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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO

NOTA 8,0

Último filme do cultuado diretor
Sidney Lumet é cruel do início ao
fim, mas presenteia o público com
boa história e interpretações fortes
Em tempos em que se discutem os absurdos caminhos que parte da humanidade está trilhando, o cinema tem seguido a tendência e cada vez mais abordando a temática das ações desesperadas. O que nos leva a realizar certos atos que mesmo calculando seus riscos no fundo sabemos que são errados e que inevitavelmente trarão consequências negativas para alguém? É esse dilema entre ética e ambição o foco central de Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, suspense com toques dramáticos dirigido pelo cineasta Sidney Lumet na época já bastante idoso, aos 84 anos (morreu alguns anos depois sendo este seu último trabalho), mas demonstrando ainda ter talento para dar e vender. Diretor de clássicos como 12 Homens e uma Sentença, Serpico e Um Dia de Cão, ele não só se mostrava totalmente lúcido para tratar de temas polêmicos como também em sintonia com o estilo de produções que andavam fazendo sucesso em meados dos anos 2000, aquelas tramas que vão e voltam no tempo deixando para o espectador o prazer de juntar as peças do quebra-cabeça e brincar de detetive, ainda que neste caso a única dúvida seja acerca do destino dos personagens, visto que desde o início sabemos de seus atos. Embora a primeira sequência possa causar repulsa para muitos, ela já serve para nos situar a respeito do caráter do protagonista Andrew “Andy” Hanson (Philip Seymour Hoffman), um executivo de meia idade cuja vida profissional está desmoronando ao mesmo tempo em que ele próprio se afoga no vício das drogas e do sexo. A quem não se importar com este detalhe do início, uma surpresa está por vir. A narrativa desenvolvida pelo estreante Kelly Masterson já revela o ponto crucial do longa antes de 15 minutos de projeção: um assalto mal fadado. A partir de então por meio de longos flashbacks ficamos conhecendo o cotidiano dos envolvidos dias antes do plano ser executado e depois temos as consequências do ato. Andy deseja oferecer uma vida de luxos para sua esposa Gina (Marisa Tomei), mas também precisa se livrar de uma auditoria que acometerá sua área de trabalho e que revelará um grave problema financeiro, um desfalque promovido por ele. Seu irmão mais novo Hank (Ethan Hawke) também está em situação difícil e deve três meses de pensão para a filha pequena, o pagamento do colégio dela entre outros apuros. Um homem com profissão aparentemente estável e problemas fúteis. O outro que inspira insegurança, mas com problemas bem mais sérios. As necessidades de ambos os levaram à perdição.

Andy diz ter um plano infalível para conseguir dinheiro e é incentivado pela esposa que não demora a se revelar uma boa bisca. O executivo propõe ao irmão que eles assaltem a joalheria dos pais deles, Charles (Albert Finney) e Nanette (Rosemary Harris). Como os dois já trabalharam na loja eles têm conhecimento do esquema de funcionamento, inclusive o segredo do cofre. Tudo seria relativamente fácil, apesar das implicações éticas que tal ato acarretaria. Só haveria um pequeno detalhe: para todos os efeitos os irmãos não teriam nada a ver com o crime. Enquanto Andy estaria em seu escritório, Hank ficaria a postos no carro para ajudar na fuga de Bobby (Brian F. O’Byrne), outro borra botas que topa qualquer coisa por uns trocados e aceita invadir a loja. Na hora da ação esperavam que apenas uma funcionária idosa estaria no local, alguém que poderia ser facilmente dominada, porém, quem foi abordada é Nanette que reage ao assalto e atira em Bobby, este que revida e acerta em cheio a idosa que não falece imediatamente, mas clinicamente já é dada como morta pelos médicos. Charles então jura se vingar custe o que custar dos culpados de tudo isso, mas nem imagina que estará caçando os próprios filhos. O crime perfeito por fim se revela uma sucessão de erros que cada vez mais cercam os irmãos que terão que lidar com problemas legais, familiares, chantagens e complicações com a própria consciência. Como o espectador já conhece o crime de antemão, a grande sacada do roteiro é fazer com que exista interesse em saber o que motivou Andy e Hank a tal ato, seu processo de planejamento e os rumos que suas vidas irão tomar visto que mais que o medo da prisão o que os assombra é o peso de serem os culpados pela morte da própria mãe. É curioso que os primeiros minutos do longa não dão pistas que estamos para começar a acompanhar uma trama tão complexa. Andy surge em cena em uma cena de sexo pouco glamorosa. Longe de ter um corpo de modelo, Hoffman se despede literalmente de qualquer vaidade assim como sua parceira de cena. Tomei exibe um corpo de dar inveja a muita jovenzinha, mas no conjunto a cena soa desnecessária em um primeiro momento, ainda mais por fazer apologias ao uso de drogas. Em seguida, a rapidez da sequência do assalto à joalheria é similar a tantas outras de filmes de ação e podem não causar o impacto esperado. Somente quando juntamos as peças das cenas seguintes, exibidas de forma não-cronológica, é que tomamos consciência da gravidade da situação. Talvez seu modo alternativo de trabalhar um texto com teor de suspense policial tenha afastado o público que não deu muita bola para a produção, mas de qualquer forma chamou a atenção dos críticos que cobriram a obra de elogios, ainda que Lumet tenha feito produções bem melhores no passado.

