe, ratazanas não fazem parte do grupo, são automaticamente banidas para o subterrâneo. Amante da literatura, principalmente de aventuras épicas nas quais se imagina no papel de herói, Despereaux é motivo de preocupação para seus pais pelo simples motivo de ser diferente dos demais de sua espécie que literalmente devoram livros com seus grandes dentes.
Antes do nascimento do camundongo de orelhas desproporcionais ao seu franzino corpo, ficamos conhecendo a história de Roscuro, uma ratazana que ao cair acidentalmente dentro do prato de sopa que seria servido à rainha não só provoca a morte súbita da majestade pelo susto como também leva o rei a mergulhar em uma profunda depressão e a tomar duas medidas drásticas que mudariam a rotina de todo o Reino de Dor, sugestivo nome para a crise que a região se encontrará. A partir deste fatídico episódio, qualquer tipo de festa no reino seria proibida e todos os ratos deveriam ser banidos. Como consequências, diretas ou não, os habitantes passam a conviver com um profundo desânimo e suas terras são castigadas pela falta de chuvas. Os caminhos de Despereaux e Roscuro se cruzam quando o protagonista desafia as convenções e tem contato com os humanos. Ele conhece a princesa Pea, que estava enclausurada em seu quarto no castelo desde a morte de sua mãe, e lhe faz a promessa que lutará para trazer vida de volta ao finado reino. Ao conquistar a confiança da jovem, a própria família do ratinho se rebela e o denuncia as autoridades roedoras. Como condenação, ele é banido e jogado nos túneis de esgotos, a moradia das temidas ratazanas, onde vem a fazer amizade com Roscuro que já cumpria pena por todo o mal que causara ao reino. Juntos eles firmam um pacto para provar ao rei que suas atitudes radicais não aplacariam sua tristeza, pelo contrário, somente a aumentariam.
Ao mesmo tempo, a dupla ajudaria Mig, uma jovem ajudante do palácio que sonha em ser princesa, apesar de pobre e desengonçada, mas no fundo tudo o que ela mais precisa é reencontrar sua família. Baseado no livro "A História de Despereaux", de Kate DiCamillo, o roteiro de Gary Ross traz diversas modificações em relação a trama original, o que pode explicar o ritmo irregular e as várias reviravoltas desnecessárias que por vezes desviam a atenção do espectador. O próprio protagonista demora a ser apresentado, mas a introdução não instiga a curiosidade em conhecê-lo. Os primeiros minutos exaltam um suposto apreço de Roscuro por sopas bem como toda a população do Reino de Dor famoso por anualmente reservar uma data festiva em que o cozinheiro real apresenta uma nova receita da iguaria. Quando Despereaux finalmente entra em cena fica difícil focar atenção em seus conflitos. É como se uma outra história começasse a ser contada, ainda mais com tantas tramas paralelas, embora o ratinho, Roscuro e a sonhadora Mig tenham em comum o fato de terem dificuldades para lidarem com suas próprias identidades.
Apesar das adaptações para a versão cinematográfica, os diretores Sam Fell, que já havia trabalhado com roedores no desenho Por Água Abaixo, e o estreante Robert Stevenhagen procuraram manter a aura de contos de fadas da obra literária. Menos preocupado com piadas inteligentes e sarcásticas mirando o público adulto como a maioria das animações contemporâneas, o roteiro investe mais em reforçar valores como heroísmo, lealdade e esperança. Despereaux e seus amigos, digamos tortos, lutam para vencer barreiras e assim conseguir mostrar ao mundo que é errado se julgar pelas aparências e que todos possuem qualidades a serem reveladas, basta haver oportunidades para tanto. A trama, embora não seja complexa, ganha a agradável colaboração de uma narradora em terceira pessoa que ajuda a contextualizar as ações dos personagens, sejam eles roedores ou humanos, e que parece interagir com o público ao passar a impressão de que estivesse lendo as páginas de um livro como um conto de ninar. Tal voz é a responsável por unir todas as subtramas à principal e felizmente dar um desfecho digno a cada uma delas.
O Corajoso Ratinho Despereaux infelizmente não fez fortuna e tampouco arrancou elogios da crítica, apesar de toda a simpatia da produção e porque não dizer ousadia, já que adotou elementos que vão na contramão das superproduções de Hollywood. Batendo os olhos rapidamente, poderia perfeitamente ser confundida com uma animação europeia. Porém, não se pode contestar que a falta de realismo na composição estética de alguns personagens e cenários tenham comprometido a carreira do filme. Muitos dizem que os humanos são exageradamente estilizados, com rostos de contornos estranhos e angulados, mas assim eles também não eram retratados em Ratatouille em contraste a perfeição dos corpos dos ratinhos? Também não há como negar que falta humor à história, o que também pode ser visto como uma qualidade em oposição a metralhadora de piadas ininterruptas de outras fitas do gênero, muitas delas necessitando que o expectador tenha boa memória e repertório cultural para compreendê-las. São detalhes mínimos que não comprometem o conjunto, ainda mais para os adultos, e por que não as próprias crianças, que preservam um pouco da inocência cada vez mais cedo dispensada.
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