NOTA 3,5 Tentando dar novos rumos à franquia de terror sem apelar para um remake literal, fita não inova nos sustos e trama fica a dever em emoção |
Família se muda para uma casa que
no passado foi palco de uma chacina e desde então todos os moradores tiveram
terríveis experiência no local. Esse é o argumento básico dos filmes de
residências assombradas, mas também é a semente de uma das mais longínquas
franquias do cinema norte-americano. Amityville - O
Despertar é nada mais nada menos que o 18º longa com raízes
fincadas na obra do autor Jay Anson a respeito de um homem que assassinou toda
a família supostamente guiado por vozes malignas que o obrigaram. A primeira
adaptação foi lançada em 1979, mas Terror
em Amityville teve uma recepção fria por parte de público e crítica e foi
preciso o passar dos anos para ser reconhecido, tanto que hoje é considerado um
clássico do terror. Depois vieram continuações, produtos caça-níqueis direto
para consumo doméstico, teve um telefilme e em 2005 uma refilmagem tentou
resgatar a franquia. Após quatro anos de adiamentos, o diretor e roteirista
Franck Khalfoun encontrou uma boa ideia para voltar ao lendário casarão do
vilarejo localizado na cidade de Babylon, uma remota parte de Nova Iorque. A
quem interessar, a residência ainda existe e vira e mexe está disponível para
novos e corajosos moradores. Talvez pensando justamente nisso, sobre como seria
viver em um local cercado de negativismo e ciente de toda tragédia que lá
aconteceu, é que o cineasta preferiu realizar uma história ligeiramente
original e abandonar a ideia de mais um desnecessário remake (se bem que não dá
para fugir muito do argumento original). Após sofrer um acidente indiretamente
provocado por um ato inconsequente de sua irmã gêmea Belle (Bella Thorne), o
jovem James (Cameron Monaghan) entrou em estado vegetativo e acabou tendo morte
cerebral, porém, Joan (Jennifer Jason Leigh), sua mãe, decide se mudar com a
família, que inclui a pequena Juliet (Mckenna Grace), para a tal casa macabra
onde teria espaço para montar uma UTI doméstica. De fato, na nova moradia o
rapaz começa milagrosamente a apresentar melhoras, mesmo com os médicos
afirmando que seria impossível ele voltar do coma.
Belle, que vive em conflito com a
mãe que a culpa por tudo que aconteceu, logo começa a desconfiar que seu irmão
não está vivo, mas sim que seu corpo está sendo usado por uma entidade maligna
que quer reviver a chacina que marcou a residência quatro décadas antes. A
jovem aceitou se mudar sem saber dessa história que foi omitida por Joan que
desacreditada em Deus após os infortúnios que a família sofreu (o marido
faleceu de câncer pouco antes) pouco liga para o passado da casa. Quem revela o
acontecido para a garota, embora da maneira mais didática possível, são seus
amigos do colégio, Terrence (Thomas Mann) e Marissa (Taylor Spreitler), aliás,
muito boa a sacada de não omitir que o episódio faz parte da cultura ianque,
sendo que alguns filmes e até o livro que originou todo esse movimento
cinematográfico vem a ser citados. Só não cola muito que a adolescente cresceu
alheia a tudo isso, mas fazemos vista grossa a esse detalhe assim como a tantos
outros deslizes. O longa tem seus momentos individuais de tensão e usa bastante
o recurso do "jumpscare" (sustos repentinos baseados em takes rápidos
e geralmente acompanhados de efeito sonoro estridente), mas infelizmente Khalfoun,
que se saiu razoavelmente bem ao explorar a claustrofobia de um estacionamento
no suspense P2 - Sem Saída, aqui não
consegue tirar o máximo de proveito de seu cenário. Parece que trabalhou na
base do freio de mão para não se infiltrar a fundo na mítica que paira sobre o
casarão, afinal correm soltas as lendas de que mexer com o além traz má sorte
às equipes de filmes de terror. Assim, o diretor acaba falhando ao rechear seu
trabalho de sustos desnecessários quando tinha em mãos o potencial de uma
história que poderia ser carregada de dramaticidade e flertar com muita
propriedade com a verve satânica. Imagine uma mãe que fez de tudo para ter seu
filho de volta e de repente se ver ameaçada por ele? Ou a garota mais pé no
chão que decide desligar os aparelhos que mantém o irmão vivo sabendo que seria
acusada de sua morte? As duas situações estão no longa, mas de forma muito
simplórias e sempre com um entrave: é preciso introduzir a qualquer custo o
clichê do espírito obsessor fazendo link com o caso de possessão que sustenta a
palavra Amityville no imaginário popular desde a década de 1970.
A estrutura do roteiro privilegia
uma série de rápidas situações em que se busca denotar a presença de fatores
ocultos por trás daquele ambiente revestido com papeis de parede para esconder
as marcas de sangue do passado. A aparente calmaria é quebrada por vultos, sons
estranhos e eventos sem explicação a qualquer momento do dia, mas depois que
Khalfoun introduz que em 1974 Ronald Defeo Jr. assassinou sua família às 03:15
da manhã, os acontecimentos misteriosos passam a obedecer religiosamente o
relógio como se fosse a hora em que a casa ganha vida própria. Contudo, soa
forçada a visita dos amigos de Belle em plena madrugada para assistirem a
clássica fita que reproduz os tristes acontecimentos ocorridos naquela
residência. Pior ainda que com tantos cômodos a sessão terror aconteça bem em
frente ao quarto-hospital de James e também ocorra uma providencial queda de
energia às... Bem, quem é muito supersticioso pode ser que venha a sentir um
calafrio na espinha caso acorde no citado horário mítico. A imagem do relógio
ironicamente talvez seja o elemento mais assustador da fita. O elenco enxuto
ajuda a concentrar a tensão em um mesmo núcleo, embora não se veja um empenho
para que as personagens surpreendam. Thorne segura as pontas como protagonista
com um quê de masculinidade, mas nada que impeça a câmera de procurar flagrá-la
de forma que suas curvas fiquem em evidência. Leigh, com maior bagagem de
experiência, falha por construir uma mãe desesperada com personalidade chapada,
sem se aprofundar em seu psicológico abalado, enquanto Monaghan mostra-se
canastrão tanto na fase terminal de James quanto no momento em que consegue
sair da cama já sob comando da possessão. O efeito de maquiagem para denotar a
fraqueza do rapaz quando doente é risível, tudo para depois voltar a ganhar
músculos no ato final, diga-se de passagem, um desfecho apressado e que não
rende a tensão esperada. Entre pesadelos bem orquestrados e cortes repentinos
para uma morna realidade, Amityville - O
Despertar é apenas mais uma fita
de terror fraca como tantas outras de temáticas semelhantes, com o agravante de
que quem assistiu ao menos um filme da franquia já sabe muito bem o que
esperar, mas ao menos não é o desastre que se esperava. O resultado poderia ser
bem pior caso opta-se por um remake literal. Não surtiu efeito nas bilheterias
e tampouco repercutiu, mas certamente não irá aposentar o argumento. Só questão
de tempo para um 19º longa revisitar a misteriosa aura que cerca o casarão e
quem sabe a própria vida real venha a inspirar. Alguém se habilita a morar lá?
Terror - 85 min - 2017
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