NOTA 9,0 Família Noel procura modernizar seu esquema de entrega de presentes, mas quando há uma falha a salvação para o Natal pode ser o tradicionalismo |
Dia 25 de dezembro, é Natal, e os chatos de plantão podem
reclamar a vontade, mas não dá para comemorar a data sem curtir um filminho
natalino. Todos sabem o que vamos encontrar neles e talvez seja justamente a
repetição de mensagens edificantes o que torna tal programa irresistível em uma
época em que a maioria está embriagada pela valorização do espírito de união,
amor e solidariedade. Geralmente com roteiros que flertam com o drama e a
comédia, basicamente tais obras lidam com o tema da recuperação do conceito
original desta data festiva e a animação Operação Presente não foge à regra,
mas basta um pouco de criatividade para dar certo ar de novidade à produção.
Como o Papai Noel entrega tantos presentes em todo o mundo em uma única noite?
Tentando responder a essa pergunta que milhares de crianças certamente fazem
todos os anos, este desenho traz toques de modernidade em sua narrativa como
uma mega operação de confecção e distribuição de presentes com o que há de mais
moderno e o sempre necessário núcleo familiar disfuncional desta vez é
representado pelos próprios parentes do bom velhinho. A
narrativa nos apresenta à Arthur, o filho do Papai Noel, este que não é um
milenário ancião como muitos pensam. Ele é o vigésimo homem de uma mesma
linhagem a ocupar a vaga ao longo de mais de mil anos de distribuição de
presentes, mas as coisas se complicaram comparando-se os dias de hoje com os
primórdios desta atividade. A população mundial cresceu de forma descomunal
tornando inviável a entrega de todos os presentes ao longo da madrugada
natalina, nem mesmo com todo o clã Noel se esforçando ao máximo. Assim, hoje o
aposentado e rabugento Vovô Noel, a prestativa Mamãe, o aficionado por
tecnologia Steve, apontado como o sucessor do bom velhinho, o próprio Papai,
Malcolm, em seus últimos dias usando a roupa vermelha, e ainda o caçula
desajeitado Arthur, além de milhares de elfos, viajam em uma moderna e potente
aeronave e comandam uma estratégica operação para entregar os brinquedos, praticamente
um plano de guerra. O metódico Steve é quem organiza tudo, contudo, mesmo com
todo o seu perfeccionismo as coisas não saem como esperado.
Neste Natal, após terminarem as entregas, é descoberto que
uma menina que mora em Cornualha, na Inglaterra, não recebeu a bicicleta que
pediu e certamente deixará de acreditar na magia do Natal. Como é mostrado logo
na introdução, hoje em dia com a internet ficou fácil para qualquer um fazer
pesquisas sobre o Pólo Norte e ficar frustrado ao não descobrir nada sobre o
Papai Noel, mas Steve, sua família e seus funcionários estão lá e não podem ser
esquecidos, caso contrário toda uma engrenagem será desconstituída e muitos
ficarão desempregados. Para a surpresa de todos, é o desacreditado Arthur que
então decide fazer a entrega deste último brinquedo e de quebra provar que um
dia ainda poderá ser o bom velhinho, ainda que Malcolm não se sinta pronto para
abandonar a função acreditando que sua vida perderá o sentido sem ter trabalho.
Com a ajuda de Vovô Noel e de Bryony, uma elfa embaladora, o jovem embarca com
toda a coragem do mundo no bom e velho trenó puxado pelas renas. Em sua estreia
como roteirista e diretora, Sarah Smith propõe uma discussão sobre o antigo
versus o moderno. Enquanto Steve acha que pode fazer um trabalho melhor que o
pai investindo em tecnologia de ponta, Arthur simplesmente opta por manter as
tradições, seguindo os conselhos de seu avô que abomina a modernidade. Criado
nas salas do estúdio Aardman, responsável por tesouros animados como A Fuga das
Galinhas e Wallace e Gromit – A Batalha dos Vegetais, é conflitante a opção que
escolheram para o aspecto visual deste longa. Desenvolvido em computação
gráfica e optando por efeitos tridimensionais, o filme “suja” a imagem de sua empresa que
até recentemente era conhecida pelos trabalhos em stop-motion, aquela técnica
de animação de bonecos de massinha tão tradicional e charmosa. Todavia, esse é
um detalhe levemente decepcionante, pois a inteligência característica do
estúdio na construção de narrativas, cenários e personalidades de personagens
continuam impecáveis. A publicidade em torno dos efeitos 3D na
época do lançamento só serviu para atender estúpidas exigências de mercado, mas mesmo
em um DVD tradicional, por exemplo, a obra não perde de forma alguma suas belas imagens e cores
vivas.
Com uma narrativa divertida, leve e bem criativa, a diretora
conseguiu reunir todos os elementos necessários para um típico filme natalino e
ainda de quebra inovar adicionando conceitos tecnológicos propondo assim uma
discussão pertinente aos dias atuais ao mesmo tempo em que esses elementos
servem para alimentar o humor da trama. O roteiro, feito em parceria com Peter
Baynham, responsável pelos polêmicos Borat e Brüno protagonizados por Sacha
Baron Cohen, além de criticar levemente a pressão que a tecnologia faz para
penetrar na vida de todos chegando ao ponto de quebrar tradições e tornar
certas coisas obsoletas, também foca nos conflitos familiares, mas de forma
diferente do que estamos acostumados em longas natalinos. Aqui a família Noel
não está às voltas com a ceia ou com os gastos excessivos, mas sim na
manutenção do sistema de entrega de presentes como uma empresa de verdade
onde existe hierarquia e as tarefas são divididas de acordo com as competências
dos envolvidos. Contudo, a busca incessante em mostrar quão robótica é a
relação desse grupo de moradores do Pólo Norte atrapalha um pouco o ritmo da
narrativa, diluindo demais o humor em detrimento das alfinetadas. Se temos
pontos altos com a alegria e loucura contagiantes do Vovô, por outro lado falta
um vilão para dar gás à história ou podemos interpretar que a modernidade faz o
papel de antagonista. Operação Presente não é tão inocente quanto antigos
desenhos como Rudolph – A Rena do Nariz Vermelho e tão pouco melancólico e
emotivo como O Expresso Polar, mas tem seu valor por retratar um pouco do que
se tornou o Natal hoje em dia. O comércio impera e isso fica claro na adição na
narrativa de uma empresa distribuidora de presentes, algo que faz alusão aos
correios que vivem a pressão de milhares de pessoas que desejam que suas
encomendas sejam entregues até a noite do dia 24. Os adultos do longa parecem
contaminados pela tecnologia, como a Mamãe Noel viciada em internet ou seu
filho Steve que manja tudo sobre equipamentos de última geração, mas o pequeno
Arthur e seu avô, este já com certos sinais de demência que o deixam
infantilizado, estão alheios a esse estranho mundo novo e lutam para manter a
tradição em alta. Em suma, além de revitalizar o espírito natalino, a animação
também deixa a mensagem que é preciso ter o equilíbrio entre o novo e o velho
para atingirmos a perfeição. Ganhe seu vídeo game, computador ou celular, mas nunca se esqueça de agradecer e dar um abraço a quem lhe proporcionou tal alegria, simples
gestos que comumente esquecemos diante do apelo das novidades. Feliz Natal!
Animação - 97 min - 2011
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