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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A COLINA ESCARLATE


Nota 8 Carregado de aura gótica, longa é um espetáculo visual, mas limitado narrativamente


O cineasta Guillermo del Toro é um visionário, não há dúvidas. Como ele poucos conseguem equilibrar conteúdo narrativo com estética que ultrapassa os limites da imaginação. Transitando entre o cinema independente, como no suspense A Espinha do Diabo, e os blockbusters americanos, como na aventura Círculo de Fogo, o mexicano consegui um perfeito híbrido de estilos com sua obra-prima O Labirinto do Fauno, mescla de drama, fantasia e terror na qual os atributos técnicos não apenas saltam aos olhos, mas reforçam suas importâncias para contar uma boa história. Seguindo a mesma linha de raciocínio, A Colina Escarlate é um leve sopro de criatividade e bom gosto em meio ao combalido gênero do terror. Projeto acalentado por mais de uma década, o longa é calcado no estilo gótico e uma declaração de amor ao estúdio Hammer, berço das produções de horror entre as décadas de 1950 e 1970. Não por acaso o cenário principal é um suntuoso casarão envolto em aura de mistério e melancolia, algo ressaltado pela fotografia propositalmente envelhecida. A opção além de colaborar para o clima de tensão constante, também destaca os elementos em vermelho carregados de mensagens subliminares. 

À primeira vista a trama é bem simplória evocando o tema-clichê da casa mal-assombrada, porém, como a protagonista Edith Cushing (Mia Wasikowska) deixa claro em sua narração, esta não é uma história sobre fantasmas e sim uma trama com a presença de seres do além, uma sutil diferença na forma de se expressar, mas que faz toda a diferença narrativamente. Ela é uma jovem aristocrata americana aspirante a escritora devota ao pai, o Sr. Carter (Jim Beaver), e que se apaixona pelo misterioso Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), um lorde que apesar da banca de ricaço na verdade está praticamente falido e busca alguém para financiar um projeto envolvendo a extração de uma argila vermelha encontrada sob o solo de sua residência na Inglaterra. Não demora muito e o rapaz desposa a garota e a leva para viver em sua decadente mansão localizada na tal colina que dá nome ao longa, porém, o casal terá que dividir sua privacidade com Lucille (Jessica Chastain), a irmã mais velha dele, uma mulher com personalidade tão fria quanto a casa em que vivem. Ela simplesmente ignora todas as iniciativas da cunhada para serem amigas e de certa forma parece exercer algum poder controlador sobre Thomas, o que leva Edith a acreditar que os irmãos possuem algum segredo em comum. A recém-casada ainda terá que esquivar-se de estranhas situações. Atormentada por aparições e mensagens de sua mãe que faleceu quando ela ainda era uma criança, finalmente fazia sentido seus avisos para tomar cuidado com a colina escarlate. 


A mansão dos Sharpe acaba se tornando um personagem crucial e cada cômodo parece dotado de vida própria, ou melhor, carregam uma misteriosa atmosfera. Ainda que fique latente a sensação de algum tipo de onipresença, não se trata de uma mera casa assombrada e sim a morada de tristes lembranças que afetarão diretamente a vida de Edith. Para acentuar a periculosidade do local, os efeitos das minas de argila, que de certa forma sustentam a propriedade, fazem parecer que a casa em si sangra. Apesar de ameaçadora, a mansão é de uma beleza ímpar com ambientes de proporções gigantescas e ricos detalhes estéticos, mas embora em decadência o diretor evita mostrar sinais de sua deterioração, sendo o mais evidente o fato do hall que dá acesso a escadaria principal estar sempre coberto de neve, folhas ou até mesmo água por conta de fissuras no telhado. A ruína do patrimônio e do nome dos Sharpe parece ser acompanhada pela imagem da matriarca estampada em um imponente autorretrato. Os figurinos também ajudam a frisar pontos da narrativa. Quando está investigando a fundo o passado do marido, Edith surge com um esfuziante vestido amarelo, como se demarcasse que devolveria luz ao cenário marcado pelas cores escuras. Outras vezes Lucille surge usando roupas ou adereços em tons avermelhados, referência óbvia não apenas a sangue, mas também a paixão, o real sentimento que move esta história. 

Wasikowska interpreta uma mocinha que exala vulnerabilidade, mas também demonstra determinação quando se depara com a triste realidade de que seu casamento não é um conto de fadas. Existe todo um cuidado para tornar nítido e crível o fascínio que Thomas exerce sobre Edith a ponto de ela desistir de viver um romance com o gentil e declaradamente apaixonado Alan McMicheal (Charlie Hunnam), um jovem médico pouco aproveitado na trama, tendo sua importância previsivelmente acionada no ato final. Já Hiddleston compõe um mocinho dúbio, nos fazendo acreditar que ama a esposa, mas ao mesmo tempo deixa no ar a sensação de que seu casamento foi unicamente por interesses financeiros. Thomas poderia ser apenas um personagem sedutor, mas cresce com o respaldo das ações de Lucille defendida com determinação por Chastain. Embora sua atuação acabe por revelar o grande segredo do filme precocemente, algo pontuado pelos esforços em preservar a imagem de mulher irrepreensível e altiva, os diálogos afiados entre os irmãos e a própria vilania caricatural desta mulher garantem o interesse na fita que narrativamente fica aquém de seu apuro visual. O roteiro, escrito pelo próprio del Toro em parceria com Matthew Robbins, bebe abundantemente na cultura gótica, mas no epicentro de tudo está um melodrama típico de telenovelas que casa bem com o viés fantasmagórico do argumento, o velho gancho da alma atormentada que precisa encerrar algum assunto mal resolvido no mundo dos vivos para ficar em paz, mas ao final fica a sensação de que o texto poderia ir além. 


Apesar de todas as possibilidades, a proposta não seria realmente uma obra de grandes sustos, mas sim da construção de uma atmosfera incômoda e nisso a produção é vitoriosa. Brincando com visões que podem ser puro delírio ou verdadeiras manifestações sobrenaturais, para criar o visual dos fantasmas mais uma vez del Toro recorreu as habilidades corporais e faciais do ator Doug Jones, especialista em dar vida a personagens digitais ou construídos sob pesados figurinos e maquiagens. No conjunto, o cineasta consegue apresentar uma obra acima da média com foco na originalidade, mesmo sendo repleta de referências clássicas da literatura e do cinema. É fácil identificar elementos tipicamente góticos e da cultura europeia, até mesmo enquadramentos e movimentos de câmera característicos de cineastas mestres no campo do horror. A Colina Escarlate por convenção é catalogado como terror, mas pende muito mais para o suspense, principalmente por conta do ritmo lento adotado. Todavia, a trama que inicialmente pode dispersar a atenção do espectador pouco a pouco faz o reverso e consegue embriagar com sua atmosfera soturna. Ainda assim, sentimos falta de uma exploração maior do contexto histórico em que a ação está inserida. Juntando as peças, compreendemos que o pano de fundo se refere a um período de declínio das potências europeias, mas a liga com a trama fictícia sofre com algumas rachaduras. Mesmo assim, eis um filme com conteúdo e beleza que merece atenção.

Terror - 118 min - 2015


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