NOTA 6,5 Apesar dos vários clichês, longa envolve com trama intrincada a respeito de um crime que revela preconceitos e corrupção na polícia |
O título já diz tudo. A
Face Oculta da Lei é mais um filme que tem como objetivo escancarar a
hipocrisia existente dentro da própria polícia, instituição que deveria lutar
pelos direitos e segurança da população, mas a ganância acaba levando seus
membros a serem corrompidos e a entrarem em esquemas de corrupção, roubos,
tráficos de drogas, prostituição e tudo mais que envolva o submundo, justamente
as mazelas que eles deveriam combater. Para abordar tal tema, sabemos que os
clichês do gênero policial não podem faltar. Bandidos com linguajar chulo, tiroteios,
perseguições, vagabundas, consumo de entorpecentes, muita bebida e claro que
não se pode excluir o velho conflito entre uma dupla de homens da lei
completamente diferentes um do outro. Aqui eles são representados por Eldon
Perry (Kurt Russell) e Bobby Keough (Scott Speedman), respectivamente a cobra
criada e fardada e o novato na máfia... Quer dizer, na polícia. O filme começa
em meados de 1991 com uma perseguição policial a um foragido, um negro que
quando foi capturado acabou sendo agredido pelas autoridades até morrer. Um ano
depois os quatro agressores, todos brancos, estão sendo julgados, não escaparam
do crivo de seus superiores, e correm o risco de perderem o cargo na polícia. A
situação é tensa porque mais que julgar a morte de um ser humano, independente
de ser realmente um bandido ou não, o caso envolve racismo. Essa introdução é
apenas para situar o espectador no contexto da época quando os constantes
abusos da polícia de Los Angeles provocaram um grande motim de rua, uma
verdadeira guerra entre raças. Baseado em um roteiro de James Ellroy, de Los Angeles – Cidade Proibida, o projeto
ficou a espera de um estúdio que o bancasse por quase uma década até que ele
foi parar nas mãos de David Ayer que o reescreveu inteiramente, mantendo apenas
os nomes dos personagens e as ações concentradas no início da década de 1990. A
história em si começa de uma forma confusa. Após o citado crime, que depois só
será lembrado em alguns momentos para reforçar o cenário de conflito, duas
tramas simultâneas começam a ser desenvolvidas. Keough entrou apenas há três
semanas na polícia e já está sendo investigado por má conduta, teria matado um
homem alegando que agiu em legítima defesa e seguindo os ensinamentos que
recebeu em seu treinamento, tendo total aprovação de Perry, seu parceiro. O
caso acaba sendo acatado por seus superiores que o absolvem e ele até ganha
fama pela sua coragem e ousadia, mas logo terá que provar se realmente é um bom
profissional ou apenas contou com a sorte de principiante.
Enquanto rolava esse julgamento
interno na polícia, dois bandidos encapuzados assaltavam a loja de
conveniências de um chinês, fizeram cinco vítimas e Perry e Keough são
designados a cuidar das investigações. O novato é detalhista, observa a cena do
crime, elabora hipóteses, mas seu experiente parceiro é mais explosivo e quer
ir logo à caça de possíveis suspeitos, colocando em sua mira grupos de negros
que barra nas ruas e trata com violência e autoridade para tentar arrancar
alguma confidência. Em uma dessas batidas, jogando verde para colher maduro,
eles conseguem arrancar algumas informações de Darryl Orchand (Kurupt) que
afirma que conhecia o dono da tal loja, mas sempre respeitou o acordo de ele e
seus “manos” ficarem longe em troca de bebidas grátis. Sem provas concretas o
bandido acaba sendo liberado, mas não contava que a quinta vítima sobreviveu.
