Nota 8 Sem criticar ou propor soluções, drama aborda os dilemas de imigrantes de forma realista
A festa do Oscar sempre foi muito criticada por aclamar o cinema norte-americano e raramente lembrar-se de que existe produção cinematográfica fora de seu território com fôlego para competir de igual para igual em diversas categorias da premiação, não precisando ficarem restritas ao prêmio de filme estrangeiro. Todavia, quem conhece a linha do tempo dos trabalhos da Academia de Cinema de Hollywood sabe que as coisas não são tão radicais. Entre as categorias técnicas é comum estrangeiros saírem vitoriosos da cerimônia, ainda que trabalhando em produções hollywoodianas na maioria das vezes, e também tem sido cada vez mais corriqueiras as indicações de atores fora da panelinha americana. As chances deles ganharem são poucas, mas só o fato de serem indicados já é muito significativo para suas carreiras e também para os filmes que defendem. Uma Vida Melhor poderia ser apenas mais um filminho qualquer, mas a indicação ao Oscar do então desconhecido ator Demián Bichir mudou tudo. Aclamado pela crítica em vários países, esta é um produção independente americana com elenco predominantemente latino, salvo algumas poucas exceções, o que confere a obra um estilo diferenciado. É um ligeiro passeio pelo mundo a parte ao qual parecem fadados a viverem aqueles que ousaram a atravessar a fronteira dos EUA munidos apenas de coragem e força de vontade.
Se as coisas não são fáceis para quem muda de país seguindo os trâmites legais, imagine para os imigrantes ilegais, como é o caso de Carlos Galindo (Bichir), um mexicano que vive no subúrbio de Los Angeles, ambiente pouco hostil e de má fama, na companhia de seu filho Luis (José Julián). Este pai trabalha como jardineiro em casas luxuosas e se esforça ao máximo para dar um futuro digno ao adolescente que há anos cria sozinho, inclusive prefere dormir no sofá da sala para deixar o conforto da cama para o garoto ficar mais descansado e assim se dedicar aos estudos com afinco, mas parece que todo esse empenho é em vão. Luis não gosta da escola e a delinquência está muito perto de seduzi-lo visto que seus amigos ou já fazem ou desejam fazer parte de gangues que usam a violência sem pudor. Galindo ganha uma pequena participação dos lucros de cada trabalho que realiza e seus serviços são solicitados sempre que Blasco (Joaquín Cosio) consegue um novo jardim para ser feito ou reparado, mas ele não pode contar com os benefícios que um trabalhador contratado e legal poderia conseguir. Os dois vivem em condições antagônicas. Blasco conseguiu se fixar legalmente nos EUA, ganhou muito dinheiro com a exploração dos serviços dos outros e agora já tem condições de voltar para o México e comprar sua casa própria. Com a decisão, ele resolve vender sua caminhonete de trabalho para Galindo que então teria a oportunidade de ser seu próprio patrão e condições de ir e levar junto suas ferramentas para qualquer lugar.
O problema é que sem documentos válidos no território Galindo não possui carteira de habilitação e tampouco conseguiria passar o veículo para o seu nome. Além disso, suas economias seriam insuficientes e teria que contar com a ajuda de Anita (Dolores Heredia), sua irmã mais nova que se casou com um americano e assim teve sua situação regularizada, todavia, a relação com o cunhado é estremecida, bem dizer nem existe. É o tal do preconceito, mais um dos pontos relevantes do roteiro assinado por Eric Eason. Por mais que o tempo passe os latinos ainda são vistos pela sociedade americana com olhares tortos, principalmente os que vão atrás de trabalho. Se você vai para lá sem um belo currículo (não que isso garanta algo) dificilmente se livrará de empregos sacrificantes e mal remunerados, isso se tiver a sorte de logo de cara não ser rotulado como bandido. O fato é que a imagem do imigrante fracassado é repudiada. Anita preferiu a vida confortável a defender sua família, mais um ponto para justificar o perfil revoltado de Luis que não se conforma com a vida que o pai leva e lhe oferece, apesar de todos os esforços do jardineiro. Como qualquer adolescente, independente da classe econômica, para ele ter é poder e o ponto de virada desta relação entre pai e filho é justamente quando Galindo resolve enfrentar seus medos e compra a tal caminhonete. Realmente ela foi um ponto de transformação na vida destes homens, não exatamente da maneira que esperavam, mas como diz o ditado há males que vem par o bem.
Além dos problemas que a ilegalidade naturalmente lhe traz, Galindo também não conta com a sorte. Muito íntegro e de bom coração, apesar de todos os golpes que a vida já lhe deu, o jardineiro acaba perdendo a caminhonete para um desconhecido por pura imprudência, mas encorajado por Luis decide ir em busca do que é seu e nessa jornada os dois acabam se aproximando e finalmente compreendendo um ao outro. Filmes que abordam a marginalização a qual estão expostos os imigrantes ilegais e algumas vezes até mesmo os regularizados existem as pencas e talvez por isso no conjunto o trabalho do diretor Chris Weitz pareça menor em comparação com outros de mesma temática, principalmente por optar por uma conclusão mais realista e dispensar o final previsível e alegre que estamos acostumados a ver em produções do tipo. Com uma filmografia um tanto eclética, que varia desde a refilmagem de O Céu Pode Esperar, passando pela fantasia A Bússola de Ouro e até a assinatura de A Saga Crepúsculo – Lua Nova, é uma grande surpresa ver o cineasta mostrando tanta sensibilidade sem ser piegas. Weitz não recrimina a situação dos ilegais e tampouco apresenta soluções satisfatórias para seus problemas, limitando-se a apenas retratar algumas das inúmeras situações constrangedoras e angustiantes as quais essas pessoas estão expostas, como não ter o direito de denunciar um crime, pois independente do caso o reclamante não regularizado seria visto imediatamente como uma ameaça, alguém que precisaria ser deportado o mais rápido possível, sendo muito raras as chances de um imigrante conseguir permanecer em solo norte-americano quando o problema está nas mãos da justiça.
A boa condução da trama e a interpretação de Bichir conquistam a empatia instantânea do espectador para encarar Uma Vida Melhor sem preconceitos. Galindo é o homem comum que luta pela própria sobrevivência e a do filho a cada novo nascer do sol e que procura manter a razão e a ética sempre em primeiro lugar, mesmo nos momentos mais difíceis. Quando ousa enfrentar os problemas, acaba esbarrando nas dificuldades que o próprio sistema hipócrita que rege as sociedades impõe. Quem provoca não sofre consequências, pelo menos do rigor da lei dificilmente, mas quem revida está sempre errado ainda mais quando seu histórico de vida conta com algumas manchas, mesmo que elas não sejam tão graves a ponto de colocar pessoas em risco. Sem querer copiar modismos, como ambientação extremamente suja e câmera tremida para evidenciar o cotidiano intranquilo do protagonista, Weitz realizou uma obra envolvente, direta e com conteúdo, uma narrativa que pode até remeter em alguns momentos ao sucesso À Procura da Felicidade, no qual o personagem de Will Smith cada vez mais vai chegando ao fundo do poço com as dificuldades que a vida lhe coloca no caminho, mas em contrapartida o relacionamento com o filho amadurece positivamente. As intenções neste caso são semelhantes e com um toque maior de realidade. Conhecer as leis da selva e aprender a lidar com seus obstáculos são tarefas diárias e o destino do protagonista traduz tal mensagem com perfeição.
Drama - 98 min - 2011
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