Nota 7 Alucinações ou profecias? Esta é a dúvida que atormenta personagem complexo
Sucesso de crítica e exibido em diversos festivais, infelizmente O Abrigo foi desprezado pelo público e acabou não arrecadando nem o suficiente para cobrir seu mísero orçamento, mas merece uma segunda chance. A trama se passa em uma pequena cidade em desenvolvimento no estado de Ohio onde vive Curtis (Michael Shannon), um homem trabalhador, honesto e amoroso e dedicado a esposa Samantha (Jessica Chastain) e a Hannah (Tova Stewart), sua filha de apenas seis anos que está prestes a ser submetida a uma cirurgia por conta de uma deficiência auditiva. A família vive em harmonia, mas obviamente tem seus problemas, principalmente financeiros. Enquanto a mulher tenta vender bordados em uma feira popular, o companheiro leva a sério a posição de chefe de família como uma espécie de protetor e cuida para que nada falte em sua casa. Operário de obras, ele tem não tem um emprego dos sonhos, mas ao menos garante a cobertura das necessidades básicas, incluindo um plano de saúde, algo essencial neste momento para Hannah. Contudo, ventos ruins parecem soprar.
O rapaz começa a ser atormentado por constantes pesadelos e alucinações envolvendo ameaças a sua família. Tais pensamentos remetem a uma forte tormenta com catastróficas consequências e são compreendidas por ele como espécies de pressentimentos de que algo ruim está para acontecer. As imagens assustadoras que só Curtis vê fazem um contraponto interessante ao bucólico ambiente em que reside, um local que transmite paz e a sensação de que nada de mal pode vir a abalá-lo, embora a região constantemente sofra com violentas tempestades e tornados, mas não na proporção de seus pensamentos. Sempre ligadas a pessoas, objetos ou animais que fazem parte do seu dia-a-dia, tais alucinações pouco a pouco passam a transtorná-lo drasticamente, desde um simples trovão, passando pelo medo do cão da família atacá-lo ferozmente até o comportar diferenciado de uma revoada de pássaros. Curtis vai se afastando dos amigos, torna-se displicente com o trabalho e perturba a esposa e a filha com delírios acerca do apocalipse, chegando ao ponto de ter obsessão em reformar um antigo abrigo subterrâneo no quintal de sua casa que metaforicamente seria a sua reclusão total. O problema é que o próprio não tem certeza se é assombrado por delírios ou se realmente está tendo visões proféticas.
Aos trinta e poucos anos, Curtis está na mesma faixa etária em que sua mãe foi diagnosticada com esquizofrenia e existe o medo de ter herdado tal doença, o que o faz ocultar ao máximo seus medos dos mais próximos, assim seu afastamento repentino acaba não sendo compreendido por Dewart (Shea Whigham), seu melhor amigo, e também causa constantes confrontos com sua esposa, afinal ela não tem como se fazer de cega diante do comportamento estranho do marido, inclusive ele chega a procurar ajuda psiquiátrica em sigilo e a buscar respostas para seus sintomas em livros especializados. No entanto, o tempo e a preocupação que dedica ao tal abrigo são decisivos para que sua saúde mental seja colocada em xeque, mas Samantha procura relevar inclusive as agressões físicas deixando latente o amor existente entre o casal, uma relação baseada na cumplicidade e compreensão. Fora do ambiente familiar as coisas ganham contornos mais sérios. Com constantes faltas e atrasos, Curtis acaba perdendo o emprego e consequentemente não terá mais condições de pagar o plano de saúde, assim a cirurgia da filha pode ser comprometida. Apesar do peso em saber que suas ações são responsáveis diretas por este infortúnio, lutar contra seus devaneios e sentimentos desesperados é bem mais complicado.
Shannon, apesar do físico robusto, consegue uma interpretação minimalista que transmite com perfeição a fragilidade do homem atormentado, introspectivo, de poucas palavras e exposto a uma série de provações, mas ao mesmo tempo transmite a imagem do homem de olhares atentos, amigável e com plena sabedoria de suas obrigações. A contradição do personagem é que o torna tão crível e envolvente. É interessante ressaltar que as cenas de alucinações são inseridas no longa de forma natural, nunca deixando claro o que é sonho ou realidade, o que representa com fidelidade a difícil situação em que se encontra mental e emocionalmente o protagonista. O diretor e roteirista Jeff Nichols aborda o tema da loucura com seriedade e de certa forma até de uma maneira diferenciada visto que o próprio protagonista toma consciência de sua condição e tenta esconder dos outros, assim tornando seu conflito ainda mais angustiante e claustrofóbico, o que faz alusão ao seu abrigo, uma forma de buscar segurança não só pelos seus medos externos, mas principalmente para encarcerar seus fantasmas internos. Ao mesmo tempo em que busca ajuda convencional, Curtis investe nessa guarida como uma espécie de missão levando em consideração o já citado dever de proteção implícita à figura paterna e também em nome da fé visto que muitos bradam seguros de que o fim do mundo está próximo baseando-se em efeitos de fúria da natureza.
Apesar das boas intenções, o problema é que a construção subterrânea pode trazer consequências irreparáveis para da família. Aproveitando-se sem autorização de equipamentos alheios e chegando a desviar o dinheiro juntado com muito sofrimento para custear a operação da filha, Curtis vai melhorando as condições do abrigo, como trazendo ligações de alimentação de água e eletricidade, e vai estocando suprimentos e cobertores, além de dispensar várias horas de seus dias preso lá dentro como se fosse uma forma de se acostumar com um novo lar, uma maneira ilusória de se afastar de problemas, seja um mal inevitável ou curar-se de sua insanidade. No entanto, longe de tudo sua saúde mental poderia piorar e mesmo na hipótese do apocalipse, por quanto tempo ele se esconderia com sua família? E ao sair, como sobreviver em um ambiente devastado? O Abrigo erroneamente é vendido com aura de filme de terror quando na realidade é um drama psicológico que paralelamente comporta momentos de suspense que não assustam da forma tradicional, mas deixam o espectador extremamente angustiado, pois o drama do protagonista é totalmente possível e até faz uma alusão aos nossos tempos quando as pessoas preferem se trancar em suas casas pelo medo das violências das ruas, todavia, ninguém está a salvo da fúria da natureza que vez ou outra surpreende com um furioso tsunami ou uma corriqueira enchente.
Drama - 121 min - 2011
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