Um catador de sucatas foi baleado bem na garganta quando os criminosos saiam da
loja e embora não pudesse falar tinha suas mãos para dar respostas aos
policiais, afirmando por escrito que conseguiu distinguir que os bandidos eram
um negro e um branco. Juntando pistas os detetives tem certeza que Orchand e
seu inseparável parceiro Gary Sidwell (Dash Mihok) foram os responsáveis pelos
assassinatos, mas agiram sob o comando de alguém bem mais poderoso de olho na
grana do chinês que não era nenhum santo e estava metido até o pescoço com
negócios ilegais. O contratante tinha um acordo de ficar com boa parte dos
lucros dos roubos e deixar alguns trocados para os bandidos. Conforme avançam
as investigações, a dupla se depara com uma rede de intrigas e corrupção que
atinge até o alto escalão da polícia local. Os suspeitos são conhecidos por
trabalharem como informantes para Jack Van Meter (Brendan Gleeson), a quem
Perry e Keough são subordinados. O chefe obriga que eles peçam as prisões
preventivas de outros dois meliantes já com ficha bem suja na polícia e que
mintam afirmando que seus colaboradores estavam fora da cidade a seu serviço.
Apesar de saber que isso é errado, Perry acredita que não pode trair a memória
de seu pai que foi parceiro desse cara-de-pau e tem convicção de que Los
Angeles só não sofreu um colapso fulminante graças as ações dúbias dos
veteranos. Seu pupilo também procura entrar no jogo sujo em prol de sua
carreira, mas a partir de então o rapaz passa a sempre ter um pé atrás quanto
aos ideais e práticas de seu mentor, situação que mais adiante o forçará a
repensar os rumos que dará a sua vida profissional.
É interessante que em sequências
ou diálogos rápidos é que esta obra adquire o respeito do espectador, são
pequenos detalhes que fazem toda a diferença e a afastam do lugar comum. Não é
um mero entretenimento com tiroteios a cada cinco minutos ensanduichados por
bebedeiras e sexo gratuito. Em duas ligeiras cenas, por exemplo, ficamos
atônitos em descobrir como é fácil dobrar um juiz com uma reles justificativa
para prender dois inocentes (pelo menos neste caso). Tudo na base da amizade, o
que é revoltante e talvez seja isso mesmo que prenda a atenção. Apesar dos vários
clichês, o interesse é mantido pela curiosidade ou indignação de ver até onde
pode ir a falta de ética profissional da policia e autoridades. Paralela a
trama a respeito do assalto, temos ainda as investigações de Arthur Holland
(Ving Rhames), chefe de polícia que tenta a todo custo combater a corrupção
dentro da organização e está desconfiado de que Perry abusa do poder que sua
patente lhe dá direito e está disposto a achar provas que possam afastá-lo do
trabalho, ainda mais agora que o valentão está prestes a ser promovido a
tenente. Para tanto ele conta com a ajuda de uma fiel e sedutora escudeira da
corporação, Beth Williamson (Michael Michele), que se aproxima de Keough para
tentar descobrir a verdade por trás de seu primeiro e precoce assassinato. Muitos
conchavos, traições, pistas falsas e alguns ganchos desnecessários infelizmente
acabam enfraquecendo o potencial de A Face Oculta da Lei que tinha muito
a apresentar, mas pouco tempo disponível, ainda que sua duração seja acima da
média para seu gênero. O diretor Ron Shelton tentou alinhavar da melhor maneira
possível todas as subtramas, mas inevitavelmente concentrou suas atenções em
cima da relação entre Keough e Perry, cada um com uma visão diferente de se
fazer justiça. O público se divide e acaba compartilhando dos dois pontos de
vistas. Uma polícia bem treinada e ciente de seus direitos, deveres e limites é
essencial, mas quando sua autoridade é afrontada pelos meliantes o que fazer?
Se revidam com violência são punidos, porém, se cruzam os braços também. Quando
Perry esbraveja sem dó alguma que ao matar um bandido só está tirando um merda
do caminho é como se ele dissesse aquilo que estava entalado na garganta do
público e são momentos assim que fazem o longa valer a pena. Para quem curte
perseguição, brigas e tiros, fica o aviso que a ação é adicionada em pouca
quantidade e o final culmina em um previsível discurso a respeito de redenção,
ideais, solidariedade e caráter.
Suspense - 118 min - 2002
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