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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

BONECO DO MAL

NOTA 5,0

Inicialmente intrigante, bom
argumento aos poucos é minado por
trama repleta de clichês, situações
inverossímeis e final desconectado
Realizar um filme de terror original é uma obsessão de muitos cineastas e ao mesmo tempo uma tarefa ingrata. É provável que todos os tipos de fobias já tenham sido explorados e nos últimos anos um dos poucos cineastas a dar certa vivacidade ao gênero foi o mexicano Guillermo del Toro com suas produções esmeradas no apuro técnico e visual e seu estilo já vem fazendo escola. Boneco do Mal não é sequer produzido pelo premiado criador de O Labirinto do Fauno, mas muitas características presentes em sua filmografia compõem o universo deste trabalho calcado na mistura do lúdico com o tensional. A história tem como protagonista Greta (Lauren Cohan), uma jovem americana que está de mudanças para um antigo casarão na Inglaterra para cuidar do filho do casal Heelshire (Jim Norton e Diana Hardcastle) que viajarão em breve deixando pela primeira vez o herdeiro aos cuidados de um estranho. Na verdade, muitas moças já foram recrutadas para ocupar o cargo em outras ocasiões, mas todas foram reprovadas pelo exigente Brahms. No entanto, ele não é um garoto de verdade e sim um boneco de cerâmica no tamanho real de uma criança de oito anos que é criado como se fosse alguém de carne e osso pelos pais idosos que nunca aceitaram a morte do filho verdadeiro em um incêndio há duas décadas. A babá obviamente não leva a sério quando lhe apresentam o menino, mas muda de ideia por conta da seriedade com a qual seus patrões lidam com a situação. Quando descobre sobre a tragédia que abalou a família ela se compadece, porém, existe um motivo bem mais forte para ela aceitar uma ridícula rotina que inclui aulas de música, fazer refeições balanceadas e até dar beijinho de boa noite em um brinquedo. A moça opta pelo trabalho levando em consideração não só o polpudo pagamento, mas também o refúgio oferecido, mantendo-a bem longe de Cole (Ben Robson), seu ex-namorado que a persegue. A mansão dos Heelshire pode ter parado no tempo, mas o mundo fora dele não e é óbvio que será fácil para Greta ser localizada, tempo suficiente para ela estabelecer uma estranha relação com Brahms. É um tanto forçada a ideia de que alguém aceitaria viver em um cinzento e depressivo mausoléu, ainda mais incumbida de ingratas tarefas, mas de alguma forma Laura faz o espectador criar rápida intimidade com o bizarro universo que adentra, ainda que ela siga à risca o perfil das protagonistas de filme de terror.

