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sexta-feira, 11 de junho de 2021

SRA. HENDERSON APRESENTA


Nota 8 Longa resgata a memória de uma espécie de refúgio da alegria durante tempos de guerra


Judi Dench é um tipo específico de atriz. Seu trabalho é reconhecido pela crítica, mas não tem a popularidade de uma Meryl Streep. Sua postura austera e predileção por papeis dramáticos e de época também colaboram para criar em torno dela uma aura quase intransponível. Para quebrar tal barreira, mas sem deixar de lado a sofisticação, sua escolha para viver o papel-título de Sra. Henderson Apresenta mostra-se bastante assertiva, uma agradável produção com fundo dramático e histórico acrescida de sutis pitadas de humor. Baseado em fatos reais, a trama enfoca uma época da vida de Laura Henderson, uma das mais destacadas e excêntricas personalidades da sociedade londrina no período que antecedeu a Segunda Guerra graças a sua casa de espetáculos, a Windmill. A  história deste teatro já havia sido contada no longa No Coração de Uma Cidade, datado de 1945 com Rita Hayworth, mas sem tocar no nome da mulher que deu vida ao local, contudo, omiti-la é praticamente um sacrilégio. Após ficar viúva, aos 69 anos de idade, ela descobre que não resta muita coisa para senhoras sozinhas fazerem, a não ser bordar ou participar como voluntária em instituições de caridade. O único benefício desta condição, nos casos das ricaças, seria poder gastar suas heranças ou fortunas acumuladas sem precisar dar satisfações a ninguém. Ao contrário de suas amigas que compram joias sem necessidade e praticam caridade para se manterem em evidência, Henderson quer aproveitar seu dinheiro para fazer tudo o que não pôde na juventude e ajudar a sociedade londrina a seu modo.

O principal projeto desta viúva é recuperar a tradição do teatro musical que perdeu espaço para o cinema a partir do advento dos recursos sonoros. Assim, quando encontra um grande estabelecimento abandonado em um subúrbio de Londres,  Henderson não pensa duas vezes e o compra para transformá-lo em uma casa de espetáculos diferenciada. A ideia era ter diversas apresentações dia e noite, nunca fechar as portas, mas ela se dá conta que não sabe como administrar um negócio do tipo. Para ajudá-la a resgatar o estilo de teatro vaudeville, ela então contrata o agente teatral Vivian van Danmm (Bob Hoskins), mas a convivência desde o início é marcada por troca de farpas e guerra de egos. A semana de estreia do primeiro espetáculo do teatro Windmill supera as expectativas, mas logo a viúva passa a perder dinheiro visto que a concorrência passa a copiá-la e a dividir o público com espetáculos também ininterruptos. Persistente, a senhora então tem uma ideia bastante ousada para voltar a ter lucros. De olho nas carteiras da plateia masculina, ela decide inovar colocando mulheres nuas no palco e se aproveita de seu prestígio e influência na alta sociedade para convencer o Lorde Cromer (Christopher Guest), o censor oficial londrino, a dar seu aval. Ele então abre uma brecha nas leis e rege que a nudez em espetáculos teatrais seria permitida desde que os modelos nus não se movessem, fossem utilizados como objetos cênicos tal qual obras de arte. E assim foi feito. 


Com a ajuda de um minucioso trabalho de iluminação, na verdade uma trucagem para exaltar uma beleza visual que certamente não era atingida em sua plenitude nos palcos, as modelos surgem como estátuas ou pinturas adornando números musicais. Claro que o público correspondeu as expectativas, mas não foi nada fácil colocar a ideia em prática. Houve dificuldades para encontrar o elenco, afinal qualquer mulher que se sujeitasse a esse tipo de trabalho automaticamente estaria aceitando ser rebaixada e apontada nas ruas como alguém de vida fácil. Também não bastava serem moças desinibidas, precisavam ter corpos perfeitos. Maureen (Kelly Reilly) desde o início se mostra a mais entusiasmada das candidatas, sempre incentivando as demais a encararem a situação com profissionalismo e a pensarem nos lucros, e não à toa é a que vem a ter a participação mais significativa nos espetáculos e no próprio curso do roteiro. Já na reta final ela será o estopim de uma crise que irá inserir alguns elementos dramáticos necessários à trama. Quando a Segunda Guerra eclode e a crise econômica se instaura, Henderson e Damm fazem de tudo para manter a casa de shows em atividade, assim, enquanto bombas explodiam por todos os cantos da Inglaterra, o teatro servia como uma válvula de escape, um último refúgio de descontração e alegria até mesmo para os soldados nos raros momentos de descanso. O nudismo obviamente causava polêmicas na época, mas talvez o que mais escandalizou e colocou o nome do Windmill como um importante fato histórico foi a audácia de mesmo em momentos de conflitos, miséria e mortes, o teatro permanecer com suas portas abertas. A forma como a protagonista encarava a vida fez toda a diferença.

O diretor Stephen Frears consegue transitar por obras de crítica social, como Minha Adorável Lavanderia, fazer produções leves e populares como Alta Fidelidade, mas sem dúvida são os filmes de época os pontos altos de seu currículo e em Sra. Henderson Apresenta encontrou o material perfeito para avacalhar a sociedade inglesa com charme e elegância. Aproveitando-se do clima lúdico inserido no argumento, sua produção cênica não é nada menos que espetacular, de encher os olhos, e apesar dos diversos números musicais eles não são cansativos. São pequenos trechos que apenas ilustram a trajetória da trupe teatral e exaltam as qualidades da fotografia, cenografia e figurinos. Sim, pode parecer irônico, mas em uma história onde a falta de roupas é fator essencial, as vestimentas quando necessárias ganham destaque com muitos detalhes e cores vívidas, um trabalho merecidamente indicado ao Oscar. A Academia de Cinema também não deixou de reverenciar o desempenho de Dench e a indicou ao prêmio. Aqui a veterana tem mais que uma oportunidade excelente de trabalho. Encontrou também a chance de desconstruir o perfil errôneo da mulher fechada e seletiva que as pessoas cultivaram ao longo dos anos a seu respeito. 


Embora com seus momentos mais dramáticos, pois além da perda recente do marido Henderson também nunca se conformou com a morte do único filho na Primeira Guerra, o que fica na memória são os momentos cômicos e leves da personagem, principalmente o divertido flerte que trava com Damm que revela ser casado, mas não esconde certo interesse pela milionária. Eles travam ágeis e sarcásticos diálogos durante quase toda projeção e não há como ficar inerte quando o empresário é flagrado pela patroa em uma rápida cena de nudez. É delicioso ver o desprendimento da dupla em uma altura da carreira que não precisavam mais provar talento ou qualquer outra coisa a ninguém. Só é uma pena que o roteiro de Martin Sherman limite-se a retratar seus conflitos não deixando espaço para os coadjuvantes terem função. Tal qual as moças dos espetáculos, o restante do elenco está em cena apenas como adorno, incluindo Thelma Barlow, atriz britânica então com meio século de teatro e televisão e fazendo sua estreia nos cinemas. Ela interpreta Lady Conway, amiga e confidente da protagonista, mas infelizmente com pouco tempo em cena. De qualquer forma, o filme relembra que mesmo em tempos difíceis o show não pode parar. Recado dado!

Drama - 103 min - 2005

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