O mínimo que se espera de uma fita de suspense com pegada sobrenatural é levar alguns bons sustos e houve um tempo em que Hollywood era referência no assunto, porém, com o passar do tempo, se perdendo em meio a inúmeros clichês ou incapacidade de inovar, a Meca do cinema viu uma luz no fim do túnel para o gênero recorrendo a refilmagens de longas de horror orientais como O Chamado e O Grito. Não demorou muito e a turminha de olhinhos puxados reivindicou seu espaço no mercado internacional e o resultado foi a saturação da fórmula das almas penadas que buscam vingança ou clamam por justiça. Chegou então a vez do cinema latino literalmente assustar a concorrência, ainda que de forma tímida se compararmos com a febre que foi a época dos poltergeists asiáticos. O longa espanhol O Orfanato até foi apontado por alguns críticos como um marco, uma produção capaz de apontar novas diretrizes para os gêneros de terror e suspense. O tempo passou e provou que o entusiasmo era apenas fogo de palha, embora a qualidade da produção ainda coloque a obra em posição de destaque. O roteiro de Sergio G. Sánchez nos apresenta à Laura (Belén Rueda), uma mulher que retorna com sua família ao orfanato onde passou parte de sua infância com a intenção de transformar o casarão em um abrigo para crianças com necessidades especiais. Como jamais retornou para rever seus colegas, sua volta ao local soa como uma espécie de dívida de gratidão.
A mudança acaba despertando a imaginação de Simón (Roger Príncep), o filho adotivo de Laura, que começa a falar sobre amigos imaginários, mais precisamente seis crianças cujos nomes remetem a alguns dos antigos internos, o que deixa a proprietária do casarão inquieta. Tudo piora quando o garoto desaparece durante a festa de reinauguração do orfanato. A partir de então, a mãe desesperada e Carlos (Fernando Cayo), seu marido, passam a procurar Simón por todos os cantos da casa, uma busca incessante que se arrasta por meses e calcada na suspeita de que os tais amigos imaginários realmente existem e o esconderam em algum lugar. Como desgraça pouca é bobagem, o menino é soropositivo e precisa tomar remédios controlados, diga-se de passagem, uma informação que não é bem trabalhada ao longo da trama. Nesse meio tempo vários acontecimentos estranhos passam a ocorrer, levando o casal até então cético a buscar a ajuda de parapsicólogos (o ator Edgar Vivar, o Sr. Barriga do seriado "Chaves", participa como um desses auxiliares). A investigação do passado da residência os leva a descobrir fatos intrigantes envolvendo um dos menores que lá residiu. Aliás, a aparição de tal criança com uma espécie de saco de pano cobrindo seu rosto desfigurado é um dos pontos altos do filme, tanto quando sua imagem é revelada em um antigo vídeo caseiro quanto no momento em que Pilar se depara com seu possível espírito.
Acreditando na hipótese do filho ser vítima de algo sobrenatural, o casal busca ajuda da médium Aurora (Geraldine Chaplin) que visita o casarão e suas apavorantes reações são captadas através de monitores que mostram em tempo real seu contato com as almas perturbadas que habitam o local. Diferentemente do estilo hollywoodiano, os mistérios são desenvolvidos sem pressa, as revelações surgem através de jogos propostos pelos tais espíritos infantis e Pilar, por ter ligações afetivas com o local, parece ter sido escolhida a dedo para remexer em amargas lembranças. Como em um suspense à moda antiga, os momentos de tensão são bem dosados e a atmosfera construída ajuda a deixar o espectador em constante estado de alerta, afinal a qualquer momento algo de inesperado pode acontecer. O diretor Juan Antonio Bayona na época fazia seu debut no cinema com o pé direito conseguindo criar sequências e imagens de dar inveja a muitos cineastas americanos. Como exemplo de seu traquejo temos a já citada passagem da visita da paranormal.
Seria muito fácil assustar ou ironicamente constranger o espectador colocando em cena espectros materializados, mas o diretor opta por não registrar as visões da médium e sim manter o foco em suas perturbadoras reações. Mesmo com a tecnologia de câmeras que seguem cada passo dela, não conseguimos enxergar nada de mais nas imagens, mas é quase possível imaginar o que ela vê tamanho o realismo da sequência. Visualmente e pelas semelhanças narrativas, não é exagero dizer que a obra lembra muito o excelente Os Outros, mas nem por isso deixa de ter sua própria identidade, a começar pelo fato de ser falado em espanhol e com rostos pouco conhecidos, o que não chegou a ser um entrave para a sua carreira internacional. O abre-alas para a boa aceitação atende pelo nome de Guillermo Del Toro, o diretor mexicano do premiado O Labirinto do Fauno. Atuando como produtor, sua alcunha na publicidade do filme foi o bastante para chamar a atenção e com uma mixaria de dinheiro de certa forma ele conseguiu imprimir seu estilo na obra. Além do casamento de horror e fábula, o diretor evoca um de seus primeiros trabalhos, A Espinha do Diabo, ao contar uma nova história envolvendo um abrigo de crianças assombrado.
Bayona é engenhoso e faz de um trabalho repleto de clichês algo chamativo graças a seu apuro quanto aos aspectos técnicos. Da criança que vê fantasmas e desenha figuras macabras, passando por balanços de jardim que se mexem sozinhos ou portas que se abrem e fecham sem mais nem menos, o arrojo visual faz toda a diferença, afinal o importante aqui é criar um clima propício para envolver o espectador a ponto de ele sentir constantes calafrios. Mesmo sendo antecipáveis, o cineasta consegue oferecer sustos de qualidade com a ajuda da direção de arte, fotografia e iluminação que privilegiam o sóbrio. O Orfanato acerta ao se preocupar mais em enfatizar o terror psicológico da mãe, assim permitindo que sua intérprete demonstre todo seu talento praticamente carregando o filme nas costas. Ela consegue compor uma personagem atípica para o gênero, uma mulher que não desperta simpatia, mas ainda assim nos convence a partilhar de seu drama e a torcer por um final positivo. Será que ele existe?
Achei um baita filme, inclusive está na lista dos 100 melhores da década que eu fiz no meu blog...
ResponderExcluirmas quando eu assisti não reconheci o seu Barriga, por mim passou despercebido, vou de novo pra vê se noto dessa vez! rsrs
Também adoro, grande suspense.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Nunca assisti um filme de terror, com um final tão lindo e emocionante kkkkk muito bom O Orfanato
ResponderExcluir