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terça-feira, 27 de setembro de 2016

A GUERRA DOS WINTERS

NOTA 7,0

Drama independente aborda as
consequências de uma tragédia
sobre uma família, porém, evita
momentos de conflitos explosivos
Um dos temas prediletos do cinema americano independente é falar sobre famílias desestruturadas, mas o que era visto com olhares de novidade outrora já faz algum tempo que perdeu o espírito de novidade. Contudo, quem gosta de dramas e histórias mais realistas e humanas certamente deleita-se com produções desse tipo, embora seja uma pena que a maioria só ganhe projeção quando indicada ou vencedora de prêmios importantes, o que infelizmente não é o caso de A Guerra dos Winters, filme simples que aposta em temáticas batidas, mas que de qualquer forma mostra-se um belo trabalho de estreia do diretor e roteirista Josh Sternfeld. Lançado nos cinemas com o nome Sobre Pais e Filhos e sem grande projeção, é justificável seu esquecimento quando lançado em DVD, erro não corrigido até hoje por parte do público. Por conta de uma mudança de distribuidora para comercialização do longa em home vídeo, a troca de título foi infeliz, pois vende a ideia de uma comédia, quando na verdade é um drama leve, porém, sem a mínima dose de humor. O foco da trama é falar sobre as dificuldades de comunicação entre as pessoas e a falta de perspectivas para quem vive em cidades interioranas. Contemporâneo, o enredo faz um paradoxo interessante a vida nas grandes metrópoles, visto que nelas as opções de ascensão parecem não faltar e é propagada aos quatro ventos a ilusão de que a comunicação via meios eletrônicos aproxima as pessoas. Sternfeld, no entanto, só deixa subentendida essa diferença, o que deixa sua obra com um irresistível clima bucólico, como se a cidade em que a trama se passe tivesse parado no tempo. Tal tranquilidade só é quebrada quando nos lembramos do episódio que abalou as estruturas da família Winter. Há cinco anos a matriarca do clã faleceu em um acidente de carro quando buscava o filho caçula no treino de beisebol na região central da cidade (cujo nome não é mencionado). Tal informação só é dada na reta final, mas não configura surpresa alguma, contudo, essa revelação serve para confirmar tudo aquilo que absorvemos ao longo da projeção a respeito da família protagonista. De classe média, procuraram viver e educar os filhos longe dos agitos e vícios das metrópoles, mas a tragédia acabou provocando reações adversas nos filhos e no marido, cada um tentando superá-la de uma forma, mas todos coincidentemente procurando a introspecção como escudo.

Jim (Anthony La Paglia), o pai, toca sozinho uma pequena empresa de jardinagem e paisagismo. Mais que um trabalho, tal atividade é a forma com que ele encontrou para se manter ocupado e evitar contato com os filhos Gabe (Aaron Stanford) e o caçula Pete (Mark Webber). Na realidade, eles não vivem aparentemente brigando, tentam até manter um relacionamento cordial, mas qualquer pequeno motivo pode se tornar o pontapé de uma discussão. Seguindo os passos do pai, o filho mais velho também mergulhou no trabalho para superar a dor. Bem, isso é o que Jim pensa. Na verdade, mesmo desqualificado para a função que exerce em uma estufa, Gabe tenta pegar até o máximo de horas extras que pode, pois quer juntar dinheiro para ir embora de casa e ir dividir uma casa com um amigo na Flórida, talvez iludido pela ideia de que na cidade grande basta ser esforçado para vencer na vida. Já Pete no momento só estuda ou pelo menos tenta fazer isso. Talvez se sentindo responsável pela morte da mãe, o adolescente entrou em uma maré de autodestruição, desenvolvendo um estilo ora agressivo ora displicente. Mesmo demonstrando inteligência, na escola seu comportamento preocupa os professores, mas o próprio pai se nega a reconhecer que ele repetiu um ano, preferindo se enganar que o jovem apenas perdeu alguns meses de aula. Sternfeld alicerça sua obra procurando mostrar os efeitos negativos do acidente com a Sra. Winters para esses três homens. A tragédia nem chega a ser mostrada e embora só explicada nos minutos finais desde o início é possível compreender o que aconteceu, isso porque o roteiro é um emaranhado de clichês. Contudo, a previsibilidade é essencial para nos envolvermos com os dilemas da família Winter, nos sentirmos atraídos a participar de seu desconfortável cotidiano. Basicamente masculina, a trama poderia render um pouco mais se tivesse suas poucas personagens femininas melhor desenvolvidas. Molly Ripken (Allison Janey) é uma vizinha temporária que está cuidando da casa de um amigo. Sozinha, ela tenta se aproximar de Jim e esta amizade parece ser um alívio para o viúvo que pode enfim dividir suas emoções e pensamentos com alguém, porém, seus filhos obviamente se mostram avessos a essa aproximação. Inteligentemente, o roteiro foge do maniqueísmo dos irmãos se unirem para arruinar um provável namoro do pai, ainda que ambos se mostrem frios no contato com Molly. Já Stacey (Michelle Monaghan), namorada de Gabe, surge mais como uma amiga próxima da família. A sensação é que eles vivem um amor platônico, desses que começam na infância, mas a introspecção do rapaz impede que ele demonstre afeto pela moça, ainda mais por sua decisão de se mudar não levar o relacionamento em consideração.

