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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

REFLEXOS DA INOCÊNCIA


Nota 7 Obra instiga a reflexão sobre como experiências de vida podem influenciar no futuro


Quando somos jovens a vida parece infinita e as novidades são oferecidas aos montes, assim é comum fazermos escolhas erradas, experiências que em um primeiro momento podem parecer insignificantes, porém, mais adiante poderão fazer muita diferença. A juventude é para isso mesmo, experimentar para aprender a discernir o que é certo ou errado, obviamente procurando ter cautela para não se afundar na lama precocemente. Quando chegamos à casa dos 30 ou 40 anos é comum a reflexão sobre o que vivemos a fim de encontrar respostas para situações do presente ou soluções para o futuro. Todos tem um passado e inevitavelmente ele influencia o restante da vida, seja para o bem ou para o mal. É essa consciência que o egocêntrico personagem de Daniel Craig vivencia no drama Reflexos da Inocência. Ele interpreta Joe Scott, um ator que já viveu seu período de auge em Hollywood, mas hoje é frustrado com a fama, recebe poucos convites de trabalho e preferiu se isolar em sua mansão onde gasta seu dinheiro com extravagâncias, bebidas, drogas e sexo. O protagonista seria o estereótipo de várias celebridades que já experimentaram o sucesso, depois amargaram o ostracismo e procuraram compensação nos vícios e na vida promíscua. 

A introdução se dedica a realçar tal perfil, mas em tempos em que um filme deve fisgar a audiência em tempo recorde digamos que o início da obra é um tanto arriscado, com diálogos e situações que parecem desconexos e o próprio Scott é de causar repulsa com suas neuroses que conflitam com seu jeito explosivo em outros momentos. Sua percepção da vida começa a mudar quando certo dia recebe um telefonema da mãe, obviamente com quem não se comunicava há tempos, avisando que seu melhor amigo de infância havia falecido inesperadamente. A notícia mexe com seu gélido coração e assim ele é forçado a encarar seu passado, reencontrar pessoas e reviver situações, inclusive uma tragédia que causou grande impacto nos rumos que sua vida tomou. Na realidade, antes de voltar à cidade onde passou sua infância e juventude, Scott se prepara relembrando momentos importantes e que justificariam o que ele é hoje. Ao contrário da maioria dos filmes com temática semelhante, aqui os flashbacks não intercalam a trama, na realidade praticamente a sustentam. Um grande bloco de memórias nos ajuda a compreender a vida vazia deste homem e seus atos futuros quando volta à Inglaterra. 


Craig, também produtor da fita, literalmente abre e fecha o longa, mas seu personagem só ganha a simpatia do público quando entra em cena Harry Eden que interpreta Scott na juventude, época em que vivia com a família em uma bela casa de frente para o mar e aprontava poucas e boas ao lado do grande amigo Boots (Max Deacon). Inseparáveis, a dupla compartilhava sonhos, descobertas e frustrações, o que incluía a iniciação sexual. O futuro ator não conseguiu resistir a sedução de Evelyn (Jodhi May), uma mulher casada e mais velha cujo marido estava sempre ocupado trabalhando. Além de não se sentir amada, ela também era frustrada em sua relação com a filha, a pequena Jane (Jodie Tomlinson), pois acredita que a menina a repudiava desde que era um bebê. Aproveitando a inocência e ansiedade sexual de seu vizinho adolescente, ela acaba o envolvendo em uma tórrida relação que é interrompida abruptamente por um incidente, algo que os leva a carregar um sentimento de culpa, algo tão ruim que levou Scott a fugir da cidade e passar a renegar seu passado, ainda que nele estivesse um dos momentos mais bonitos de sua vida. Como qualquer jovem ele tinha interesse em viver um romance proibido com uma mulher mais velha, mas também se sentia atraído por garotas de sua idade e teve a chance de passar uma noite inesquecível com Ruth Davies (Felicity Jones), a menina mais bonita e divertida que ele conhecia. Não por acaso ela também despertou a atenção de Boots.

Graças a Ruth, mesmo que vivenciando um único encontro, Scott tomou contato com um novo universo, um mundo de música, inspirador e glamoroso.  Com roupas brilhantes e forte maquiagem a la David Bowie, que também teve canções selecionadas para a trilha sonora, juntos eles dublam "If There is Something'', sucesso do grupo Roxy Music, uma daquelas músicas antigas que despertam memórias. Mesmo quem nunca a escutou dificilmente não se sentirá atraído pelo climão da cena, pura nostalgia mesclada à inocência, uma sequência em câmera lenta mil vezes mais sedutora que se comparado aos créditos iniciais ilustrados por imagens de apelo sexual. Além de retratar um pouco da cultura dos anos 1970, deixando clara a influência dos ídolos pop no desenvolvimento da juventude, a tradução da música tem tudo a ver com a essência do filme, fala sobre como algumas coisas parecem mais belas ou distantes quando se é jovem, mensagem que casa bem com o ato final da produção. Craig retorna à cena no último ato para o enterro de Boots, mas para variar chegou tarde demais, porém, não o bastante para cumprir seu real objetivo: reencontrar Ruth, agora vivida por Claire Forlani. Como a paixão avassaladora por Evelyn e a tragédia que se seguiu impediram que Scott investisse numa relação mais promissora, a garota que poderia ter mudado o destino de Scott acabou se casando com Boots, mas mesmo agora viúva não daria mais para reatarem, nada mais seria como antes.


Apesar de praticamente incluir um filme dentro do outro, algo demarcado pelas mudanças visuais e emocionais, o apático presente cedendo espaço ao caloroso passado, muitas pessoas podem achar estranho como os antigos eventos poderiam influenciar tão drasticamente no futuro do protagonista cuja versão jovem não tinha o menor traço de negativismo. Estamos tão acostumados a enredos mastigadinhos e que reiteram ideias que acabamos por perder a sensibilidade de compreender pequenos detalhes como o valor de uma única noite de diversão inocente. Pela premissa, há quem também possa sentir falta do clichê do conflito entre o protagonista e seu grande amigo do passado. Por que se afastaram? Quem fez mal a quem? No fundo, o roteiro de Baillie Walsh, também diretor, quer falar puramente sobre inocência. Devido a culpa que inesperadamente passou a carregar, Scott simplesmente achou melhor renegar a tudo e recomeçar a vida em outro lugar, optando por uma rotina descompromissada, afinal ele melhor do que ninguém sabia que de uma hora para a outra as relações podem desmoronar e essa convicção passou a guiar suas ações pessoais e profissionais até que ambos os caminhos colidiram rumo ao abismo. Com toda pinta de projeto alternativo, Reflexos da Inocência é uma obra intimista, tocante e que certamente poderá mexer com o emocional de quem se identificar com o conflito do protagonista, algo um tanto comum e que exige equilíbrio para saber lidar.

Drama - 113 min - 2008

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