Nota 4 Drama não empolga usando o sumiço de um cão para forçar humanos a se entenderem
A imagem de um cachorro estampada no material publicitário de um filme é um convite para seduzir as crianças, mas produções como Marley e Eu e Sempre ao Seu Lado provam que o chamado melhor amigo do homem também pode ser um grande intérprete capaz de levar adultos às lágrimas com suas emoções genuínas expressas por um olhar triste ou um balançar do rabo. Talvez tentando repetir o sucesso das obras citadas, Lawrence Kasdan resolveu abandonar sua aposentadoria não oficial que já durava quase uma década. Desde que amargou duras críticas pelo estranho O Apanhador de Sonhos, fracassada adaptação de um livro de Stephen King, o diretor certamente se sentiu desmotivado a continuar sua carreira, mas retomou as forças quando escreveu ao lado da esposa Meg Kasdan o roteiro de Querido Companheiro, drama com sutis toques de humor extremamente simples e talvez seja justamente esse seu maior pecado. Quem decide assisti-lo ao acaso, sem saber nada a seu respeito, provavelmente cria a expectativa de que algo grave acontecerá ao cachorrinho que justifica o título ou então que algum dos personagens vai sofrer algum conflito que refletirá diretamente no comportamento do animal de estimação. Na realidade, neste caso o cão não mostra o fucinho a maior parte do tempo.
Beth (Diane Keaton) e sua filha caçula Grace (Elizabeth Moss) estão passando por uma estrada quando avistam no acostamento um cachorro, abandonado e sofrendo as consequências de um rigoroso inverno, e com pena decidem levá-lo até um veterinário. Sam Bhoola (Jay Ali) o examina e constata que ele não tem nenhuma doença ou ferimento, apenas precisa de bons tratos, mas devido a sua idade avançada seria difícil alguém adotá-lo e muito provavelmente em alguns poucos dias seria necessário sacrificá-lo. Como boa mãe coruja, e não raramente chatinha, Beth decide levar o cão para casa, mesmo sabendo que seu marido Joseph (Kevin Kline) nunca gostou de animais de estimação. O casal combina que a situação é temporária, apenas até acharem alguém disposto a cuidar decentemente do bicho, mas uma vez incorporado à família... Batizado de Freeway, o cão passa a ser o xodó do clã e regularmente é visitado pelo Dr. Bhoola para acompanhar sua adaptação e desenvolvimento, mas ele tem um interesse a mais: paquerar Grace que corresponde ao interesse e um ano depois o jovem casal está trocando alianças na casa de veraneio dos pais da moça. Quando os recém-casados partem para a lua-de-mel e os convidados vão embora, o casal anfitrião fica responsável por organizar o local e vão ter a companhia de Penny (Dianne Wiest), irmã de Joseph, de seu novo namorado Russell (Richard Jenkins) e do filho dela Bryan (Mark Duplass), este que tem uma dívida de gratidão com o tio por ele ter pago seus estudos de medicina e conseguido uma vaga para ele no mesmo hospital em que trabalha.
Com exceção da própria Penny, parece que ninguém na família se simpatiza muito com o novo pretendente dela, pois ele é uma pessoa instável financeiramente e temem que limpe as economias da namorada agora que ela aceitou ajudá-lo a abrir negócio próprio. O contato durante e após a festa poderia ajudar a todos a mudarem de opinião sobre Russell, no entanto, acontece um empecilho que monopoliza a atenção de todos. A região montanhosa e cercada de vegetação abundante seria perfeita para Freeway ter um pouco mais de liberdade, mas em um dos passeios Joseph se distrai e acaba o perdendo de vista, o que deixa Beth em pânico e irredutível quanto a voltar para casa sem o bichano. O grupo então se divide para procurar o mascote e nessa missão será de grande importância o sétimo sentido de Carmen (Ayelet Zurer), a empregada da casa de campo que consegue fazer previsões que ajudam a traçar o trajeto do desaparecido. Na teoria sua participação na trama funciona, mas na prática soa muito falso seu poder mediúnico. Por outro lado, a moça tem seu valor por servir de interesse romântico à Bryan que está ressentido quanto a assuntos do coração. A comoção para encontrar Freeway também servirá para que os demais personagens resolvam conflitos. Penny poderá analisar as reações do namorado diante das desconfianças dos familiares e ver se ele é o homem certo para reconstruir a vida amorosa. Já Beth finalmente terá um tempo a sós com o marido para uma conversa franca.
Cansada de Joseph dar mais atenção ao trabalho que à família, o estopim é quando ele faz um comentário ironizando o desespero da esposa, não tendo sensibilidade para perceber que sua ausência e a saída das filhas de casa foi suprida por Beth na figura do cãozinho a quem ela podia dedicar atenção e ocupar seu tempo ocioso, assim o animal tinha tanta importância para ela quanto um ser humano. Da dificuldade então nasce a esperança para os personagens, a chance de conhecerem melhor uns aos outros e a si mesmos. Percebe-se que não existe a preocupação em construir uma narrativa arrebatadora, mas sim realizar uma obra onde as relações humanas estão em primeiro lugar, tanto que dos seis personagens que carregam boa parte da trama quatro deles fazem parte do time dos mais experientes, mas provando que tal rótulo não significa o pleno conhecimento da vida. Kasdan defende que Hollywood não faz mais filme sobre pessoas e não oferece bons papéis aos atores mais velhos, no entanto, o cinema independente pode suprir tal necessidade e é justamente esse clima alternativo que exala Querido Companheiro, um drama leve e com proposta muito simples, mas é uma pena que o diretor extrapole na receita.
Na condução de O Reencontro e Grand Canyon - Ansiedade de Uma Geração, dois dos mais famosos trabalhos do diretor, ele já havia usado o argumento da reunião de um grupo de pessoas com idades semelhantes discutindo suas frustrações e sonhos, mas o estilo desta vez não funcionou completamente. Chega um momento que ficamos saturados de tanta conversa fiada, principalmente de ouvir Keaton falar compulsoriamente, tipo de papel neurótico que a atriz incorpora rotineiramente já há alguns anos. Com o estilo adotado para conduzir a trama, o interesse pelo destino dos personagens cai consideravelmente e até do cãozinho nos esquecemos, o que justifica o lançamento do longa em vários países diretamente para consumo doméstico, já que não haveria chances de repetir o fenômeno da relação de carinho estabelecida entre Owen Wilson ou Richard Gere e seus respectivos bichinhos nos filmes citados no início do texto.
Drama - 103 min - 2012
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