De um filme classificado como drama o que podemos esperar são conflitos, situações que provoquem brigas, discussões ou ressentimentos e que envolvam os espectadores a ponto de torcer pela reaproximação dos personagens. No entanto, Sternfeld não busca momentos explosivos de emoção com direito a choros, gritos e barracos. Aparentemente nada de anormal acontece com os Winters, família que vive em uma bela casa com jardim bem tratado e que parece ter superado uma tragédia através da união. Na realidade, eles vivem a desconstrução do chamado sonho americano. Cada um desses personagens está passando em silêncio por grandes transformações na tentativa de seguirem suas vidas com dignidade e essas mudanças são captadas com sutileza em alguns diálogos, gestos e olhares. O trio de protagonistas se sai muito bem na árdua tarefa de viverem “vidas duplas”, ou seja, deixarem transparecer para a sociedade que está tudo bem quando na realidade por dentro estão corroendo mágoas e ansiedades, ainda que o jovem Pete vez ou outra extravasasse sua raiva em brigas de ruas ou desrespeitando os professores na escola. Curiosamente, o Sr. Winter que poderia ser um personagem chato e durão mostra-se um ser humano cativante, aquele paizão que prefere engolir sapos o quanto pudesse ao invés de brigar com os filhos. A certa altura ele passa uma mensagem memorável. Basicamente ele diz que montar um belo jardim é fácil, o complicado é mantê-lo bonito, uma metáfora que se aplica a manutenção de uma família. É muito fácil constituir uma, mas difícil manter unida e feliz. Neste caso, o clã sofreu com uma ação inesperada, mas quantas famílias por aí já se formam de maneira errada e por vezes seus membros preferem viver infelizes, mas ainda sob o mesmo teto, a assumir o fracasso perante a sociedade? Jim adoraria manter seus filhos junto com ele, mas precisa aceitar que eles precisam achar suas próprias identidades e os rumos que querem dar às suas vidas, assim como ele mesmo que parece ter estagnado após enviuvar. O estado inerte dos protagonistas é acentuado pela fotografia pálida, o pouco uso de cores em cenários e figurinos e a trilha sonora que remete a sensação de solidão, pequenos detalhes que demonstram a sensibilidade e o perfeccionismo de Sternfeld logo em seu primeiro trabalho. Em suma, A Guerra dos Winters é aquele tipo de filme que pode não ser arrebatador, mas de certa forma capta a atenção de pessoas mais sensíveis e que já estão predispostas a aceitar um final mais realista, um desfecho que simplesmente opta por encerrar a obra em um determinado momento de harmonia dos personagens principais, não excluindo a possibilidade de na cabeça dos espectadores suas histórias terem continuidade, quem sabe até mesmo imaginando os possíveis conflitos que os poucos coadjuvantes existentes poderiam deflagrar.

Drama - 89 min - 2004 

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