Nota 3 Reciclando o tema da criança ligada a forças malignas, longa é previsível e descartável
Após dirigir dois longas de terror de relativo sucesso na Alemanha e com eles conquistar alguns prêmios em festivais, o diretor Christian Alvart foi levado aos states para dirigir a ficção científica Pandorum. Escondido da imprensa brasileira, o longa passou em brancas nuvens repetindo seu anonimato no cenário internacional. A redenção poderia ter vindo com o suspense Caso 39, mas o resultado irregular é justificável pelo acúmulo de clichês que não levam a lugar algum. A trama escrita por Roy Wright, do também fraquíssimo suspense Pulse, tem como protagonista Emily Jenkins (Renée Zellweger), uma assistente social especializada em casos de maus tratos contra menores. Se já não bastassem as 38 investigações com as quais está envolvida, a moça ainda é incumbida de resolver o problema que dá título ao filme, uma situação que transformará sua vida em um verdadeiro inferno. A garota Lilith Sullivan (Jodelle Ferland) é uma criança que está correndo riscos convivendo com os próprios pais, diga-se de passagem, estranhíssimos. Na hora de colocar tudo em pratos limpos a mesma nega que sofre violência em casa, mas Emily percebe a mentira e resolve interceder drasticamente. Após salvá-la de literalmente quase virar um assado (!), a assistente social decide adotar legalmente a menina e é aí que os problemas começam.
Estranhos eventos passam a acontecer no cotidiano desta pacata mulher e revelam que a criança aparentemente inocente na verdade esconde ligações com forças malignas. A trama não tem um pingo de originalidade, mas como uma importante e óbvia revelação é feita antes do fim da primeira metade acreditamos que o longa reserva surpresas. Quem dera. Na verdade o roteiro carece de imaginação, o grande mal que acomete o gênero. Não há como desde o início não suspeitar de que a trama gira em torno de uma criança endemoniada, o que talvez não seria um problema nas mãos de um diretor ou roteirista gabaritado. Deveria ser chocante ver os próprios pais de Lilith prendendo-a em um forno, mas o efeito da cena é constrangedor ou até mesmo engraçado se prestarmos atenção nos exageros de Zellweger que se esforça, mas não convence como uma caridosa destemida. A atriz que geralmente se sai bem em comédias e dramas já havia se aventurado por caminhos mórbidos ao participar de O Massacre da Serra Elétrica – O Retorno, produção obscura de meados da década de 1990, porém, na época tinha a desculpa de estar em início de carreira.
Voltar a estrelar uma produção B após faturar vários prêmios, incluindo o Oscar de atriz coadjuvante por Cold Mountain, era como dar um tiro no pé ou a triste constatação de que os bons produtores esqueceram Zellweger. Todavia, um nome de peso em um filme como este pode ser meio caminho andado para o sucesso. Será mesmo? Nos minutos iniciais a atriz parece confortável em seu papel, mas quando o bicho começa a pegar a loirinha não convence a ninguém com suas caras e bocas de assustada. Pudera se já é difícil gravar cenas fora da ordem cronológica e ainda assim manter a cadência emocional imagine então dar credibilidade a um roteiro no qual as reviravoltas são muitas e em tempo recorde. O pior de tudo é que essas mudanças aparentemente foram alinhavadas forçosamente. O fato é que o sucesso de qualquer filme depende muito da identificação do espectador com o conflito vivido pelo protagonista ou, no mínimo, com o seu perfil, mas Emily é tão insossa que pouco nos importamos com seus problemas. Não há produção que resista a tal equívoco, a não ser que conte com outros atributos, sejam eles visuais ou narrativos, o que não é o caso. Wright até tenta justificar o impulsivo instinto maternal da assistente social associando-o a algum trauma de sua infância, algo ligado a lembranças de sua mãe já falecida, mas tal gancho soa forçado.
Em um filme como este a protagonista geralmente é um tipo influenciável, uma pessoa que acaba se envolvendo cegamente nos conflitos e que precisa de uma ajudinha para cair na real, mas Emily é quase como um fantoche dentro de um roteiro que quer ser mais do que pode. Tudo acontece rápido demais e Zellweger tem a ingrata tarefa de nos fazer crer, por exemplo, no carinho repentino que surge entre Emily e Lilith a ponto da assistente levar a menina para a sua casa e pensar até mesmo em adotá-la. No entanto, basta assistir a um depoimento dos pais da garota para ela imediatamente concordar com eles e perceber que está ajudando um lobo em pele de cordeiro, isso como se já não estivesse explícito no rosto deles desde o início o medo que sentiam da própria filha. Aliás, diga-se de passagem, os pais da capetinha, Margaret (Kerry O’Malley) e Edward (Keith Rennie), poderiam render mais e até colaborarem para manter a dúvida no ar se a filha realmente seria um ser endemoniado ou apenas uma vítima de um casal desequilibrado, mas o roteirista faz questão de resumir ao máximo a participação do casal e a todo momento ratificar o cunho religioso do argumento.
Entre muitos sustos gratuitos, como um despertador que toca do nada ou telefonemas estranhos, Wright faz de tudo para dar coesão a sua trama, mas não consegue situar de forma adequada os personagens e tampouco amarrar os clichês. O ator Bradley Cooper, por exemplo, surge como o psicólogo Douglas J. Ames, o inerente interesse amoroso da protagonista, porém, subvertendo expectativas. De possível herói ele se torna a vítima fatal de um enxame de vespas. Isso mesmo! Os insetos, clichezão do gênero, também batem cartão na trama surgindo e desaparecendo como num passe de mágica. Conscientes da fragilidade e falhas do projeto, os próprios produtores trataram de engaveta-lo por três anos e o lançaram pegando carona no burburinho gerado por A Órfã, longa com o qual guarda ligeira semelhança quanto ao argumento. Caso 39 é mais um título a engrossar a lista de suspenses esquecíveis e que vez ou outra tapam buraco nas madrugadas da televisão.
Suspense - 109 min - 2009
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