O cinema já apresentou centenas de
histórias de superação e mudanças de comportamento incitados pela dedicação de
um professor ou membro de alguma comunidade deficitária. Tal temática é
universal, mas é certo que os EUA é o maior produtor de filmes do tipo, como os
emblemáticos Ao Mestre Com Carinho e Sociedade dos
Poetas Mortos, entre tantos outros. Geralmente baseados em episódios da
vida real, tais produções não costumam fazer grandes bilheterias e a maioria é
lançada diretamente para consumo doméstico, no entanto garantem vida longa
graças ao tema atemporal e as mensagens edificantes que deixam. Jogada de Rei é mais um título a engrossar tal lista.
Cuba Gooding Jr. é incumbido de encarnar o personagem real Eugene Brown que
aprendeu com seus erros e decidiu compartilhar as lições que teve para tentar
salvar as vidas de jovens sem rumo como ele foi um dia. Ele passou dezessete
anos na prisão onde aprendeu a se autocontrolar com as dificuldades cotidianas
e a jogar xadrez com Searcy (Dennis Haysbert), um detento mais velho e
experiente. Com o jogo de raciocínio lógico, ele tem a percepção que a vida não
pode ser construída por atitudes impensadas. Basta uma ação impulsiva e tudo
pode se perder.
Quando ganha sua liberdade, Brown volta às ruas de Washington com o desejo de recuperar o tempo perdido principalmente com os filhos Katrina (Rachael Thomas), estudante de direito que rejeita o pai completamente, e Marcus (Jordan Calloway), que está na cadeia seguindo o mesmo caminho desvirtuado paterno. Outro problema a enfrentar são as dificuldades para conseguir um emprego sendo fichado na polícia. Mentindo sobre seu passado, ele é aceito como faxineiro de uma escola frequentada por uma turma barra pesada. Não demora muito para que uma professora temendo as ameaças feitas pelos alunos abandone o cargo, a chance para o ex-presidiário assumir uma classe como monitor temporário, mesmo sem qualquer experiência no campo da educação. Com a má fama do colégio, funciona o ditado que diz quem não tem cão caça com gato e o que era para ser uma medida paliativa para cobrir alguns poucos dias acaba se estendendo a longo prazo. Sheila King (LisaGay Hamilton), a diretora, vê com bons olhos a inesperada ajuda para controlar uma turma de adolescentes problemáticos, já que Brown passa a aplicar de forma intuitiva os conceitos dos jogos de xadrez para resgatar os alunos do caminho do crime. Os jovens, a princípio, não são nada receptivos ao joguinho monótono e racional, especialmente Clifton (Carlton Byrd), já envolvido em negócios ilícitos a serviço de Perry (Richard T. Jones), o novo chefe do crime organizado da região que assedia o recém-liberto a voltar a atividade oferecendo muito dinheiro e uma posição de destaque em seu bando.
Todavia, alguns estudantes se mostram de fato interessados no que o professor substituto tem a ensinar com o tabuleiro, como é o caso de Tahime (Malcolm M. Mays), um talento natural para o xadrez, porém, desmotivado por problemas familiares, e Amendoim (Kevin Hendricks), um jovem também assediado para entrar na vida bandida para desespero de Brown que não pode interferir muito nos negócios de Clifton, por acaso seu ex-pupilo no campo dos delitos, para que seu passado obscuro não venha à tona. Liberto, mas ainda se sentindo de certa forma enclausurado, ele tem uma ideia ousada para dar sentido à sua vida e a de tantas outras pessoas criando um centro comunitário em seu deteriorado bairro com o objetivo de dar aulas de xadrez aos adolescentes carentes. A iniciativa, mantida por conta da ajuda de amigos e muita garra pessoal, acaba gerando ótimos resultados, mas ainda assim a sombra do crime ronda Brown e seus aprendizes e o destino articula uma tragédia. A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Embora apresente os bastidores da criação do verídico Big Chair Chess Club, o roteiro de Leeotis Burgess, Dvaid Scott, Dan Wetzel e Jake Goldberger, este que também assina a direção, bebe diretamente na mesma fonte de filmes como Mentes Perigosas e Escritores da Liberdade, por exemplo, em que um professor idealista encarregado de uma turma de rebeldes implementa uma metodologia altruísta e didática de trabalho que conquistas os alunos, ou ao menos uma minoria, o que já é bastante significativo.
Encaixando-se praticamente em um subgênero, o drama de superação, é inevitável afirmar que trata-se de um filme emotivo e previsível e que reúne uma gama de assuntos a serem discutidos. Racismo, combate às drogas, relações familiares conturbadas, decadência do ensino público e a melhoria social através de alguma atividade motivadora, no caso o jogo de xadrez fazendo às vezes das artes ou do esporte como agente fomentador. O problema é que no final das contas apenas o último tema é bem desenvolvido, os demais não são aprofundados. Assim temos que nos contentar com bons momentos isolados, mas que no conjunto formam uma obra irregular, fica a sensação de que a trama poderia ir além. Todavia, a julgar pela sinopse, a produção é bastante honesta ao que se propõe, ainda com o bônus de apresentar uma forma diferenciada de estimular as pessoas a pensar e agir. Interessante que em um ambiente degradante uma atividade de certa forma elitizada seja utilizada como ferramenta de incentivo e superação, lição que deveria ser aprendida desde a infância. Quantas crianças estão perdendo a chance de desenvolver suas habilidades, criatividade e convivência social aprendendo desde cedo a lidar com armas e a consumir drogas? É por essa razão que filmes como este, embora com argumentos batidos, precisam continuar a serem produzidos, independente do retorno financeiro.
Jogada de Rei teve um pífio desempenho nas bilheterias norte-americanas e isso inevitavelmente atrapalhou sua distribuição para outros países, tornando-se praticamente um título desconhecido, mas que em nada deixa a desejar em comparação a outras produções da mesma seara. Em seu segundo longa-metragem, Goldberger consegue seguir uma linha narrativa concisa e envolvente, desde a rápida introdução até o desfecho obviamente de cunho emotivo, porém, evita ao máximo subestimar a inteligência do espectador e tampouco facilita a vida de seus personagens, alguns vivendo irremediavelmente à margem da criminalidade e outros em uma encruzilhada entre o bem e o mal. O cineasta só derrapa ao apresentar as transformações de alguns deles de maneira rápida e superficial, sem expor detalhes que os levaram a redenção. Embora sejam perfis menores apenas para contextualizar com mais ênfase os conflitos comuns aos principais, fica latente uma sensação de vazio, que poderiam ser mais bem explorados. Contudo, dos males os menores para um trabalho que faz uma inteligente analogia entre os movimentos das peças de xadrez e os próximos passos que um ser humano pode dar para guiar sua própria vida.
Drama - 101 min - 2013
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