NOTA 10,0 Um dos primeiros filmes sobre seriais killers mascarados sobrevive à ação do tempo dando uma aula de como estimular o medo |
Os festejos do Dia das Bruxas é
uma das mais tradicionais comemorações dos EUA, mas a moda acabou se estendendo
a outros países. No Brasil, escolas tentam manter vivo o hábito da busca dos
doces ou truques e as baladas convidam o público a participarem fantasiados,
mas sem dúvida a grande tradição para comemorar a data por aqui é a reunião
caseira para curtir filmes de terror na companhia de pipoca, refrigerante e
outras guloseimas. Quem está começando a vivenciar o noitão de cinema de horror
certamente deve colocar na lista de títulos a serem exibidos Halloween
– A Noite do Terror, um marco do gênero que envelhece cultuado por
nostálgicos e angariando novos adeptos. Contudo, não estranhe se ouvir algumas críticas
negativas ao longa. Falam tanto desse filme, mas cadê o sangue e a adrenalina?
Sim, muita gente deve assistir e em um primeiro momento não ver nada de mais na
produção setentista que apesar de ser a respeito de um serial killer (ou
conhecido também como slasher) não é um produto banal, pelo contrário, provoca
o espectador a refletir sobre o que é o medo. Como um dos percussores deste
subgênero do terror, praticamente todos os clichês batem cartão. Temos o
assassino mascarado e que parece imortal, seus métodos “caseiros” de matar, as
jovens vítimas, a libertinagem fazendo alusão ao prenúncio da morte e uma penca
de sustos falsos, enfim tudo aquilo que você já viu em Lenda Urbana, A Casa de Cera e companhia bela. Todavia, os mais
recentes filmes do tipo pecam por não saberem estimular o medo. O roer das
unhas é imposto com cortes de cenas acelerados acompanhados de efeitos sonoros
estridentes, assim o espectador é sempre avisado quando uma morte acontecerá e
não raramente os gritos se transformam em gargalhadas ou frustrações. O diretor
John Carpenter não é conhecido como mestre do terror por acaso. Em 1978, em um
de seus primeiros trabalhos, mesmo com orçamento restrito soube usar a
criatividade e compreendeu como poucos o que é o medo, um sentimento subjetivo
e pessoal, ou seja, cada um pode compreendê-lo de uma maneira diferente. Por
exemplo, a escuridão pode ser perturbadora para alguns que tem estômago forte
para ver cenas de mutilações e vice-versa. Para contar a história do lendário
assassino Michael Myers (Tony Moran), rapaz que na infância assassinou sua própria irmã e
passou quinze anos em um hospício, Carpenter espertamente utilizou cenários,
iluminação baixa e ângulos de câmera como seus fiéis escudeiros, elementos que
por vezes se confundem com o vilão.
Escrito por Carpenter em parceria
com Debra Hill, O filme começa com a câmera assumindo a posição da visão do
assassino que espreita-se pelos cantos de uma casa coberta pela penumbra. Ao
entrar em um dos quartos, uma jovem desnuda é violentamente esfaqueada, mas a
câmera registra o momento de forma recatada. Somente depois descobrimos que o frio
assassino é um garoto de apenas seis anos, flagrado pelos pais com uma faca
ensanguentada e um olhar frio desprovido de qualquer tipo de sentimento em
relação ao que cometera com a própria irmã. Internado em um hospício, quinze
anos mais tarde ele foge e imediatamente começa a matar. Ataca um motorista na
estrada para ficar com suas roupas e consegue roubar um carro (como sabe
dirigir é pifiamente explicado) com o qual parte para Haddonfield, sua cidade
natal a poucos quilômetros do manicômio. Em seu encalço está o Dr. Sam Loomis
(Donald Pleasence), seu psiquiatra que chegou a conclusão que não há tratamento
para Myers, sendo o isolamento sua única forma de mantê-lo vivo. Ele vai até a
antiga casa do paciente, há anos abandonada e considerada amaldiçoada, e
constata que o vilão passou por lá e matou sua fome devorando um cachorro, mais
uma prova de sua total demência. Contudo, o assassino tem uma incomum
inteligência para articular crimes. Rouba a lápide do túmulo da irmã, assalta
uma loja para munir-se de facas e cordas e começa a rondar a região elegendo a
