Nota 4 Abordando bastidores do universo tecnológico, longa se perde em clichês de espionagem
A chegada do século 21 cercada de expectativas em torno dos rumos da tecnologia e o ódio global e generalizado ao empresário Bill Gates, criador da poderosa empresa Microsoft e então o homem mais rico de todo o mundo, foram as sementes que originaram o suspense Ameaça Virtual, produção esquecida desde seu lançamento. Em 2001, o multimilionário enfrentava problemas com a justiça americana e muitas fortunas e empresas poderosas ligadas ao ramo da Internet estavam em crise e no meio desse cenário caótico o diretor Peter Howitt lançou seu filme, porém, ele deveria ter chegado aos cinemas um pouco antes para ter mais validade. Seria efeito do tal bug do milênio? Não, mais certo que foi erro de estratégia dos produtores e o longa acabou com fama de datado precocemente. Hoje pode ser visto como uma modesta documentação da época, mas lembrando que a trama é uma ficção até que provem o contrário. Copiando as vestes, trejeitos e até o penteado, o ator Tim Robbins se encarregou de personificar Gates na pele de Gary Winston, um gênio da computação que construiu um império e que tem como hábito fazer doações e ações de caridades na tentativa de ganhar aliados e limpar sua barra sempre que necessário, afinal processos acusando-o de monopólio em seu ramo não lhe faltavam. Qualquer semelhança com o perfil do "homenageado" não é mera coincidência.
Winston é o dono da empresa N.U.R.V. e promete lançar um projeto que revolucionaria a maneira como as pessoas se comunicam cotidianamente. Batizado de Synapse, o programa formaria uma rede de transmissão de dados que permitiria que todos os aparelhos digitais pudessem manter uma linha de comunicação constante e direta. Exemplificando, uma pessoa poderia fazer uma ligação telefônica e ao mesmo tempo que conversa observar o que a pessoa estaria fazendo naquele exato momento e vice-versa. Hoje isso soa ultrapassado, mas para a época era uma avanço e tanto. De olho em jovens talentos, ou até mesmo em possíveis concorrentes, Winston convida para integrar ao projeto o jovem Milo Hoffman (Ryan Phillippe), um técnico em computação talentoso e genial. Quando recebeu o convite ele estava inaugurando em sociedade com o amigo Teddy (Yee Jee Tso) sua própria empresa de tecnologia e coincidentemente com um projeto bastante semelhante ao Synapse como carro-chefe. O amigo também fora convocado, mas discordava dos métodos de trabalho do magnata e decidiu tocar a sua própria empresa. Já Hoffman se entusiasmou com o alto salário oferecido, além de um sedutor pacote de benefícios, e com a possibilidade de criar um software capaz de transmitir informações com velocidade e precisão inigualáveis. Só não parou para pensar que mesmo sendo bem pago por sua criação, para todos os efeitos, ela levaria a assinatura de Winston que lucraria uma fortuna incalculável.
Hoffman ainda descobre que seu chefe não hesita em cometer loucuras para destruir a concorrência, inclusive disposto a matar se fosse preciso. A cada nova vitória do sujeito no ramo, surgiam pequenos empresários questionando o crédito pelas ideias e depois sumiam do mapa misteriosamente. O jovem técnico então inicia uma perigosa investigação para desmascará-lo e na companhia de Alice (Claire Forlani), sua namorada, se muda para o famoso Vale do Silício, porém, não pode confiar em ninguém, nem mesmo na companheira. A partir deste ponto todos os clichês possíveis dos filmes de ação e espionagem são reciclados pelo roteiro de Howard Franklin, da cultuada adaptação O Nome da Rosa. Entre as barbadas estão o jogo de mistério com pessoas que escondem suas reais personalidades e os planos mirabolantes que só devem dar certo porque a trama parece ser desenvolvida em uma realidade paralela ao mundo real tamanha a inventividade das situações. E isso não é necessariamente um elogio. Provavelmente essa viajada do roteiro tenha sido o calcanhar de Aquiles da produção, não gerando identificação nem mesmo com as plateias então já iniciadas com o universo virtual. Resultado: a fita fracassou e o passar dos anos não a beneficiaram.
Esta é uma produção que dialogava com a realidade da transição do milênio e ainda assim houve um ruído nessa comunicação devido ao tardio lançamento. Todavia, também não havia possibilidades de escrever a história em paralelo aos acontecimentos da vida de Gates e também dos rumos da tecnologia. O pior é perceber que o bom argumento, abordar a nova ordem mundial movida a dinheiro, novidades e prestígio, é fulminado pelas reviravoltas desnecessárias da trama, mas principalmente pelo fato do clímax ser extremamente decepcionante. Por outro lado, o desfecho deve agradar aos que detestavam ou ainda nutrem ódio pelo dono da Microsoft. Embora haja muitas críticas ao trabalho exagerado de Robbins, na verdade o ator está perfeito. Se está em cena caricato ao extremo, ele somente está procurando ser fiel a realidade. Gates sempre foi uma caricatura ambulante e quanto mais soberbo e ao mesmo tempo envolto em polêmicas, pior sua imagem se tornava. O perfil de Winston alterna momentos de brilhantismo intelectual com outros de ações incoerentes para alguém cujo raciocínio lhe é tão cobrado.
Phillippe, por sua vez, injeta bastante energia em seu personagem para a missão de detetive, mas ao mesmo tempo não se comporta como um super-herói. Ele consegue transmitir com perfeição a sensação de impotência de Hoffman frente ao poder e ameaça de seu adversário. Tímido e introspectivo a maior parte do tempo, o rapaz é movido por uma força impetuosa quando necessário, afinal não é apenas seu senso de justiça o guiando, mas também está em jogo sua própria sobrevivência profissional e até mesmo pessoal. Ameaça Virtual garante uma sessão divertida sem compromisso, mas fica a sensação de que poderia ter ido além, principalmente quanto a questão de que, como diz o próprio Winston com outras palavras, qualquer garoto que entenda sobre o universo da computação pode de dentro de sua própria casa destruir corporações gigantescas. Sábio pensamento e que hoje sabemos ser uma realidade.
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