Andy é um vilão e Hank assume o papel de mocinho visto que foi persuadido a se meter no crime. Não. O irmão mais novo é culpado por de certa forma colocar a mão na massa enquanto o outro pode ser visto como uma vítima por apenas ter idealizado o plano motivado pelo seu vício em drogas. Também não. Lumet orquestrou uma produção onde não há estereótipos do bem ou do mal, todos são vítimas de uma realidade que mais cobra do que doa. Hank se descuidou na juventude e agora tem que sustentar uma criança, mas não encontra oportunidades de bons trabalhos. Já Andy tem uma boa ocupação e ganha o necessário para seu sustento, mas a obsessão da esposa por uma vida luxuosa o contamina levando-o a atos insensatos, recorrendo as drogas para se afastar de problemas, mas no fim só arranja mais sarna para se coçar. Cruel do início ao fim, o longa se apóia em uma crescente tensão familiar protagonizada por um elenco forte e convincente. Muito elogiado e indicado a prêmios, Hoffman é a grande força do filme, tendo seus melhores momentos quanto está envolvido com seu vício ou divagando a respeito de sua vida. Lentamente acompanhamos sua autoconfiança se esvair e dar lugar ao desespero.  Já Hawke, infelizmente ainda carregando o estigma de não ter talento, merecia um reconhecimento maior por este trabalho no qual divide opiniões, alguns torcendo por sua redenção, outros por sua punição. Levando uma vida instável e demonstrando uma personalidade insegura, é quase impossível não enxergarmos o personagem como um submisso em relação ao irmão mais velho. Falando em desconfianças, Tomei é um caso curioso provando que o passar dos anos lhe fizeram muito bem tanto no físico quanto na profissão. Após o precoce Oscar que ganhou no início dos anos 90, sua carreira foi marcada por críticas ácidas, mas aqui ela surge com naturalidade como uma mulher que tem consciência de que precisa se estabelecer financeiramente (entenda enriquecer-se às suas custas de um homem) antes que sua beleza exterior se torne sua inimiga. Desesperadamente procura afeto e segurança sem se preocupar se pode magoar as pessoas. Por fim Finney emociona como o homem amargurado que além de perder de uma forma estúpida a mulher com quem dividiu boa parte da sua vida ainda tem que lidar com a dor de ter sua confiança traída pelos próprios filhos. Com uma trama fragmentada que mostra os diversos pontos de vista a respeito de um mesmo fato e seus desdobramentos, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto é um suspense dramático com pedigree e realista que se destaca pelo ritmo pausado como é desenvolvido, mas ainda assim bastante difícil de acompanhar pela densidade da narrativa. Por coincidência, a última cena é emblemática, já simbolizando a despedida de Lumet do mundo do cinema.

Drama - 117 min - 2007 

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