jovem estudante Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) seu alvo preferencial. Ela é
uma tímida garota que irá passar a noite do Dias das Bruxas trabalhando como
babá, mas desde manhã sente que está sendo perseguida por alguém misterioso,
porém, como é dia das pessoas saírem fantasiadas e pregarem peças acredita que
tudo é uma brincadeira. Seria muito fácil arranjar uns oito ou dez amigos
salientes para a mocinha e sustentar o filme em cima da expectativa de saber
quem será a próxima vítima, mas Carpenter opta pela economia de mortes. Apenas
quatro são flagradas (fora a citada da introdução), mas nada é mostrado de
forma explicita, o que certamente frustra os adeptos de sangue e vísceras. A
preocupação é criar um clima para que o espectador sinta a presença onipresente
do vilão. Com a escuridão quase ininterrupta, a cada nova cena deixamos nossos
olhos passearem por todos os detalhes do cenário em busca de algum indício de
que o assassino está à espreita, contudo, nunca temos a certeza se a imagem que
vemos é de fato a mesma que o vilão aprecia. Talvez por isso o assassino em
pessoa apareça tão pouco, afinal a excepcional construção do clima
obrigatoriamente já o faz habitar nosso subconsciente naturalmente dando a
impressão de que ele está em todos os lugares.
Embora sempre lembrado como
grande ícone do terror ao lado de seus sucessores Jason Voorhees (Sexta-Feira 13), Freddy Krueger (A Hora do Pesadelo) e até mesmo de seu
antecessor Leatherface (O Massacre da Serra
Elétrica), Myers representa a personificação do medo de forma econômica.
Sua máscara desprovida de semblante, seu porte que revela sua força descomunal
e suas aparições geralmente em meio à escuridão e acompanhada de uma trilha
sonora marcante e de arrepiar (composta pelo próprio Carpenter) são o bastante
para causar frio na espinha. Para os adultos ele representa o temor de na rua
ou dentro de sua própria casa vir a ser vítima de um psicopata. Para as
crianças, Myers é o temido bicho-papão, aquele monstro que leva embora quem é
desobediente. Também pode assumir o papel daquela assombração que vez ou outra
temos a impressão de sentir a presença ou cujo vulto faz sombra nas paredes.
Contudo, para sentirmos a real ameaça que este homem representa talvez seja
preciso fazer um esforço para voltarmos aos anos 70 e assim descobrir o que
significou seu surgimento. As diversas continuações da franquia e o excesso de
slashers que tomaram de assalto o cinema e o mercado do home vídeo nos anos
seguintes acabaram por descaracterizar o vilão que ao longo dos anos tornou-se
uma máquina de matar descontrolada. Quem é dos tempos das fitas VHS e quando
filmes na TV eram um evento sabe o gostinho de assistir algo que antes no
cinema era proibido. A sensação de quebrar uma barreira era equivalente a de um
amadurecimento repentino e o mesmo seria representado no filme. Fisicamente é
inegável o medo que Myers provoca, mas poucos param para pensar que
psicologicamente ele também representa os temores inerentes ao crescimento. A jovem
que sobrevive a sua perseguição jamais recuperaria a inocência de antes, algo
que perdeu em apenas uma noite e que faz alusão ao tabu da virgindade. Sabemos
que liberdade sexual sempre existiu, mas na época ainda era uma grande afronta
aos bons costumes, assim as ações do assassino também podem ser vistas como um
puritanismo torpe afinal suas primeiras vítimas são os personagens mais
saidinhos, embora fique latente seu prazer aliado à dor. Os mais castos
acabariam saindo com vida do massacre como uma espécie de mensagem moralista ao
público-alvo da fita. Medo de crescer? Promiscuidade? Representação do Mal?
Sabemos que as reais respostas das intenções de Halloween – A Noite do Terror
apenas Carpenter poderia oferecer. Aqui é apenas uma das várias interpretações
que o filme pode ter, mas o que é incontestável é que esta obra prova que seu
sucesso não é em vão. Dificilmente você olhará para um canto escuro como antes.
Ouvir uma respiração ofegante então...
Terror - 91 min - 1978
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