O bom envolvimento inicial, contudo, é minado pouco a pouco pelas próprias ações da protagonista. Alternando astúcia e ingenuidade, Greta parece nunca ter assistido a um filme de terror, metendo-se em situações de risco sem pestanejar. Ela explora a casa usando apenas uma toalha após perceber que todas suas roupas sumiram, passa uma noite de certa calmaria no sótão que abre e se fecha misteriosamente e trava um estranho diálogo com seu protegido através de uma porta dando a entender que está lidando com algo fora da realidade, mas nada a faz querer fugir do casarão. Voltar para sua realidade de maus tratos parece amedronta-la muito mais. E o que poderia ser uma simples válvula de escape para o sofrimento de um casal de idosos acaba ganhando sérios contornos quando Greta se sente pressionada pelo próprio boneco a oferecer cuidados e carinhos de verdade. A moça passa a suspeitar de que realmente o espírito do falecido Brahms habita o brinquedo e como qualquer criança faz de tudo para chamar atenção. Barulhos estranhos, objetos que somem e aparecem misteriosamente e a sensação de estar sempre sendo vigiada são algumas impressões que se confundem com os pesadelos da babá cuja única companhia (ao menos humana) é de Malcolm (Rupert Evans), o rapaz encarregado de semanalmente abastecer o casarão com suprimentos, pagar as contas e que também compactua com a história maluca por piedade a seus patrões. Entrando em cena apenas em momentos providenciais, o jovem é o inerente interesse romântico da protagonista, além de manter o equilíbrio emocional e psicológico dela, ou seja, um potencial rival para Brahms, contudo o roteiro do estreante Stacey Menear só trabalha o gancho do ciúme no ato final quando a trama dá uma guinada e acelera o ritmo, algo desnecessário, gerando uma série de perseguições que nos remete ao clímax das manjadas fitas de seriais killers. O bom rendimento até então fica comprometido com uma improvável revelação, além do aparecimento forçado de Cole. Se Greta aceitou uma situação tão bizarra por medo do namorado, não encontramos justificativas para a forma tranquila com a qual a moça recebe sua visita que mais cedo ou mais tarde aconteceria inevitavelmente. Não é spoiler algum revelar esse reencontro, o final-surpresa é completamente outro e divide opiniões. Quando paramos para juntar as peças do quebra-cabeças ele não faz muito sentido, embora pudesse servir a um complexo gancho psicológico e emocional envolvendo o casal Heelshire, diga-se de passagem, a essa altura já expulsos da produção há um bom tempo, um desperdício de material visto que o comportamento ríspido e metódico da senhora em contraponto a calmaria e pouco mais de razão que regem o marido poderiam agregar mistérios à trama. No entanto, eles simplesmente introduzem o argumento e desaparecem em uma cena plasticamente bela, mas dispersa no conteúdo por falta de explicações.

Abordando a chamada pediofobia, a aversão relacionada a bonecos, mas fugindo do humor involuntário de Brinquedo Assassino e se aproximando mais do estilo de tensão provocado por Annabelle, é uma pena que o diretor William Brent Bell, do mais realista A Filha do Mal, pegue leve nos sustos. As ações do boneco são veladas já que ele sempre permanece inerte diante de Greta, mas comumente parece movimentar-se por vontade própria aparecendo onde bem lhe convir. Seu olhar fixo e enigmático de forma a encarar a babá é sua grande arma para amedrontá-la e o diretor tira proveito do semblante dúbio do brinquedo. Por exemplo, em certo momento em que é desprezado por ela durante uma noite chuvosa a câmera enquadra o rosto angelical de Brahms de maneira que as sombras dos pingos d’água na janela reflitam como lágrimas em seu rosto, cena-chave que demarca a intensificação das manifestações sobrenaturais. Poderia ser uma ação criativa e de plasticidade de Bell, mas um pouco adiante ele busca novamente o efeito com uma goteira que pinga estrategicamente sobre o rosto do boneco mais uma vez invocando sua tristeza e vocação para atos demoníacos. E assim, repetindo efeitos levemente criativos e outros tantos clichês que Bell vai tocando Boneco do Mal cujo início capta atenção trabalhando em cima da dúvida se existe realmente algo de sobrenatural ou se Greta é atormentada por sua própria mente devido ao estresse de sua vida pessoal ou até mesmo pela ambientação e situação propícias à delírios. A construção do clima é bastante eficiente contando com uma bela proposta de fotografia e da direção de arte, embora nada que surpreenda, apenas siga o caminho de outras produções que acertaram nesses quesitos como O Orfanato, fita coincidentemente produzida pelo citado del Toro. Quando os tormentos passam a dominar a dinâmica do enredo, o filme se entrega a truques manjados para assustar como jogos de sombras, ruídos e até uma estranha cena envolvendo uma manifestação mais ativa da suposta alma do falecido Brahms. Alguém aceitaria um lanchinho do além? O final deixa uma ponta solta para uma possível sequência, mas a julgar pela mirrada arrecadação felizmente ficaremos apenas com um exemplar do filme que no final das contas, mesmo com uma somatória considerável de erros e furos, ainda consegue ser melhor que muitos suspenses contemporâneos a ele.

Suspense - 97 min - 2016

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