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domingo, 26 de dezembro de 2021

O IMPOSSÍVEL


Nota 9  Apesar de forçar a emoção, espectador se torna personagem onipresente de uma tragédia


O título já diz tudo. Embora baseado em fatos reais, O Impossível narra uma história improvável, mas com uma essência dramática que fisga o espectador logo em seus primeiros minutos não apenas apostando no emocional, mas também reativando lembranças ou despertando curiosidades a respeito do dia 26 de dezembro de 2004. A Tailândia era agraciada com mais um belo dia ensolarado, mas poucas horas depois de encerradas as comemorações natalinas o clima de paz e harmonia fora literalmente devastado por uma tragédia da natureza. Um tsunami agitou o oceano e provocou ondas gigantescas que varreram do mapa de modestos casebres à suntuosas mansões e hotéis. Milhares de moradores e turistas vieram a falecer ou tiveram graves ferimentos, um prato cheio para qualquer cineasta trabalhar um roteiro no esquema do filme-mosaico, estilo em que diversas tramas são contadas simultaneamente podendo convergir ao final ou não. No entanto, o diretor catalão Juan Antonio Bayona optou em sua estreia no cinemão de Hollywood por narrar o sofrimento de um grupo específico. 

Inspirado no drama vivido por uma família espanhola, os protagonistas foram substituídos por britânicos, todos com pele, olhos e cabelos claros, assim mesmo sujos e feridos suas figuras não causam tanta repulsa. Quando se juntam as centenas de sobreviventes inevitavelmente acabam se destacando na multidão, mas não vamos entrar na discussão de possíveis preconceitos, afinal o elenco é talentoso e consegue despertar a almejada piedade com a força de suas interpretações. O casal Maria (Naomi Watts) e Henry (Ewan McGregor) planejavam férias tranquilas e divertidas junto aos três filhos, Lucas (Tom Holland), o mais velho, Thomas (Samuel Joslin) e do caçula Simon (Oaklee Pendergast), em um luxuoso resort à beira-mar, porém, mal tiveram tempo de desfrutar do local. Ondas de até trinta metros de altura atingiram tudo o que estava pelo caminho e só conseguiram se salvar aqueles que por ventura estavam mergulhando naquele exato momento ou que foram agraciados por alguma força divina de proteção. A família protagonista consegue sobreviver, mas é forçosamente separada. Através de situações paralelas o espectador acompanha os passos de cada membro na luta para se manterem vivos em meio a um cenário caótico e vivendo o drama de não saberem se um dia ainda poderão estar todos juntos novamente. 


Indo literalmente fundo na emoção, Bayona constrói uma obra repleta de sentimentalismo e por vezes até exagera no dramalhão apostando nos vários encontros e desencontros dos personagens. Em momentos de dor e desespero a vida encontra caminhos para provar que nada é impossível e o roteiro do próprio cineasta em parceria com Sergio G. Sánchez serve-se ao máximo das coincidências a favor da emoção. O pano de fundo da trama poderia sugerir um típico filme-catástrofe, com sequências de destruição arrasadoras como clímax e um longo prólogo para nos envolvermos com os personagens e sofremos junto com eles. Bayona faz o caminho contrário. Logo no início apresenta o tsunami de forma rápida e sucinta, mas sem deixar de lado o impacto visual, para depois concentrar-se nas suas consequências. Alcançando um realismo surpreendente não só na apresentação do acidente em si, mas também na reconstrução do cenário desolador que deixou, se o filme tivesse sido lançado até três anos depois dos acontecimentos reais poderíamos até duvidar se as filmagens não teriam sido feitas aproveitando o próprio local da tragédia. Aliás, boa parte dos figurantes são sobreviventes reais e cujas experiências ajudaram o elenco a reforçar suas atuações com detalhes que só quem vivenciou a catástrofe poderia descrever. 

Bayona e Sánchez mostram-se tão impressionados com o material que tinham em mãos e dispostos a abordar o máximo possível de detalhes que o resultado acaba se distanciando um pouco do que se espera da adaptação de relatos reais. Os esforços acabam ganhando ares de espetáculo com a busca incessante por momentos de êxtase emocional. Quanto mais o espectador fica com o coração apertado e a sensação de nó na garganta aumenta melhor e é quase possível se sentir como um personagem onipresente, porém, de mãos atadas para ajudar. Se em O Orfanato ficou evidente que Bayona sabe tirar o melhor proveito da cenografia, iluminação e fotografia, em seu trabalho seguinte, além de acentuar tais características, ressalta também sua vocação para manipular emoções. Se o roteiro em si já não fosse o suficiente para levar qualquer um às lágrimas, o diretor ainda usa e abusa dos recursos técnicos a favor da emoção. A trilha sonora melosa é encaixada de forma aguda para evidenciar momentos de tristeza, compaixão ou alívio e é dispensada em partes estratégicas para destacar sons ambientes como respirações ofegantes, a correnteza da água repleta de destroços e corpos ou o estalar de galhos de plantas quando pisoteados ou penetrando nas feridas das vítimas. 


Completam o clima de agonia os gemidos e choros, principalmente das crianças alheias à gravidade da situação. Ou melhor, uma delas não está por fora. Apesar da pouca idade, é Holland quem rouba a cena com a determinação de seu personagem em reunir a família, mas ao mesmo tempo se dedicando a um pedido de sua mãe que implora para que ele ajude outros enfermos a encontrar seus parentes ou amigos. O espírito de solidariedade é ressaltado em sua interpretação pura e sincera, ainda que se mostre uma criança racional demais diante de um episódio tão traumático. De qualquer forma, o garoto é carismático e se mostra tão autentico quanto Watts, com quem divide a maior parte das cenas, ambos se alternando entre razão e (muito mais) emoção. A atriz assumiu  a difícil missão de não só expor feridas físicas, mas principalmente deixar latente que mais dolorosos seriam os traumas emocionais. Fisicamente menos atingido, McGregor também consegue transmitir desespero e tristeza reais, ainda que tenha tido a sorte de reencontrar ao menos dois filhos que lhe fazem companhia na peregrinação para encontrar os demais membros do clã. Apesar do final que reforça a ideia de quem tem dinheiro tem mais chances de passar por cima das adversidades, O Impossível desperta a curiosidade de conhecermos as histórias de outros sobreviventes. Pena que o contato dos protagonistas com demais vítimas seja restrito, opção que acaba deixando o filme ainda mais claustrofóbico do que seu argumento indica.

Drama - 107 min - 2012

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