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segunda-feira, 5 de julho de 2021

OLIVER TWIST (2005)


Nota 6 Adaptação de texto clássico é visualmente perfeita, mas narrativa deve em emoção genuína


Clássico é sempre clássico e não pode ficar restrito a uma geração. Seja através de releituras literárias, adaptações para o cinema, televisão ou teatro ou tão somente ter algum trecho como fonte de inspiração para qualquer outra manifestação artística, é importante que obras de relevância do passado façam parte da cultura de épocas futuras. Pode-se inspirar nos originais para uma versão modernizada ou simplesmente seguir à risca os escritos sem permissão para ousadias, mas em ambos os casos existe o risco de errar. O clássico romance de "Romeu e Julieta" ou a trágica história de "Hamlet" são alguns exemplos de histórias que atravessam gerações, contadas e recontadas das mais variadas formas, mas nem todas as adaptações foram bem sucedidas. Com sua versão engessada de Oliver Twist, o cultuado cineasta Roman Polanski não chegou a ser um grande alvo de chacotas, mas talvez tenha recebido o pior dos castigos para alguém que trabalha no ramo e já tenha provado o gostinho do sucesso: seu filme foi ignorado pelo público e crítica. Mesmo premiado no Festival de Toronto, o drama ganhou lançamento limitado nos EUA e em vários outros países e, infelizmente, não podemos dizer que tenha sido uma completa injustiça. Visualmente belo, o principal problema deste trabalho está no roteiro que conta uma história que, apesar de batida, conquista inicialmente, mas perde o vínculo emocional com o espectador ao estender demais o drama do pequeno protagonista. 

O carismático Barney Clark defende o personagem-título, um garoto órfão que recebe no orfanato um sobrenome um tanto sofisticado, porém, sua vida passa longe de luxos e riquezas. Sua infância é marcada por tristezas, abusos e miséria. À mercê da sociedade londrina do início do século 19, hipócrita e sem escrúpulos, o menino foge do cruel sistema de caridade governamental, no qual é submetido a trabalho escravo, e consegue ser adotado pela família do Sr. Sowerberry (Michael Heath), mas sua sina de maus tratos não tem fim. Após uma desavença com Noah (Chris Overton), seu irmão de criação, o órfão é espancado e trancado em um frio e escuro porão, assim decide fugir e se aventura a buscar melhores condições de vida. Inocente até o último fio de cabelo, não demora para que o garoto caia em uma armadilha e entre em contato com o submundo, passando a praticar furtos induzido por um jovem malandro, Artful Dodger (Harry Eden), que faz parte de um grupo de trombadinhas que vive sob a batuta do velho Fagin (Ben Kingsley), um judeu que logo trata de ensinar os meandros do crime ao novato. Apesar da aparência bizarra e de ganhar a vida através da exploração de menores, o novo tutor tem um comportamento ambíguo. Se por vezes é severo, não são raros os momentos em que demonstra certa preocupação com Oliver, mas o mínimo de carinho que recebe deste homem não é o bastante. 


Felizmente, o garoto não desiste de melhorar de vida e o destino coloca em seu caminho um burguês de alma caridosa, O Sr. Brownolw (Edward Hardwicke), justamente sua primeira vítima de assalto que se comove com sua situação e o adota informalmente. No entanto, o bando de criminosos não irá desistir de trazê-lo de volta para o lado da bandidagem, até  por medo de que o esquema de corrupção de menores venha à tona. O malvado Bill Sikes (Jamie Foreman), parceiro de crimes de Fagin, e a prostituta Nancy (Leanne Rowe), agora se encarregam de fazer a vigilância de Oliver e acreditam que exista alguma conexão mais forte entre o menino e o rico burguês e querem tirar proveito da suspeita. E o filme então segue o calvário do protagonista acompanhando uma sucessão de encrencas em que se mete tentando conquistar uma vida digna e feliz, mas sempre comendo o pão que o diabo amassou nas mãos de pessoas ruins e gananciosas. O roteirista Ronald Harwood tentou ser o mais fiel possível à obra homônima escrita por Charles Dickens em 1838, uma história que faz parte do inconsciente coletivo. Você pode até não conhecer a trama em seus pormenores, mas de sua essência deve ter lembranças de adaptações ou referências daqui ou dali. Seria impossível resumir em pouco mais de duas horas todo o conteúdo do livro, assim diversas passagens e personagens foram suprimidos ou acabaram mal inseridos na narrativa, mas nada que interfira na apreciação do filme.

Polanski, após lidar com o pesado e delicado assunto do nazismo em O Pianista, que lhe valeu seu primeiro, merecido e porque não dizer tardio Oscar, queria fazer um filme voltado para toda a família, mas conhecendo sua filmografia obviamente não optaria por algo de degustação fácil. Se no aclamado filme homônimo lançado em 1948 e dirigido por David Lean, considerada a mais notória adaptação do livro, a trama se misturava à realidade da época que vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial, anos mais tarde Polanski manteve a tônica adicionando à narrativa lembranças de sua própria infância. Na Polônia ocupada por nazistas, o futuro diretor de cinema também se via obrigado a viver fugindo e se escondendo tal qual o pequeno protagonista. Aliás, com a história praticamente toda focada nas aventuras e desventuras do órfão, foram exigidos muitos esforços do jovem Clark. Escolhido a dedo, o garoto tinha a aparência desprotegida e o olhar cândido que o personagem pedia, algo que fica evidente logo no início quando Oliver é sorteado em uma brincadeira para a difícil missão de reclamar da pouca quantidade de comida oferecida aos internos do orfanato, praticamente um campo de concentração. Seu contato com os habitantes do submundo ao longo do filme lhe tiram um pouco de sua inocência, mas jamais atingem seu puro coração, uma construção de perfil bem conduzida e sensível. 


Percebe-se que há todo um cuidado na formatação dos personagens buscando o máximo de veracidade, mostrar pessoas com suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Ninguém é totalmente bonzinho ou malvado. Até o repugnante Fagin tem lá seus momentos de leve amabilidade, fruto da sensibilidade e talento de Kingsley que encarna com perfeição um vilão que na ânsia de sempre se dar bem acaba não raramente traído por seus próprios atos. A caracterização perfeita dos atores e figurantes, assim como a reconstituição cenográfica riquíssima em detalhes para expor a degradação de Londres, é fruto de uma competente equipe técnica que se baseou em gravuras da época, imagens que também inspiraram a ilustração dos créditos iniciais e finais. É uma pena que todo o apuro técnico e empenho dos atores não consigam elevar esta versão de Oliver Twist a um mero passatempo passível de esquecimento. Falta emoção genuína à história e acompanhamos seu desenrolar com certo distanciamento, até mesmo pelo fato da previsibilidade imperar, o que associado a longa duração torna o programa monótono.

Drama - 130 min - 2005

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