NOTA 5,0 Inicialmente intrigante, bom argumento aos poucos é minado por trama repleta de clichês, situações inverossímeis e final desconectado |
O bom envolvimento inicial,
contudo, é minado pouco a pouco pelas próprias ações da protagonista.
Alternando astúcia e ingenuidade, Greta parece nunca ter assistido a um filme
de terror, metendo-se em situações de risco sem pestanejar. Ela explora a casa
usando apenas uma toalha após perceber que todas suas roupas sumiram, passa uma
noite de certa calmaria no sótão que abre e se fecha misteriosamente e trava um
estranho diálogo com seu protegido através de uma porta dando a entender que
está lidando com algo fora da realidade, mas nada a faz querer fugir do
casarão. Voltar para sua realidade de maus tratos parece amedronta-la muito
mais. E o que poderia ser uma simples válvula de escape para o sofrimento de um
casal de idosos acaba ganhando sérios contornos quando Greta se sente
pressionada pelo próprio boneco a oferecer cuidados e carinhos de verdade. A
moça passa a suspeitar de que realmente o espírito do falecido Brahms habita o
brinquedo e como qualquer criança faz de tudo para chamar atenção. Barulhos
estranhos, objetos que somem e aparecem misteriosamente e a sensação de estar
sempre sendo vigiada são algumas impressões que se confundem com os pesadelos
da babá cuja única companhia (ao menos humana) é de Malcolm (Rupert Evans), o
rapaz encarregado de semanalmente abastecer o casarão com suprimentos, pagar as
contas e que também compactua com a história maluca por piedade a seus patrões.
Entrando em cena apenas em momentos providenciais, o jovem é o inerente
interesse romântico da protagonista, além de manter o equilíbrio emocional e
psicológico dela, ou seja, um potencial rival para Brahms, contudo o roteiro do
estreante Stacey Menear só trabalha o gancho do ciúme no ato final quando a
trama dá uma guinada e acelera o ritmo, algo desnecessário, gerando uma série
de perseguições que nos remete ao clímax das manjadas fitas de seriais killers.
O bom rendimento até então fica comprometido com uma improvável revelação, além
do aparecimento forçado de Cole. Se Greta aceitou uma situação tão bizarra por
medo do namorado, não encontramos justificativas para a forma tranquila com a
qual a moça recebe sua visita que mais cedo ou mais tarde aconteceria
inevitavelmente. Não é spoiler algum revelar esse reencontro, o final-surpresa
é completamente outro e divide opiniões. Quando paramos para juntar as peças do
quebra-cabeças ele não faz muito sentido, embora pudesse servir a um complexo
gancho psicológico e emocional envolvendo o casal Heelshire, diga-se de
passagem, a essa altura já expulsos da produção há um bom tempo, um desperdício
de material visto que o comportamento ríspido e metódico da senhora em contraponto
a calmaria e pouco mais de razão que regem o marido poderiam agregar mistérios
à trama. No entanto, eles simplesmente introduzem o argumento e desaparecem em
uma cena plasticamente bela, mas dispersa no conteúdo por falta de explicações.
Abordando a chamada pediofobia, a
aversão relacionada a bonecos, mas fugindo do humor involuntário de Brinquedo Assassino e se aproximando
mais do estilo de tensão provocado por Annabelle,
é uma pena que o diretor William Brent Bell, do mais realista A Filha do Mal, pegue leve nos sustos. As
ações do boneco são veladas já que ele sempre permanece inerte diante de Greta,
mas comumente parece movimentar-se por vontade própria aparecendo onde bem lhe
convir. Seu olhar fixo e enigmático de forma a encarar a babá é sua grande arma
para amedrontá-la e o diretor tira proveito do semblante dúbio do brinquedo.
Por exemplo, em certo momento em que é desprezado por ela durante uma noite
chuvosa a câmera enquadra o rosto angelical de Brahms de maneira que as sombras
dos pingos d’água na janela reflitam como lágrimas em seu rosto, cena-chave que
demarca a intensificação das manifestações sobrenaturais. Poderia ser uma ação
criativa e de plasticidade de Bell, mas um pouco adiante ele busca novamente o
efeito com uma goteira que pinga estrategicamente sobre o rosto do boneco mais
uma vez invocando sua tristeza e vocação para atos demoníacos. E assim,
repetindo efeitos levemente criativos e outros tantos clichês que Bell vai tocando
Boneco do Mal cujo início capta atenção
trabalhando em cima da dúvida se existe realmente algo de sobrenatural ou se Greta
é atormentada por sua própria mente devido ao estresse de sua vida pessoal ou
até mesmo pela ambientação e situação propícias à delírios. A construção do
clima é bastante eficiente contando com uma bela proposta de fotografia e da
direção de arte, embora nada que surpreenda, apenas siga o caminho de outras
produções que acertaram nesses quesitos como O Orfanato, fita coincidentemente produzida pelo citado del Toro.
Quando os tormentos passam a dominar a dinâmica do enredo, o filme se entrega a
truques manjados para assustar como jogos de sombras, ruídos e até uma estranha
cena envolvendo uma manifestação mais ativa da suposta alma do falecido Brahms.
Alguém aceitaria um lanchinho do além? O final deixa uma ponta solta para uma
possível sequência, mas a julgar pela mirrada arrecadação felizmente ficaremos
apenas com um exemplar do filme que no final das contas, mesmo com uma
somatória considerável de erros e furos, ainda consegue ser melhor que muitos
suspenses contemporâneos a ele.
Suspense - 97 min - 2016
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