Nota 6 A guerra como fonte de economia e outras críticas contundentes de forma bem humorada
Temas ligados a guerras devem ser tratados com seriedade, ainda mais conflitos recentes envolvendo povos árabes. Bem, o diretor Josh Seftel foi na contramão e acreditou que os problemas entre os EUA e o Oriente Médio podia sim gerar uma comédia e apostou suas fichas em Guerra S.A. – Faturando Alto que passa longe de ser um trabalho excepcional, mas é bem melhor que muito filme por aí que tem a pretensão de fazer o público rir. Fazer as pessoas caírem na gargalhada sem apelar para o humor pastelão é muito difícil, que dirá quando a comédia tem que caminhar paralelamente a um argumento relativamente sério. Com roteiro de Mark Leyner, Jeremy Pikser e do ator John Cusack, também protagonista e produtor, esta obra é uma divertida crítica a absurda realidade do mundo atual, ao negócio lucrativo que é a guerra e sobra espaço até para criticar a indústria de bens de consumo e culturais, mais especificamente o campo fonográfico e midiático. A ação se passa no fictício país do Turaquistão que foi devastado pela guerra e que está recebendo a visita de Brand Hauser (Cusack), um matador profissional que foi enviado para lá a fim de impedir que o empresário Omar Sharif (Ludomir Neikov) construa um oleoduto para escoamento de petróleo.
O assassino foi contratado pela empresa Tamerlane, responsável por manter o monopólio de exploração dos recursos naturais da região e que ganha milhões forjando cenários de guerra em vários países com o intuito de mostrar os pontos positivos e ideológicos das batalhas como a reconstituição moral e ética do local atingido e o advento do direito a liberdade a seus moradores, entre outras pomposas justificativas. A corporação é propriedade do ex-Vice Presidente dos Estados Unidos (Dan Aykroyd) que tomou conta deste país visando apenas lucro, mas agora é preciso se livrar do tal empresário árabe que pode se tornar um grande concorrente. Hauser, um tanto desequilibrado, aceita a tarefa e para tanto ele terá que se disfarçar de produtor de eventos e organizar o casamento da ninfeta pop Yonica Babyyeah (Hilary Duff), uma espécie de Britney Spears idolatrada nos países asiáticos e adjacências. A cerimônia na verdade é uma ação de marketing praticamente e irá acontecer em meio ao congresso anual da Tamerlane, evento que reunirá grandes nomes da empresa, políticos e jornalistas.
Em meio a organização, Hauser será assessorado por Marsha Dillon (Joan Cusack), uma eficiente secretária, mas que por vezes parece um pouco aloprada, e também terá que fugir das cantadas nada discretas de Yonica, a quem ele repudia por considerá-la um produto que a indústria fonográfica criou para alienar e erotizar os jovens. A moça claramente vai se casar com um árabe por interesses comerciais que provavelmente ela própria desconhece, mas iludida pela atenção que a mídia dispensaria ao evento ela topa tudo, aliás, sua carência de qualquer tipo de afago é nítida. Enquanto tenta bolar a melhor maneira de atacar o seu alvo, o matador ainda terá que lidar com Natalie Hegalhuzen (Marisa Tomei), uma jornalista politicamente correta que tenta se infiltrar no evento da Tamerlane com o objetivo de desmistificar a aura positiva da empresa revelando seus podres. Dessa forma Hauser, pouco a pouco, esquece de um dos principais mandamentos de sua profissão: nunca se envolva com a situação, apenas faça o serviço e vá embora. No passado ele teve uma grande decepção com um crime que envolveu sua esposa e filha pequena e desde então se tornou um homem frio e solitário, mas que pela primeira vez em muitos anos parou para pensar duas vezes antes de levar adiante seus propósitos adiante. A cena da virada se dá quando o protagonista se vê sozinho com Yonica e Natalie em um antigo casarão, como se elas estivessem ocupando os lugares vazios daquelas que eram as mulheres da sua vida, mas como isto é uma comédia, o clima familiar logo é quebrado quando Hauser deixa aflorar seu instinto de violência para defender as duas, mas elas ficam horrorizadas com seus métodos de trabalho.
O elenco ainda conta com o premiado Ben Kingsley interpretando Walken, o vice-rei do Turaquistão nomeado pelo próprio governo dos EUA obviamente para manter sua imagem de dominação sobre o recém-conquistado país. Hauser irá trabalhar para ele na realidade desde o início, porém, sua identidade e até mesmo seu nome ficam incógnitos até quase o final. O personagem ainda reserva um outro mistério, assim compensando a revelação sobre quem ele é, mas não tinha como não citar o nome do ator neste texto, até para frisar que este é um dos raros casos que ele frustra com sua interpretação. O problema é que o perfil deste poderoso não condiz com o talento de seu intérprete, obrigado a viver algumas das cenas mais patéticas de toda sua carreira. Fazer o que? A própria história como um todo converge em uma conclusão pastelão, com muito corre-corre, barulhos e diálogos apressados, tudo bem ao estilo que Hollywood gosta. Apesar do final debochado, Guerra S.A. – Faturando Alto tem sim um conteúdo relevante, mas para compreendê-lo talvez seja necessário um pouco de informações além da tela, podendo os alienados até passarem batido pela crítica implícita na personagem Yonica. Enquanto é idolatrada e seus videoclipes repletos de malícia fazem sucesso em países orientais, muitas mulheres locais ainda sofrem com os costumes opressores que colocam o sexo feminino em posição submissa.
Se a música norte-americana tem passe livre, automaticamente outros bens de consumo ianques também encontram portas abertas como o cinema, os programas de TV, roupas, fast-food entre tantas outras coisas que descaracterizam a cultura local. Iludindo as pessoas, as empresas exploradoras de recursos naturais não costumam encontrar resistência para entrar em territórios alheios e destruir ou usufruir ao máximo das riquezas, afinal estão todos muito entretidos para contestar qualquer coisa. De forma parecida também atua a indústria bélica que financia conflitos armados para depois os EUA posar de solidário e pouco a pouco dominar mais uma área e ampliar seu poder de grande potência. Apesar do aparente descompromisso, esta comédia tem muitos pontos a serem discutidos e que certamente levam a outros, algo louvável vindo de uma produção americana que desejou fazer uma crítica a própria soberania do país, podendo sobrar farpas até para a própria indústria do cinema dependendo da extensão da discussão sobre o tema principal do longa. Em tempo: destaque para a atuação de Duff que de certa forma ironiza a figura daquilo que ela mesma poderia ter se tornado, mas sua carreira como cantora não foi o estouro esperado. Há males que vem para o bem.
Comédia - 106 min - 2008
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